Opinião: Bolas, a Josephine Angelini tem uma sorte dos diabos, que resulta de eu acabar a gostar muito do que ela escreve e de como escreve; porque também faz um par de coisas que escritas por outra pessoa dariam comigo em doida, e a verdade é que geralmente estou demasiado divertida e embalada a ler para me chatear a sério com o que seria um pecado capital nas mãos doutro escritor.
Portanto, tiremos as coisas aborrecidas do caminho primeiro. Alguém me mate com este enredo dos primos. Isto é parvo. Isto é parvo ao quadrado. Ao infinito, até. Por favor, eles não cresceram juntos. Tratá-los como se fosse um crime só vai dar asneira, e empurrá-los para os braços um do outro. Além disso, mitologia grega, anyone? Incesto era o prato do dia. Raios, todas as justificações arranjadas para os separar soam demasiado fracas.
Segunda coisa potencialmente aborrecida. O triângulo amoroso. Depois de ler o primeiro livro fui ler a sinopse do segundo e só a menção de tal coisa me pôs a gritar com uma amiga que me tinha dito "não, não tem nada disso". Pois. Aparentemente temos definições diferentes da coisa. Depois de ler voltámos a trocar ideias sobre o assunto. Ela continua a defender a mesma posição. Eu não consigo ver como não é um triângulo.
Oh well. Não estou chateada. Ao menos valeu-me uma discussão profunda sobre o assunto. Mais ou menos. Eh. De qualquer modo, a coisa distraiu-me do drama dos primos, e de todas as maneiras como se podia desenvolver um triângulo, a Josie consegue fazê-lo da maneira menos irritante possível. Acho que o modo como os acontecimentos se desenvolvem acaba fazer bastante sentido, e não odeio todos os envolvidos, o que é um bom sinal. Até gostei deles e dos eventos do livro.
Terceira coisa chata: na primeira parte do livro, a Helena está completamente desamparada. Eu sei que ninguém tem experiência daquilo que ela está a fazer, mas não há um único adulto entre aqueles que a rodeiam que se coloque em posição de a acompanhar. Nem que seja falar com ela, deixá-la desabafar, sentir que não está sozinha com este fardo. Família Delos, estão a dormir, seus totós? A miúda está a definhar a olhos vistos à vossa frente e ninguém diz nada.
Passemos a coisas mais agradáveis. Já disse, volto a dizer, adoro que a autora escreva as coisas de modo a que os amigos humanos e mortais da Helena, o Matt e a Claire, façam parte do mundo dela. Aliás, eles estão determinados a fazer parte deste mundo, e esforçam-se ao máximo para a ajudar. As partes com eles são dos momentos mais altos da história.
Também gosto da geração mais nova dos Delos, e dos desafios únicos que se lhes põem. A pequena Cassandra dominada pelo Oráculo, e os gémeos Jasão e Ariadne a debater-se com a possibilidade de uma relação com mortais. Acho engraçado o primeiro virar drama queen, sempre nervosinho por causa da Claire, enquanto que a Ariadne se pergunta que raios é que se passa com o Matt, sem perceber que o intimida. O Lucas, bem essa é uma história completamente à parte. E o Heitor, onde é que está o Heitor? Que saudades de o ver às turras com a Helena.
Batendo na mesma tecla, continuo a adorar a adaptação que a autora faz da mitologia grega. Adoro simplesmente a maneira como usa elementos reconhecíveis e icónicos e os mistura com as suas próprias ideias. Fiquei bastante satisfeita com os pedaços de mitologia que vislumbramos neste livro, com os esclarecimentos que obtemos, e gostei de descobrir mais um bocado deste mundo - mas ainda assim estou extremamente curiosa para ver o que se apresentará no futuro.
Focando-me no objectivo principal do enredo, a exploração do Hades para libertar os Rebentos da maldição das Fúrias: epá, eu achei piada a essa parte. Mesmo quando a Helena só estava a enterrar-se mais e mais, sem conseguir avançar, porque certos aspectos do Hades são fascinantes. A demanda das Fúrias é muito curiosa, especialmente pelos passos que tiveram de ser dados para ser realizada.
Voltando à coisa do triângulo: normalmente não consigo evitar odiar toda a gente envolvida, por darem comigo em doida, mas aqui nem tenho coragem para isso, e todos são demasiado adoráveis ou estão com demasiados problemas para eu ter coragem de me chatear com eles. (E a Josephine escreve duma maneira que eu não consigo detestar, só embalar e ir com a onda, e adorar a viagem.)
O Lucas tem demasiados dramas pessoais para gerir, e não está tão presente fisicamente; só tenho pena de não ver mais de como as coisas correram para ele neste livro, porque os desafios que se lhe põem parecem deveras interessantes. O Orion é demasiado boa pessoa para eu conseguir não gostar dele. Passou tanto pela sua vida e mantém uma visão tão bem resolvida das coisas, e ajuda a Helena dum lugar de necessidade, mas também de altruísmo, e acaba por ser o personagem dos três com o percurso que mais gostei de ver.
A Helena, bolas, está demasiado insegura - é irónico e refrescante, como uma "reincarnação" de Helena de Tróia se sente insegura desta maneira - com os seus problemas pessoais; e tem uma demanda tão difícil e geradora de tensão que bem precisa de algo que a distraia, bem como algum tipo de apoio emocional - bem sabemos que os Delos não estiveram lá como eu desejaria. O Orion é uma alminha surpreendentemente descomplicada, o que é ideal. Ela bem precisa de um apoio, e a amizade e carinho e "algo mais" que evolui daí soa pelo menos natural.
A parte final é tão enervante e excitante, porque está tudo a acontecer, mas estão algumas reviravoltas guardadas para nós, e a mitologia, céus, o revirar da mitologia que conhecemos, e até do que foi estabelecido antes no livro, é fantástico. Conhecemos interpretações de personagens mitológicos mesmo interessantes. A maneira como os eventos se voltam contra a boa vontade da Helena é bem montada. E aquilo que vislumbramos do que está para vir, aquilo que é sugerido que pode vir a acontecer? A perspectiva é bastante animadora e emocionante.
É o que eu digo, eu não sei o que é que a Josephine Angelini faz, mas é tipo droga, uma pessoa fica viciada, lê, lê, lê e vira páginas atrás de páginas; escreve duma maneira que parece simples, sem esforço, o que provavelmente dá mais trabalho que se lhe daria crédito; e tem uma qualidade de escrita em que consegue escrever coisas bem dramáticas, com potencial para descambar até, mas sai-lhe tudo tão bem, tão certinho e tão envolvente e tão fascinante. É coisa para me deixar vidrada.
Título original: Dreamless (2012)
Páginas: 368
Editora: Planeta
Tradução: Inês Castro