Título original: Insatiable (2010) / Overbite (2011)
Páginas: 512 / 288
Editora: Bertrand / Harper Voyager
Tradução: Sandra Esteves / -
Oh, bolas, estava com algum receio de pegar nestes livros, porque li o primeiro há que tempos (já foi opinado aqui no blogue, mais no início), e tudo o que me lembrava era uma paródia divertida, mas também uma confusão pegada.
As boas e más notícias é que a minha ideia sobre o primeiro livro mantém-se e estende-se à duologia. Não sei onde a Meg Cabot teve a ideia sobre vampiros, nem como é que lhe deu para escrever uma espécie de paródia, mas recordo-me de ler algures um post dela sobre os livros, e que tudo começou com uma pergunta da editora dela sobre se nunca tinha pensado em escrever sobre vampiros.
Pergunto-me se essa cena recontada por ela não denota uma certa pressão da editora para escrever sobre vampiros quando escrever sobre vampiros estava na moda; e pergunto-me se essa suposta pressão terá levado a que ela escrevesse algo, de facto, sobre vampiros, mas não algo a que dedicasse toda a sua atenção, levando a uma história com algumas marcas de ser escrita pela Meg Cabot, mas uma com falhas e coisas que eu sei que a Meg Cabot sabe fazer melhor.
Coisas boas e típicas da Meg Cabot: o humor. A paródia está em cada palavra, as menções e alusões a Dracula de Bram Stoker estão em alta, e muitos pontos do enredo pegam nos clichés e tropes das histórias de vampiros: o insta-love, as tendências dramáticas (ainda mais porque a Meena trabalha a escrever para uma telenovela), o vampiro bom-de-mais-para-ser-verdade, o vampiro que é perseguido por uma sociedade de caçadores de vampiros, a guerra de vampiros, o triângulo amoroso, o potencial segundo interesse amoroso que é um caçador de vampiros... o que quer que a Meg se tenha lembrado, ela meteu aqui.
E na sua maioria, conseguiu o seu propósito. Há uma sensação de que a história sabe que é sobre vampiros, e que sabe que é uma paródia, e por isso não se leva demasiado a sério. E isso é divertido. Tal como topar os clichés. Passei um bom bocado a divertir-me com a relação da Meena com o Lucien, porque sabia que não era real. Aliás, nunca levei o Lucien a sério, e por isso nunca poderia torcer por ele. É demasiado intenso e algo tendencialmente violento, por isso nunca seria um namorado modelo, o que é todo o objectivo.
Ainda assim, o retrato do Lucien é relativamente interessante, dividido entre o bem e o mal, o controlar dos seus instintos e dos seus, e a necessidade de se abandonar a eles. No final do primeiro livro ganha algum respeito por respeitar a vontade de Meena, respeito esse que perde rapidamente no segundo livro quando mete na cabeça que há de tê-la à força toda, apesar da sua vontade em não se juntar a ele.
A noção da Guarda Palatina é tão divertida, e tenho pena que não tenhamos mais livros para explorá-la. Perseguem não só vampiros, como todo o tipo de demónios, e assim dariam pano para mangas. Mas vá lá, uma unidade secreta paramilitar do Vaticano? Com freiras a distribuir porrada a vampiros? Tão bom. Demasiado bom, até, porque merecia mais.
A questão da Meena escrever para telenovelas também é engraçada, porque encaixa tão bem no dramatismo da típica história de vampiros, e goza ainda com a popularidade dos mesmos - como a novela rival da de Meena meteu vampiros, agora Insaciável também tem de ter.
Por um lado, gosto bastante da Meena, porque a sua atitude é tão "ugh, mais histórias de vampiros não, please", e na sua maioria tem pontos de vista e opiniões fortes e defende-se bem do que se lhe atravessa à frente. Mas, quando o Lucien entra ao barulho, ela perde um pouco desse fogo, e até vira uma gelatina cada vez que o vê, toda tremelona, o que é algo irritante. Pior, continua a defendê-lo para além do que é razoável, quando as atitudes dele são indesculpáveis - não interessa que ela no fim tivesse razão, ele portou-se tão mal, e a Meena parece uma palerma ao defendê-lo. Não gostei nada.
Já o papel do Alaric foi tão divertido, ele começa por ser este tipo snob demasiado obcecado com a contagem de fios de algodão dos lençóis e coisas assim - o que faz totalmente sentido quando percebemos as origens humildes dele. A perspectiva dele começa enganadoramente simples, e esta personalidade meio totó, meio nobre emerge, deixando vislumbrar uma imagem bem mais complexa.
Melhor, vê-se atraído por uma amante de um vampiro que está a caçar, o que é inaceitável para ele, e a razão pela qual luta tanto contra isso. Ainda melhor, as suas tentativas de cortejar a Meena no segundo livro são algo ineptas, e totalmente divertidas de acompanhar porque ele não percebe realmente o que falhou.
O problema com a duologia é que a sensação de estar a picar o ponto permanece durante toda a história. Oh, isto é Meg Cabot, e por isso o sentido de humor e os enredos malucos estão lá - mas fica a ideia que ela não se dedicou a isto de coração.
O Insaciável ainda é uma história completa, com princípio, meio e fim, e mesmo tendo os seus altos e baixos, e mesmo não sendo perfeito (falta-lhe o ter sido escrito de coração), ainda é relativamente satisfatório e divertido. Mas o Overbite? Tão imperfeito, tão curto, tão simples, tão... menos. Precisava de tanto mais.
Não quero reduzir isto a números, mas o primeiro livro tem mais de 450 páginas. O segundo, menos de 300. Acho que a diferença de tamanho mostra pelo menos que o primeiro livro teve mais trabalho na sua concepção. Já o segundo livro precisava de um esforço bem maior.
É que o enredo de Overbite é bem mais fraquinho, menos complicado e dramático. É suficiente para encher um livro, mas não tem a complexidade do primeiro livro, e pequenos pontos do enredo podiam ter sido tão mais explorados, e expandidos, para preencher melhor este mundo e estes personagens.
A personalidade do Lucien perdeu alguma subtileza, e a verdade é que se fosse mais desenvolvida, podíamos acompanhar melhor a sua luta neste livro, compreendê-lo melhor; e a Meena não passaria tanto por uma palerma que continua a ver algo de bom nele, se o leitor também conseguisse ver algo de bom nele.
A maior perda na duologia no entanto é a relação da Meena com o Alaric. Em teoria adoro tudo o que a relação deles é, como é suposto desenvolver-se (começam a discutir e acabam aos beijos), a camaradagem e a sensação de que estas duas pessoas são amigas acima de tudo e apesar de discutirem, porque passam o tempo preocupadas uma com a outra.
Na prática? Tudo o que adoro neles é tirado dum tell massivo e de muito pouco show. É-nos dito que são assim e assado, mas não é mostrado. Onde é que estão as cenas, especialmente no segundo livro, que mostram o quão adoráveis eles são juntos, que permitem a uma pessoa torcer por eles como se não houvesse amanhã? Há apenas fragmentos disto.
Bolas, até fiquei com vontade de escrever fanfiction da Meena e do Alaric só para colmatar estas faltas. E eu nunca tenho vontade de escrever fanfiction. Geralmente o que os autores escrevem chega perfeitamente para mim. Argh, porque é que tinhas de fazer isto, Meg Cabot? Dar-me um casal potencialmente fantástico, e depois fazer asneira???
E pronto, isto é só um sintoma do que está mal com a duologia. Bastava estar preenchida com mais cenas que desenvolvessem e expandissem e explorassem os personagens, o mundo e o enredo, que eu ficava satisfeita. Não é pedir muito, pois não?
Para terminar numa nota mais positiva, coisas que ainda assim gostei: a Mary Lou, a vampira (só) aparentemente vápida, e o marido Emil; o Jon e a sua demanda para se tornar útil à Palatina; o cão Jack Bauer e a lógica por trás do seu nome; o Abraham e a irmã Gertrude, lutadores extraordinários da Palatina, à sua maneira; a Palatina em si.
Nota negativa para a tradução do Insaciável. Não há nada de extremamente mau que mereça destaque na tradução, no entanto, a tradutora é demasiado literal a traduzir, e portanto expressões que em inglês fazem sentido, em português... não fazem. Traduzir as coisas por uma expressão que mostre a intenção/ideia original por trás da mesma deve ser um conceito demasiado difícil.
Sobre a tradução: foram coisas como "raining cats and dogs" ou coisas aparentemente menos daninhas como traduzir à letra "let it go" por "deixa andar", que penso ser com significado oposto?
ResponderEliminarLeio muito pouco em inglês (e quando leio geralmente é comics/manga), não tenho autoridade em comparar inglês com português, mas às vezes é como se sentisse que o texto traduzido tem um tom britânico e outras vezes é como se fosse, mas não é, de autor(a) portugues(a) (não sei outra forma de dizer). Eu devo dizer que prefiro um livro escrito em português em vez de traduzido para português... mesmo com as consequências que daí advém (como não conhecer o espírito original do autor and so on).
Foram coisas mais para o subtil, daquelas que deixas passar ao ler em português, mas que te fazem reler a frase duas ou três para ver se percebeste o que ali vai. Exemplo que me vem à cabeça:
EliminarContexto: um personagem diz algo maldoso, e a protagonista fica magoada e responde.
Frase no texto: "Picada, Meena respondeu:"
No original penso estar: "Stung, Meena replied:"
Como devia estar: "Magoada, Meena respondeu:"
O problema com isto? Até usamos a palavra "picada" em português, mas não exactamente neste contexto. Aqui foi usada uma tradução literal e não propriamente fiel ao contexto. Por isso soa mal, mas não o suficiente para estragar a leitura. Só que o livro é todo assim, duma ponta a outra. Traduções literais que te fazem parar um pouco a leitura e interromper a história. Não sei se é bem aquilo que descreves nas tuas dificuldades com traduções, mas soa-me semelhante, porque confere definitivamente ao texto um tom que não soa a falar e escrever em português corrente. :S
Estou a perceber o exemplo, e é muito desse género a que me referia, demasiado agarrado ao original, até mesmo na estrutura, é como se o tradutor sentisse necessidade de traduzir palavra a palavra, talvez por preocupação em respeitar o ritmo, a métrica ou coisa assim.
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