Meg Cabot
Título original: Princess in Pink (2004) / Princess in Training (2005)
/ The Princess Present (2005)
Páginas: 260 / 272 / 96
Editora: Bertrand / MacMillan / HarperCollins
Tradução: Mário Correia / Maria da Graça Caldeira (eu li o sexto livro maioritariamente em inglês, mas a tradutora do mesmo está aqui referenciada por uma boa má razão)
No quinto livro da série, Mia quer muito ir ao baile de finalistas do Michael com ele (é o último ano do secundário dele), mas o rapaz não está nada para aí virado, deixando-a desesperada, sem modo de o convencer. Para ajudar às suas neuroses, o seu aniversário está aí, e um incidente no restaurante a que vai com a família, causado pelo cão da Grandmère, o Rommel, faz com que rapidamente a indústria hoteleira e da restauração de Nova Iorque entre em greve... o que faz com que Mia se sinta culpada e à beira de um ataque de nervos.
No sexto livro, Michael começa as aulas na universidade, enquanto que Mia continua a ser uma aluna do secundário... coisa que a deixa nervosa, ainda mais quando a Lana lhe mete na cabeça que os rapazes na universidade esperam Fazê-Lo com as namoradas. Para ajudar à festa, a Lilly decide nomear a Mia como candidata para a presidência da Associação de Estudantes da escola, perspectiva que anima muito a Grandmère, que não resiste a ajudar na campanha.. enquanto que Genovia se debate com um incidente político no qual a própria Mia está envolvida. A vida de uma princesa é obra.
O que mais estou a apreciar na releitura destes livros, e especialmente sabendo como terminam, é a maneira como a autora tem plantado ao longo da série certas pistas para como as coisas se vão desenrolar. A Mia, por exemplo. É o tipo de pessoa cheia de neuroses, sempre a criar altos filmes e cenários na cabeça dela, a passar-se completamente, mas a manter tudo lá dentro, sempre, deixando escapar cá para fora apenas uma fracção do que pensa e sente.
É cada vez mais claro que um dia ela vai rebentar. (O que vem a acontecer, eventualmente.) E esta é uma maneira de mostrar que não é nada saudável o modo como lida com as situações. Além disso, isso leva a uma certa infantilidade da sua parte. Porque não fala com as pessoas, não lhes diz como se sente, elas também não adivinham, e a verdade é que há muitas coisas que não está em condições de enfrentar, pela falta de maturidade.
Dois exemplos são as situações com o Michael em cada livro. No primeiro, Mia é incapaz de lhe dizer o quanto gostava de ir ao baile com ele, como isso é importante para si, o que o leva a trivializar a situação. No segundo, Mia passa o tempo a falar com o diário sobre sexo, e como não está pronta para esse momento íntimo com o Michael - mas é incapaz de falar com ele sobre o assunto e explicar-lhe que não está preparada. E mesmo quando ele diz que compreende, mas que espera que um dia possam partilhar esse momento juntos, a Mia leva isso no mau sentido, e mete na cabeça que é o fim do mundo e um dia ele ainda vai acabar com ela.
Ora isto do ponto de vista do leitor jovem... pode ser refrescante. A Mia comete erros e aprende com eles, e o leitor jovem aprende com ela que neste idade não sabemos tudo, que é normal ter dúvidas, é uma idade em que uma miríade de novas experiências está ao nosso alcance, mas é normal não se estar preparado para todas essas experiências.
Por outro lado, é cansativo. As voltas mentais que a Mia dá a um assunto são por vezes demais para mim. Além disso, e apesar de ela e o Michael serem um óptimo casal juntos, com muito em comum e feitios compatíveis, também se vai tornando aparente que não estão preparados para ser um casal agora. O Michael, por exemplo, não é capaz de fazer cedências. (Que mal é tinha irem ao baile juntos, se era uma coisa que ela queria muito? Não era assim tão grande sacrifício.) E a Mia, bem, está massivamente impreparada para qualquer tipo de intimidade, porque para isso primeiro precisa de uma certa auto-estima que lhe falta.
Entre outras coisas que gostaria de destacar nestes dois livros, contam-se o Rocky, que finalmente se junta à família Thermopolis-Gianini, e a Mia é a mana mais engraçada e preocupadinha que há; a Grandmère, que continua a ser aquela senhora tramada e tortuosa que sempre foi (e como gostamos dela por isso); e a corrida para a presidência da AE, que é um momento importante para a Mia, não só por ganhar à-vontade para falar em público, o que será importante para ela no futuro, mas porque é um marco na amizade com a Lilly.
É que a Lilly faz o que sempre faz: manipular a Mia. Nomeia-a para a votação, com motivo ulterior, contrariando os desejos da Mia, e nunca diz à Mia até bem tarde o que quer que ela faça se ganhar: que desista para a Lilly ser presidente - já que a Lilly acha que nunca terá hipótese se concorrer ela própria. É este tipo de comportamento que me convence que elas são más amigas uma para a outra, porque este tipo de esquemas nas costas uma da outra não faz sentido entre pessoas que se respeitam.
The Princess Present é um livrinho curto, uma novela, que se passa entre o sexto e sétimo livros, no Natal. Mia vai receber a Lilly e o Michael no castelo da família em Genovia, para as festas, mas segue-se uma série de peripécias bem divertidas. Ri-me a bom rir com este livro, porque mesmo sendo curtinho tem muitas cenas engraçadas, já que a Lilly e um bando de membros de casas reais da Europa debaixo do mesmo tecto é uma situação que está a pedir para descambar depressa.
No entanto, vemos a Lilly no seu pior: a Mia chama-lhe a atenção, e com razão, de que alguém que é recebido na casa de outrém tem a obrigação de ter um comportamento bem mais cortês. Fora isso, a questão das prendas que a Mia e o Michael oferecem um ao outro é adorável.
Quanto à tradução (eu tenho sempre de comentar a tradução, porque começo a achar que esta série é a mais mal tratada de sempre pelas editoras portuguesas): o quinto livro parece-me bem, bastante bem. A minha edição diz-me que o tradutor é o Mário Correia, que eu assumo que é a mesma pessoa que o Mário Dias Correia que traduziu o primeiro e segundo livros. O estilo de tradução e de notas parece ser o dele, e parece-me traduzir com respeito pelo original e de forma a adaptar bem a história, as piadas e as referências.
Já o sexto livro é a maior desgraça que eu jamais vi, ao ponto de me dar vontade de o atirar às paredes. Quando comecei a perceber o desastre que tinha em mãos, peguei na edição em inglês que - felizmente - tinha por aqui, a comparar entre os dois, e então comecei mesmo a ver vermelho de raiva. A edição em português não aguentou nem 50 páginas antes de eu decidir passar a ler em inglês, para bem da minha sanidade. Se bem que tive dificuldade em resistir em continuar a espreitar de vez em quando a edição portuguesa - e de cada vez, encontrava mais uma asneirada.
Só para dar alguns exemplos:
- for crying out loud passa a "de fazer chorar as pedras da calçada" (devia ser algo como "por amor de Deus");
- os programas/filmes Spring Break, Fraternity Life e Revenge of the Nerds são "Desponta com a Primavera", "A Vida é Fraterna" e "A Vingança dos Lunáticos" (sugestões bem mais adequadas: "Férias da Páscoa", "Vida na Residência", e "A Vingança dos Nerds");
- nerds foi traduzido como "lunáticos" sempre que aparecia, coisa que me deu vontade de esganar esta senhora;
- seals and porpoises (cetáceos da família dos golfinhos) passam a "baleias e golfinhos" *facepalm* eu sei que porpoises não é fácil de traduzir, mas as focas não mereciam ficar de lado só porque a parva da tradutora não sabia o que fazer aqui;
- uma referência no texto em inglês ao Legolas passa a Hércules em português - e gostava de saber como é que isso aconteceu, porque já tinha havido referência ao Orlando Bloom e ao Legolas sem haver esta "adaptação";
- uma menção a The OC passa a Britney Spears na edição em português, quando mais à frente The OC se mantém nas duas versões;
- aparentemente, traduzir um livro não passa pelo brio profissional de sequer se ler, sei lá, o livro anterior da série para ver as opções do tradutor anterior - e por isso o gato Fat Louie dos livros 1 a 5 passa a "Nhau-Nhau" aqui, sabe-se lá porquê, porque nem é uma adaptação ou tradução directa; o tratamento na forma verbal de "tu" que a Grandmère e os pais da Mia lhe dão ao falar com ela passa a "você"; e menções directas aos acontecimentos do livro 5 passam a menções generalistas na edição portuguesa;
- há múltiplos exemplos de pedaços de frases que são cortados e não aparecem na tradução - frases a que faltam pedaços só porque a referência ou tradução do original é demasiado complicada, parece que a tradutora não se estava para dar ao trabalho;
- há pedaços de texto mais longos que desaparecem magicamente, e não percebo porquê; para não falar de pelo menos uma ocasião em que a posição de um pedaço de texto passa, na tradução portuguesa, de debaixo de uma entrada do diário da Mia para a entrada do diário seguinte.
E pronto, isto são só os exemplos de que eu me lembro. Há muitos, muitos mais. Cheguei a perguntar-me se o livro não teria sido traduzido por duas pessoas, para tentar explicar estas incongruências. Por outro lado, houve uma ocasião em que reparei que uma lista dos tipos mais giros que a Mia e as amigas fazem tem pessoas diferentes e até um número diferente de pessoas, entre a edição em português, e a edição em inglês que possuo, que é a edição britânica. O que é inexplicável; a única ideia que me ocorre é que possa ter havido algum tipo de adaptação da edição americana para a britânica em termos de referências de cultura popular, e que a edição portuguesa siga a americana. E mesmo assim, isso não explica muitas das trocas e baldrocas a que assisti.
De qualquer modo, foi uma experiência excruciante. Eu não quero, nunca mais, pôr as mãos num livro traduzido por esta senhora, Maria da Graça Caldeira. Se o tiver entre as minhas estantes, ou se alguém me oferecer um livro traduzido por ela, lamento, meus amigos, vai para o lixo. (Se não me der para o rasgar aos bocadinhos numa fúria repentina, isto é.) Ainda mais, eu tenho dificuldade em conceber viver num mundo em que alguém é pago por fazer um trabalho tão mau como este. Eu teria vergonha em apresentar algo com este resultado, e não sou tradutora profissional.
Traduzir não é só passar duma língua para a outra; é adaptar, certificar-se que o texto está o mais limpo e perceptível possível para o leitor; é fazer um bom serviço ao texto, de modo a que o leitor que não lê no original possa sentir e compreender o texto como um leitor da língua original faria. E é por tradutores destes que eu cada vez mais leio em inglês, porque em dez anos as coisas não mudaram, e se há dez anos eu só podia comer e calar, agora tenho o poder de escolha, e escolho não ter de aturar porcarias destas.
Sem comentários:
Enviar um comentário