quinta-feira, 18 de maio de 2017

O Rouxinol, Kristin Hannah


Opinião: Este não seria necessariamente um livro que eu escolheria ler normalmente. Ao que entendo da sua bibliografia, a Kristin Hannah escreve maioritariamente Women's Fiction (não gosto desta nomenclatura, mas isso é assunto para outra altura), uma categoria onde se costuma incluir livros focados em mulheres, contemporâneos, cujo foco principal se estende para além do romance.

Portanto, não escreve numa área que eu leia habitualmente ou que me interesse de forma especial. As probabilidades de nos cruzarmos eram remotas. Entra em cena este livro, com uma série de burburinho por trás a destacá-lo, e passado na 2ª Guerra Mundial, e pronto, foi o suficiente para atiçar a minha curiosidade.

Talvez por não ler habitualmente na área em que a autora costuma escrever, posso dar-me ao luxo de ser mais desligada quando digo que o livro parece ter alguns dos, digamos, clichés que poderíamos associar ao género. (E isto é apenas a minha sensação de acordo com o que conheço. Vale o que vale.)

Ora vejamos: é escrito de forma a maximizar o lacrimejar do leitor, ao melhor estilo Nicholas Sparks, e condensa no menor número de páginas possível a maior quantidade possível de desgraças e situações complicadas de todo o género, para obter esse lacrimejar. A diferença aqui é: é sobre a 2ª Guerra Mundial, e isso faz mesmo toda a diferença, bem como a forma como descreve o decorrer dos acontecimentos.

Digo isto porque não dá respostas fáceis sobre as coisas que descreve. Mostra os extremos das situações e como sob pressão todos podem ser levados a eles. É um descrever do dia-a-dia duma vilória qualquer na França ocupada, e é impressionante ler sobre o mesmo.

Não é muito comum ler sobre as pessoas normais que vivendo em França, viram o seu modo de vida completamente alterado, com soldados nazis a serem atribuídos às casas que tinham quartos disponíveis, com uma comunidade transida de medo, que cresce de forma insidiosa, com listas e despedimentos (e eventualmente, enforcamentos) de pessoas incómodas, com destacamento de judeus da comunidade para serem levados sem ninguém entender o que está a acontecer.

Quando autocarros chegam a Paris e às pequenas terras para levar judeus, é fácil ao leitor entender o terror do que os espera, mas também é de partir o coração ver aqueles pessoas e os que as rodeiam ficar confusos, não entender o que se passa, tentar perceber porque tal acção está a acontecer, o sentido de tudo aquilo; e também é aterrador perceber que ainda não sabem, não conhecem o extremo a que o ódio pode levar.

Voltando atrás: este também é um livro sobre duas irmãs, e a sua relação fraternal, que achei muito interessante e bem desenvolvida, especialmente nas tensões entre as duas devido ao passado e à relação que têm com o pai.

Vianne é a mais velha, e de certo modo, a mais frágil, devido a circunstâncias da vida.. O escalar dos acontecimentos assusta-a, mas na primeira parte do livro tem confiança que tudo se resolverá, que o marido vai voltar para casa e que ajudará a resolver os problemas que enfrenta nesses primeiros tempos.

A sua evolução é cativante, especialmente porque a Vianne é todos nós, com vontade de ficarmos no nosso cantinho, sobreviver. A determinação dela em proteger a filha, no entanto, é louvável, especialmente porque faz todo o tipo de sacrifícios por ela. (E entristece-me pensar na Sophie a crescer nesta época, a começar a entender as coisas e crescer sabendo do pior que o ser humano pode oferecer.) No entanto, as coisas escalam de maneira tal, as perdas são tantas, que a Vianne sente que nada tem a perder, e ganha coragem para ajudar como pode.

Já a Isabelle... bem, eu não gosto de personagens como ela é. (Ou era na primeira parte.) É muito Marianne (do Sensibilidade e Bom Senso): muito idealismo e muita falta de bom senso. Aborreceu-me ter de ler nas primeiras 150 páginas a sua indignação com os nazis, que tinham de se opor a eles assim e assado, fazendo todo um número de pequenas rebeliões estúpidas e desnecessárias, que sob o olhar errado teriam emperigado a sobrinha e a irmã. A falta de consideração é enorme, e irrita-me mesmo. (Além disso, ela é o centro de um instalove que me fez revirar os olhos... e apesar de a situação ser desenvolvida de forma complexa mais para a frente, nunca me soou satisfatória.)

Felizmente, ela ganha juízo, e encontra o caminho para a Resistência, para ajudar como pode. E o que começou como entrega de missivas aqui e ali... terminou na criação por sua iniciativa de um caminho de fuga para pilotos dos Aliados através dos Pirenéus. (E consideremos o quão divertido será ver homens nos anos 40 deparar-se com uma miúda que os vai levar através das montanhas cheias de neve.)

E é por isso que o livro acaba por ser marcante: é uma ode ao trabalho que as mulheres fazem em tempo de guerra, tantas vezes desconhecido ou não reconhecido. Os homens lutam e fazem um grande estrondo e voltam e são heróis e tal. (Generalizando muito a coisa. claro.) As mulheres sobrevivem e duram e encontram pequenas mas enormes formas de contribuir, e não falam disso. Continuam a viver.

A narrativa é intercalada com capítulos nos anos 90, sob a perspectiva de uma das irmãs (não é suposto sabermos qual até quase ao fim), e esses pedaços são fascinantes de ler, pela perspectiva que a pessoa tem ao fim destes anos todos. (Gostava que confiasse no filho e realmente lhe contasse quase tudo o que passou na guerra. Parece uma herança que não merecia ser desperdiçada.)

O final: bem, frustra-me a parte da Isabelle. No fim de tudo, parece anticlimático. Entendo o que aconteceu e porquê, mas não concordo que precisasse de ser assim. Já a Vianne, tem umas escolhas bastante difíceis a fazer e é de partir o coração, pensar no que sofreu, mas anima-me ver a resiliência que a guerra lhe trouxe, e entendo as suas escolhas.

E pronto, este não era um livro que eu procuraria normalmente, as estrelas alinharam-se para a leitura. Não vai ficar propriamente como favorito, não pela sua qualidade, mas porque não é parte de um género que me apaixone; porque à parte isso, é um livro muito bom, com grandes momentos e que faz umas boas escolhas no que toca à história. Tem tudo para continuar a cativar leitores.

Título original: The Nightingale (2015)

Páginas: 480

Editora: Círculo de Leitores

Tradução: Marta Pinho

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