Opinião: All the Rage, de facto. Não a raiva que a protagonista sente (longe disso), mas o que o leitor sente ao ler a sua narrativa, e ao se aperceber do que passou e ainda passa no dia-a-dia. (E em jeito de piada, toda a raiva do mundo por aquela sinopse triste, que não dá nem de perto uma ideia do livro que se tem em mãos, e é altamente enganadora do tipo de enredo que o livro tem.)
Este é um livro que é brilhante na caracterização da sua protagonista. Romy é uma jovem a quem aconteceu uma coisa terrível, e que para complementar, nunca mereceu o crédito das pessoas da sua cidade, ou dos seus pares. Toda a gente assume que Romy é uma mentirosa - pois como é que Kellan, rapaz "perfeito", filho do xerife, faria tal coisa?
E aí é que entra o brilhantismo. Romy não sente raiva - Romy está dormente desde então. Romy usa baton e verniz de unhas vermelho, e obceca com a sua aplicação, como se fosse uma armadura, porque o é - a rapariga em que ninguém acredita assume o traje de tentadora e cabra, porque é isso que os outros pensam dela.
É de partir o coração. Ver o estado em que a Romy está - depressiva, desconectada da sua realidade. Continua a ir à escola, ao trabalho. Não pensa no que lhe aconteceu. Recebe insultos e microagressões de todo o lado. Não pensa nisso também. É difícil no trato, até com quem a ama. Isto é uma miúda cuja vida foi destruída não só por um acto isolado, mas também pela reacção de toda uma comunidade à sua história.
E é por isso que a caracterização é tão boa. Não parece acontecer nada. A personalidade da Romy não parece ser nada de especial. É aí que está o interesse. A falta de coisas que a tornam numa personagem com quem o leitor se identifique é o que mostra a extensão do que passou.
O enredo desta história, secundariamente, também é sobre o desaparecimento de outra rapariga. Uma que Romy conhecia. E com cujo desaparecimento ela pode ter uma relação. E isto também é fascinante de ler, pois a reacção da comunidade ao desaparecimento não podia ser mais diferente. Há preocupação, há luto. Romy nota com amargura que se fosse ela ninguém se preocuparia, fora a mãe e o companheiro.
(Por falar neles, adorei a mãe e o Todd. Tentam ser o mais apoiantes que podem da Romy. E o Todd é um bom comentário a quem vive com uma dificuldade - dor crónica -, e é visto como "preguiçoso", por não lhe ser possível trabalhar.)
(E já agora, detestei, detestei o xerife. Como, mas como, é que fica encarregado de investigar o desaparecimento da rapariga, quando esta era namorada do filho [não o Kellan]? Conflito de interesses é só uma frase? Ugh, e as reacções dele à Romy! Que vontade de o esganar.)
Destaque para a descrição que a autora faz do que é ser rapariga, e existir num mundo de raparigas. Os conflitos, as rivalidades, o quão duras são umas para as outras. Entende muito bem como miúdas adolescentes funcionam. (Megan Abbott, se escrevesses um bocadinho mais como esta senhora, e menos como escreves, eu podia ter gostado mais de ti. Porque a parte das raparigas adolescentes está de topo nos dois casos.)
Uma menção de passagem ao Leon e à Caro. O Leon é o primeiro rapaz por quem a Romy se interessa desde que tudo aconteceu, e é curioso acompanhar o redespertar para sentimentos e desejos que julgava esquecidos. Também gosto do Leon porque ele sabe que não pode "resolver" a Romy. Ela tem de fazer isso por si mesma.
A Caro porque é uma irmã mais velha fantástica, muito querida, gravidíssima, animada e assustada como só uma futura mãe pode ser. (Ah, e de partir o coração quando a Romy pensa que "espero que não seja uma rapariga", porque sabe todas as maneiras que o mundo tem de destruir uma rapariga.)
O final... bem, não há soluções fáceis, não há respostas para o sentido da vida. O mistério da narrativa é resolvido, claro, mas a evolução da Romy na direcção de um lugar melhor, mentalmente, só agora está a começar. Há esperança, no entanto. É tudo o que podemos pedir. (Para além de um mundo em que narrativas como esta não sejam necessárias, claro.)
Páginas: 336
Editora: St. Martin's Griffin
Sem comentários:
Enviar um comentário