quinta-feira, 17 de setembro de 2015

The Young Elites, Marie Lu


Opinião: Encontro-me numa posição singular e curiosa com este livro. Ao início não tencionava propriamente lê-lo. Li a primeira trilogia da autora, e ela faz muitas coisas bem, como as cenas de acção, e a construção do seu mundo, e até o modo como leva o enredo por caminhos nada óbvios. Mas faltava-lhe algo na caracterização dos personagens, algo que era necessário para me apaixonar pela leitura, e por isso The Young Elites, o primeiro de uma nova série, não era prioridade para mim.

Só que depois o ano passado comecei a tropeçar em opiniões do livro, quando saiu, e bolas, começou a dar-me uma vontade brutal de o ler. Tudo o que lia me dava a sensação de ser exactamente o meu tipo de coisa. Só que ainda estava relutante, e como tencionava tentar não começar muitas séries novas, esperei. Acho que finalmente a Patrícia e a Elphaba se fartaram de me ouvir lamuriar e decidiram que era uma boa prenda quando fiz anos. (Pista: estavam certas.)

É que a fragilidade da autora em criar personagens que me apaixonassem? Foi janela fora. A protagonista Adelina está soberbamente caracterizada, duma forma apurada e certeira, cheia de nuances, que cria verdadeiramente a ilusão que ela é uma pessoa real (adequado, tendo em conta os poderes dela). Aliás, toda a gente está caracterizada do mesmo jeito, mas a Adelina, sendo a protagonista, está mais aprofundada.

The Young Elites é sobre um mundo em que uma peste devorou o país, Kenettra (assim como que uma Itália Renascentista), deixando na sua esteira crianças e jovens, os malfettos, marcadas fisicamente (ou não), e em alguns casos com poderes (os The Young Elites). Os malfettos são vistos em Kenettra como proscritos, que trazem azar e mancham uma família socialmente, e durante este livro vemos um escalar de situação que leva a perseguições, prisão e morte.

E aqui se insere a protagonista Adelina. Sobreviveu à peste, mas não sem mácula. O cabelo ficou-lhe branco/cinzento/prateado (a peste afectou o cabelo de toda a gente, parece, porque toda a gente tem um cabelo lindo e exótico... eh), e perdeu um olho. Mas o mais importante que a peste lhe deixou foram cicatrizes de outro foro: as psicológicas. Desde então maltratada e manipulada pelo pai, não conheceu senão maldade e desprezo da parte dele, deixando marcas indeléveis na sua personalidade.

Oh, e que personagem fascinante a Adelina é. Ela comete tantos erros, faz maldades, caminha no limite entre anti-heroína e vilã, mas não consigo ficar zangada ou desapontada com ela. A Adelina foi uma miúda extremamente mal-tratada toda a sua vida, criando uma combinação poderosa de falta de auto-estima e de confiança e falta de carinho.

E por isso, essa carência desesperada por afecto fá-la oscilar entre várias situações que lhe permitam obter a atenção de outros; só que a sua falta de confiança em si própria e nos outros a faz também tomar decisões precipitadas e impensadas, procurando aqueles que lhe pareçam mais seguros, mas mudando de ideias a cada momento. Na procura de uma emoção, falta-lhe a razão, o que faz sentido para alguém tão jovem e com uma vida tão difícil.

O caminho da Adelina cruza-se com a Dagger Society, um grupo de jovens com poderes que tem (aparentemente) como objectivo ajudar e proteger outros como eles. Mas a Adelina tem muita dificuldade em confiar neles, e à medida que vai fazendo amizades no grupo, a tensão mantém-se: será que vai pôr-se inteiramente nas mãos deles? Será que eles têm os seus melhores interesses em vista? Será que vai traí-los?

Adorei seguir esta parte do enredo, estas dificuldades da Adelina, porque a autora faz um óptimo trabalho em manter as coisas dúbias: há sinais de amizade por parte dos membros da Dagger Society, mas ao mesmo tempo certas acções deles fazem pensar que a Adelina não pode confiar neles. Querer parecer ser mais capazes do que realmente são, e pode-se argumentar que são terroristas para o seu país, pelas acções que tomam no enredo. Dizem querer ajudar outros como eles, mas as suas acções não passam exactamente por aí, já que o seu objectivo final é restaurar no trono aquele de direito, que foi afastado por ser um malfetto.

Os poderes da Adelina são algo de fascinante. É como se ela fosse um Darkling em potência, como poderes ligados à escuridão, e com a tendência para ser empurrada para a vilania, com o impulso certo. Ela tem o gosto pelo poder e ambição suficientes para isso, e a sua capacidade para cair num estado de espírito sombrio que leva à destruição só é rivalizado pela Celaena dos livros da série Throne of Glass da Sarah J. Maas.

O elenco de outros personagens é descrito com precisão. O Enzo pela sua ambição e determinação, destaca-se pela ambiguidade em relação à Adelina, que guia a posição ambígua dela aos outros personagens. Além disso, não é propriamente um interesse amoroso típico, não um pelo qual eu pudesse torcer, porque tem demasiado de primeira paixoneta, da parte dela, além de não estar certa do interesse dele, para me ser credível que sejam um bom par. O percurso dele leva a momentos inesperados (bravo, Marie), o que foi delicioso, mas a Marie já deu as cartas para poder vir dar a volta à coisa, por isso é óbvio que não vai resistir a fazê-lo.

O Raffaele foi dos personagens meus favoritos, pelas suas capacidades de Young Elite, pela sua personalidade calma e segura, pela sua posição na vida, algo agridoce de seguir, pela sua estabilidade emocional acima de tudo, sendo um óptimo contraponto à Adelina e estendendo-lhe uma amizade que deu gosto seguir. Tenho pena que as coisas tenham azedado entre eles, acho que o Raffaele seria uma boa influência nela, e capaz de a ajudar, apesar de tudo. Até consigo ver-me a torcer por eles, no futuro, como par. Seria uma parceria deveras interessante, precisamente pelo contraste que fazem.

Uma outra personagem que achei mesmo interessante foi a Gemma. Serve de contraponto à Adelina de outro modo: aqueles com poderes são avaliados de acordo com o tipo de emoções e conceitos que os guiam e fazem parte fundamental da sua personalidade. Ora se a Adelina se guia por paixão, ambição, medo e fúria, a Gemma trabalha melhor quando está feliz e satisfeita.

É feito subtilmente um argumento interessante sobre o modo como ambas cresceram: a Gemma numa família feliz e que a aceita, e por isso ela funciona melhor quando está bem; a Adelina conheceu maioritariamente o desprezo, o medo e a fúria ao crescer, e é isso que guia os seus poderes e como se manifestam. (Ainda relevante para a questão: a Violetta, a mana da Adelina. A sua postura é interessantíssima e crucial.) É uma relação explícita entre poderes, motivação e personalidade que a autora estabelece, e é uma ideia inusitada o suficiente para me atrair e agradar.

Outro personagem manifestamente interessante é o Teren. Claramente o antagonista, não é isso que uma pessoa pensaria ao ler a sinopse. (Honestamente, pensei que ia ser mais um triângulo amoroso. How wrong I was. Nada a ver com isso, e ainda bem.) Detestei-o pelas suas acções, mas ainda assim é bastante nuanceado, com motivos e personalidade bem claros. Quase parece um pouco patético, pelo seu fanatismo e obsessão com uma outra personagem.

Aliás, é isso que torna a história tão interessante. A Marie escreveu uma história em que ninguém é bom ou mau, vilão ou herói. Só há pessoas e as acções que praticam e que caem num espectro tão variado. Uma ideia fundamental, mas ainda assim pouco explorada e refrescante de ver.

O final foi definitivamente chocante, pelos acontecimentos em si e pelo extremo em que as acções da Adelina (e dos outros também) caíram. Senti a sua dor e confusão, e custou-me horrores ver a quebra de relações que se dá, porque quase dava para ver a alma dela a destruir-se mais um bocadinho, a ver esta bóia salva-vidas que tinha uma medida de afecto a ser-lhe retirada, e como isso a deixou afundar ainda mais.

Estou mesmo intrigada para ver como as coisas se processarão daqui para a frente, porque há um milhão de oportunidades, e estou contente por ter esperado para ler até agora. O segundo livro está quase a sair, e poderei lê-lo brevemente. Sei que gosto da ideia de ter a Adelina a bater no fundo, sempre com o potencial para se tornar numa vilã, e da ideia de ver traçado um caminho de redenção que lhe permita ser e mostrar-se melhor que as suas circunstâncias.

Páginas: 368

Editora: Putnam (Penguin Random House)

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