sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Lock & Mori, Heather W. Petty


Opinião: Este livro está nas minhas estantes desde o ano passado, quando parecia que estavam a sair alguns livros YA baseados em Sherlock Holmes, e eu andava a ler uns quantos, e mandei vir este, curiosa para ver o que sairia daqui. Só que por alguma razão parva (a capa talvez? os modelos parecem uns putos, se bem que vendo ao vivo nem tanto), achei que o livro era bastante mais juvenil que na realidade é, e sei lá, nunca lhe peguei até agora. Não vou dizer que foi isso que me afastou, acho que não, mas também não foi um incentivo. E nunca tinha tropeçado em opiniões que me lembrassem dele, o que é curioso mas explicável, suponho.

Lembrei-me dele por causa duma outra série Sherlock-like que é uma enorme favorita e que é muito, muito, boa: a série Every da Ellie Marney. Isto aconteceu porque eu há umas semanas descobri que a editora americana (a edição que eu estava a seguir) considera não continuar a publicar (só falta um livro, caramba), porque não tem tido muito sucesso por terras americanas. De quem é que é a culpa, quem é? Se tivessem publicado os livros mais próximos uns dos outros, e apanhassem o ritmo de publicação dos australianos (de onde os livros vêm), não tinham perdido leitores para a publicação australiana. Porque quase toda a gente que lê parece ficar louca para continuar a ler, e na altura em que saiu o primeiro nos EUA, o segundo já existia na Austrália, e o terceiro estava prestes a sair.

Concluíndo: fiquei muito aborrecida. E deprimida. E gritei um bocado online com a pobre alma que me quis ouvir, que procedeu a compadecer-se de mim. Já não bastava as editoras portuguesas passarem a vida a fazer isto, grrr. E quando fui de férias há duas semanas meti este no saco, porque já estava na hora, e estava com saudades de, bem, alguma coisa do género, e porque estava com saudades dos meus queridos Wattscroft, apesar de isto não ter propriamente a ver.

E agora só quero bater em mim própria. Porque é que levei tanto tempo a ler isto??? Ainda bem que nunca li as opiniões do Goodreads, porque as que aparecem primeiro são maioritariamente negativas. E nunca estive tão feliz em ir contra a maré. Normalmente não me importo de estar na minoria de uma opinião sobre um livro, ainda que positiva; neste caso, ainda que compreenda porque é que as pessoas se queixam, não me identifico com o que apresentam para não gostar. E suponho que é a única vez em que vou falar da opinião dos outros, porque aqui fiquei mesmo surpreendida por encontrar tantas opiniões menos boas.

Ok, agora é que vamos mesmo entrar no sumo do livro. A minha tendência para tangentes é grandiosa. O livro é sobre um par moderno e contemporâneo de dois dos personagens de Arthur Conan Doyle. Por um lado Sherlock "Lock" Holmes, um adolescente solitário e esperto e ligeiramente estranho que é fascinado com mistérios e deduções.

Por outro, James "Mori" Moriarty (sim, aqui tenho de concordar que é parvo ela chamar-se James, podia ter ajustado ligeiramente o nome), a nossa narradora, uma jovem muito inteligente, com queda para Matemática (o Moriarty original é professor de Matemática), ainda mais solitária, com uma sólida descrença na autoridade (e na humanidade), uma ética e moral, errr, flexíveis, e uma vida familiar complicada.

Os dois cruzam-se por acaso, apesar de frequentarem a mesma escola, e dão com uma cena de crime em investigação. O Lock, pela sua queda para mistérios, propõe que façam um jogo de investigação do crime, a ver quem chega à resolução primeiro, desde que partilhem tudo o que encontrarem sobre o mistério.

Esta é a premissa para a história. E raios, como eu adorei a narradora. Um feitiozinho tramado, desafiador, desconfiado, com um lado negro que ela está desesperada para esconder. A Mori não confia facilmente em alguém, e tem dificuldade com o contacto humano, talvez pela sua personalidade, talvez pela vida familiar. A verdade é que ela está mais à vontade com números, factos e teorias do que com pessoas e emoções. A sua narração é um pouco fria, mas muito cativante devido à maneira como ela funciona.

E uau, a maneira como essas coisinhas chamadas emoções dão cabo dela. Cedo no "jogo", a Mori encontra uma relação entre o mistério e a história da sua família, e o seu primeiro instinto é esconder tudo, investigar sozinha, porque por muito tempo ela esteve sozinha, a lidar com certas coisas em solidão, e com o aparente desinteresse de quem pudesse ajudar.

A verdade é que a situação é mais séria do que aparenta, e com a questão da violência doméstica que predomina em casa, ela sente que não tem outra hipótese. Tal como a solução que no final do livro ela quer dar à coisa; com a sua moral mais flexível, e aterrorizada com os outros caminhos que se lhe apresentam, ela mete na cabeça que só pode fazer aquilo, mesmo que seja a ideia mais idiota de sempre.

O livro tornou-se subitamente mais sério por causa disso, e eu apreciei esse tom. Gosto bastante da sensação de querer que um personagem tenha um final feliz - cheio de arco-íris e unicórnios -, emparejada com o reconhecimento que não é tudo tão fácil assim, às vezes as circunstâncias e as próprias pessoas estão no caminho de ficar tudo melhor, e não é fácil andar de mãos dadas com os nossos demónios sem se perder no caminho.

E pronto, esta é uma série sobre Holmes e Moriarty, suponho que tenha de acabar com o estabelecimento de uma rivalidade. Ainda que essa perspectiva seja desencorajadora. Esse caminho só pode passar por corações partidos e tragédia, e gosto demasiado destes miúdos para antecipar o drama que aí vem com excitação. (Bem, talvez um bocadinho. Eu sempre gostei do drama.)

Pronto, isto ainda é mais intenso e triste porque o Sherlock aqui é um rapaz adolescente adorável. Adorkable, mesmo, algo que nunca pensei que diria deste personagem-tipo. Com um fascínio por mistérios e deduções, mas ainda não o grande detective. Um pouco aluado, socialmente, e solitário, e com os seus próprios problemas. A diferença da Mori é que lida duma forma muito diferente com eles. Aliás, o jogo em si pode ser visto como uma maneira de não ter de lidar com eles.

É claro que se distrai completamente quando ele e a Mori começam a desenvolver uma queda um pelo outro, e é totalmente adorável. Todo desajeitado só para dar as mãos, e todo preocupado e protector quando percebe que a Mori tem problemas em casa, se bem que tenta dar-lhe espaço, como ela pede. Não sei bem o que foi, mas achei-os tão fofos juntos, talvez porque a situação parte de uma certa inexperiência dos dois, mas nunca pareceu infantilizada. Talvez porque ambos estavam num lugar menos bom, mentalmente, e estavam no lugar certo para serem um apoio mútuo. Se bem que há uma miríade de razões para a coisa descarrilar depressa.

O elenco de personagens tem os seus pontos altos, e gostava de destacar os irmãos da Mori (coisinhas fofas, pobrezinhos), o pai dela (a certa altura até achei que ele não era o seu pai biológico, devido à animosidade com que a trata), a Sadie (ainda não acredito que a Heather lhe fez o que lhe fez), e o Mycroft (não consigo lê-lo bem, nem sequer dá para perceber a sua idade, mas o que vislumbramos é fascinante).

O enredo podia ser mais forte, porque o mistério acaba por ser mais ou menos fácil de desvendar, e acabamos por nos focar mais nas emoções e sentimentos dos personagens a todo o cenário; no entanto, acho que também é precisamente esse o objectivo. É bastante interessante ver as coisas desenrolarem-se e ser desvendadas, e ver como os dois protagonistas reagem a elas. Além disso, para um livro tão pequeno, tem tanta coisa lá dentro, e fiquei surpreendida que apesar disso me provocasse uma impressão tão forte.

O fim, bem, já disse, dá a sensação que está tudo quebrado, e que não dá para voltar a colar a jarra exactamente da mesma maneira. É um pouco aflitivo. O Lock é bastante leal à Mori durante a narrativa, mas no fim ela esperava que ele fosse leal de uma forma que não encaixa com a sua natureza, e quase lhe ia custando tudo. Mesmo que certos limites não tenham sido ultrapassados (e quando forem, não dá para voltar para trás), a ideia está lá, e isso é infinitamente perturbador.

Oh, bem, a única coisa boa de eu ter lido isto agora é que só tenho de esperar até Novembro para ler o próximo. Pelo menos desta vez não tenho de me lamuriar sobre ter de esperar um ano. (Ou mais, no caso da Ellie Marney. Mas vou tentar contornar isso.) Estou com muita vontade de ler o que vem a seguir.

Páginas: 256

Editora: Simon & Schuster

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