Opinião: Oh, bolas, agora mal consigo acreditar em como este livro não é mais apreciado. Eu própria li o livro pela primeira vez há 6 anos, e que diferença isso faz. Não lhe dei o devido crédito na altura; com um bocadinho mais de maturidade e de experiência literária, posso apreciar muito mais o que tenho nas mãos.
A questão que é mais fácil de destacar primeiramente é a sátira aos romances góticos muito em voga na época em que Jane Austen escrevia, e o quão ela parece estar a divertir-se com isso. A sério, o livro é escrito com um narrador bastante omnisciente e que "fala" connosco, sempre fazendo piadinhas ao estilo de história parodiado. Como a Catherine não é o tipo de heroína certo, como a sua vida teria sido se fosse a protagonista desse tipo de livro, como num livro gótico isto e aquilo aconteceria... oh, simplesmente impagável.
A outra coisa que gostava de destacar, e que merece mesmo: a própria protagonista, a Catherine. Oh, é fácil descartar a Catherine como uma tolinha. Mais trabalhoso, mas infinitamente mais recompensador, é mergulhar na caracterização que a Jane faz dela.
Ora vejamos: a autora diz-nos logo que a Catherine não é material de protagonista. Não é bonita - o que aqui leio como não sendo bonita pelos padrões de época, já que é descrita como esguia, pálida e com traços pronunciados. O que me soa a que ela seria uma modelo nos dias de hoje, mas posso ser eu a projectar, e vale o que vale.
A Catherine é ingénua, e inexperiente. Ela vive numa terra pequena, mas numa família numerosa, rodeada de irmãos. Não foi obrigada a estudar, se não estivesse para aí virada. O que significa que nunca foi estimulada, social e intelectualmente.
O que soa a como se fosse uma tonta, é verdade. Grande parte das interacções sociais que ela tem com os outros personagens acabam por ter uma segunda camada, e como a Catherine é inexperiente, ela não se apercebe da mesma - como os Thorpe, volúveis interesseiros escondidos sob a ilusão da amizade.
O contraponto é que isto não quer dizer que a Catherine seja burra ou desinteressada. Quando finalmente ganha alguma experiência social, ela percebe melhor os motivos e acções dos Thorpe; e ao conviver com os Tilney, começa a sentir-se mais à vontade na sua pele. Melhor, a convivência com os Tilney fá-la querer ser mais instruída, e interessar-se por coisas que não lhe captavam a atenção até então.
São muito bons sinais que vemos, de uma miúda a evoluir para mulher. Isto podia ser quase uma história YA, se pensarmos bem nisso. Ainda mais, ela tem um bom fundo, e gosto bastante desta parte da sua personalidade - a Catheine tem um clérigo como pai, e tem provavelmente por causa disso um bom sentido moral. E por mais convincentes que tentem ser com ela, e por mais peer pressure sobre ela que haja, ela é firme nos seus princípios. Há que louvar isso.
Até na questão das leituras góticas ela cresce um pouco. A Jane diverte-se imenso, no meio do sarcasmo, a dizer como os críticos descartam o romance, não o considerando uma leitura séria e digna de atenção. Um pouco como hoje, se formos ver bem, com o romance ou outros géneros considerados "indignos". Heh. Bom ver que não evoluímos nada em 200 anos.
Bem; onde eu queria chegar é que a autora escreve de modo a satirizar essa ideia e nunca suportá-la. Não são os romances que são um perigo para a Catherine. É ela própria e a sua imaginação hiperactiva. Não há nada de errado em ler e mergulhar numa história e vivê-la; há em não separar ficção da realidade, em projectar uma na outra, o que a Catherine na sua jovem inexperiência faz; mas quando compreende os seus erros, arrepende-se profundamente de ter deixando a imaginação ir tão longe.
Portanto, sim, a Catherine é uma miúda normal, duma família nem pobre nem rica, apenas autossuficiente e capaz de lhe dar um dote. Não tem a maturidade duma Anne nem a inteligência duma Elizabeth, a temperança duma Elinor, a constância duma Fanny ou a sociabilidade duma Emma. Não é particularmente heroinesca, e ainda assim faz uma protagonista cativante. É refrescante a sua ingenuidade, e fascinante ver a sua evolução nas páginas.
Título original: Northanger Abbey (1818)
Páginas: 240
Editora: Relógio D'Água
Tradução: Madalena Donas-Botto
Sátiras de "socialmente aceito" são as leituras mais engraçadas e, de certo modo, profundas. Fazem com que pensemos sobre o que achamos normal, a lógica que seguimos, faz pensar sobre a vida, o universo e tudo mais auehauheuahe Pensar nisso em 1818 é ainda mais divertido.
ResponderEliminarhttp://notasmentaisparaumdiaqualquer.blogspot.com/
Ah, acho que é por isso que leio esta autora Cada vez que (re)leio, encontro mais alguma coisa para gostar, para observar, para reflectir. :)
EliminarLi-o à relativamente pouco tempo e adorei. Neste momento dela tenho dois ou três ainda para ler. A ver se trago mais um para casa nesta fdl. ;)
ResponderEliminarE fazes muito bem! Até estou curiosa para ver o que te cai no colo a seguir. ^_^
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