Opinião: Eu gostei tanto do primeiro livro desta trilogia, A 5ª Vaga, que foi tão devorável e cativante, que nem sabia muito bem o que esperar da sequela. Primeiro porque o autor usa uma premissa suficientemente original, e dá-lhe um desenvolvimento de formas inesperadas. Depois, porque a seguir a um livro tão intrigante e cheio de reviravoltas, é difícil saber o que esperar.
E realmente O Mar Infinito é um animal diferente do seu antecessor. A estrutura da narrativa e o modo como evolui são um pouco diferentes; este é um típico "segundo livro", um livro de ligação entre os extremos da trilogia, e aparenta por isso ter menos acção - pode parecer que "não acontece nada", mas isso é porque os personagens numa boa parte da história estão fixos num local, e é o que lhes acontece aí que permite explorar melhor o plano mestre dos extraterrestres, os seus métodos e motivos.
A primeira parte da narrativa foca-se então nesse local fixo, um hotel abandonado em que o grupo de protagonistas se reúne para considerar o seu próximo passo na direcção da sobrevivência. Um dos personagens, a Ringer, separa-se do grupo para, em jeito de batedora, investigar um local onde se possam abrigar melhor. Outros personagens surgem, não propriamente de forma inesperada (até parece que o final do outro livro não ia levar a isto), trazendo convidados indesejáveis.
Portanto, é uma parte do enredo bastante polar. Dá a sensação de ser mais calma, mas depois estão sempre a acontecer coisas, e o surgimento dos dois "convidados" acaba por gerar duas situações bastante excitantes. A primeira parece saída dum filme de terror, a segunda por meter um confronto directo.
Também tem as suas revelações (ainda que não sejam as maiores do enredo), nomeadamente no que toca ao papel e importância dos Silenciadores. E o melhor desta parte, as interacções entre os personagens são tão divertidas e fascinantes de acompanhar. A rivalidade da Cassie e da Ringer, que é narrada de forma tão diferente pelas duas, uma mais detalhada, o que é tão curioso, porque o que contam ou não mostra algo sobre a sua personalidade.
O modo como toda a gente está completamente rebentada e ainda assim continua a andar por ali armada em Rambo. Noto que isto é totalmente vindo dos rapazes, e essa rivalidade também é gira. As cenas da Cassie com o Evan são lamentavelmente poucas, porque quando eles estão juntos têm uma química gira, quando estão separados e a suspirar um pelo outro é que parecem uns totós.
Contudo, o grande destaque que vou fazer para esta parte é o Poundcake. Este miúdo nunca fala, e num par de capítulos percebemos porquê, a sua história trágica, e o modo como heroicamente salva os outros. Há um mar de profundidade neste miúdo, aliás, em todos eles, e a tragédia torna-se ainda maior quando percebemos que são apenas miúdos, e que não merecem o que lhes está a acontecer: são demasiado novos, obrigados a crescer demasiado cedo.
A segunda parte do livro foca-se maioritariamente na Ringer e no que lhe acontece depois de ser capturada. É uma parte muito interessante por ser tão psicológica, um jogo de vontades; e também por conter as grandes revelações da narrativa no que toca ao que os extraterrestres andam a tramar. Achei tão fascinantes as interacções dela com o Razor, e as acções dele, particularmente no fim, porque apesar de ser muito aberto, nunca é possível perceber realmente o que lhe vai na cabeça.
A propósito, esta parte da Ringer lembra-me uma coisa que o Rick Yancey faz soberbamente: a instilação da paranóia. Caramba, eu achava que já tinha percebido esta coisa toda, mas as descobertas finais da Ringer fizeram-me questionar tudo e todos, incluindo a narrativa vigente. Se uma parte só é mentira, não pode tudo sê-lo? É arrepiante considerá-lo.
Uma coisa que mencionei de passagem ali em cima, e gostava de reforçar, é o retrato psicológico que o autor traça dos personagens. É muito bem pensado, gosto bastante de acompanhar o modo como ele apresenta as personalidades e experiências destes jovens, porque aquilo que eles são, mas também aquilo por que passaram nos primeiros dias da invasão condiciona os seus comportamentos, provavelmente condicionará para sempre, seja qual for o fim da trilogia. É algo trágico de constatar. São demasiado jovens para carregar certos pesos.
Outra coisa que quero destacar é a forma como o autor escreve e desenvolve a narrativa. Nunca vai pelo caminho mais óbvio, pensa frequentemente "fora da caixa", e isso é muito refrescante. Às vezes consigo perceber como o livro vai terminar só de ler 50 ou 100 páginas, e apesar de isso não ser necessariamente aborrecido, também não constitui um desafio. O Rick Yancey faz-me trabalhar para merecer a leitura, mantém-me alerta ao longo dela. Gosto disso.
Pronto, só posso terminar isto dizendo que estou morbidamente curiosa para ver como termina. As descobertas finais são suficientes para mudar o jogo, à medida que um confronto final se avizinha, e céus, começo a ter a funesta ideia que isto vai explodir, e eu vou sair de coração partido da coisa. Bem, pelo menos tenho para aí um ano para me preparar. Este é provavelmente o único momento em que dou graças por ter de esperar um ano por um livro.
P.S.: Finalmente, um tradutor competente! Não dei por uma única calinada, e ocasionalmente dei por mim a ler algo e a concordar com a tradução. Do que eu tenho lido dele, acho que nunca tive razões de queixa. É cada vez mais raro, praticamente nunca acontece, god bless him.
Título original: The Infinite Sea (2014)
Páginas: 272
Editora: Presença
Tradução: Miguel Romeira
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