Opinião: Há sempre algum receio e alguma relutância em torno da segunda obra dum artista, porque esta tem fama de ser um animal difícil de parir, e um mais indefinido e complicado que o primeiro... contudo, diria que Beastly Bones safa-se muito bem dessa maldição, mantendo tudo o que eu gostei de ver no primeiro, e oferecendo-nos uma nova história que desenvolve o mundo e os personagens.
Desta vez, Abigail Rook e o detective sobrenatural para quem trabalha, Jackaby, cruzam-se com uma raça de seres shapeshifter, cuja particularidade se centra em se transformarem naquilo que comem, quase literalmente. Se comerem, digamos, uma dieta regular de gatos, é nisso que se transformam; se na forma de gatos começarem a comer ratos, adivinhem em que é que eles se tornam?
Pois bem, o duo de investigadores tropeça nos gatinhos sobrenaturais, e a mulher que originalmente os acolhera morre misteriosamente; ao mesmo tempo, perto da cidade onde vivem, New Fiddleham, uma morte misteriosa que partilha detalhes com a primeira leva-os a viajar até ao local, onde uma escavação de ossos de um dinossauro está coberta de acontecimentos fora do normal que dão água pela barba à Abigail e ao Jackaby.
Aquilo que aprecio nestes livros é que são particularmente terra-a-terra. Sim, os personagens estão rodeados de coisas fantásticas, e há um certo senso de curiosidade e maravilhamento para com elas; Mas não se perde o senso de quem são, as minudências da vida normal, e mais importante, as idiossincrasias de cada um. As personalidades de todo o elenco ficam bem delineadas, e torna-se uma delícia acompanhá-los, sejam quem forem.
Algo que deriva disto é que as, digamos, regras sobrenaturais do mundo estão bem estabelecidas, e por mais que queiramos inventar coisas mirabolantes para explicar os acontecimentos, a explicação mais simples acaba por ser a mais correcta. Sobrenatural não quer necessariamente dizer extraordinário, e a resolução do mistério presente no livro acaba por ser tão fantástica de tão simples. Afinal, a resposta estava lá desde o início do livro, nós é que não lhe prestámos atenção. Gosto disso.
Já disse e mantenho que aprecio muito o sentido de humor do autor e de como escreve os personagens nesse aspecto. Há as pequenas coisas engraçadas no modo como Jackaby lida com o mundo e os outros, mas também a piada que se encontra em coisas como a Abigail ter de lidar com dois paleontólogos no local da escavação, um todo engatatão, outro todo machista para com ela - e até encontramos piada na rivalidade entre os dois cientistas, sempre prontos a atirar pedras (quase sempre figurativamente, excepção feita numa ocasião) um ao outro.
Falando na Abigail, adoro segui-la. É tão pragmática (o que faz dela um bom contraponto ao Jackaby), tão ciente do mundo em que se move mas tentando ultrapassar os obstáculos que este lhe põe; mas também sonha e deseja, e debate-se com o que quer, acreditando que a vida e o mundo não lhe permitirão alcançar as duas coisas que deseja.
Aprecio tanto que seja tão apaixonada pela paleontologia, e que mostre que sabe do assunto a quem quer que seja, e que não deixe que lhe estraguem a sua paixão. Além disso, está a aprender a navegar o feitio do Jackaby, a trabalhar com ele em equipa, e acho piada a ver isso acontecer.
Quanto ao Jackaby, que raios, mantém-se envolto num manto de mistério. Quero dizer, temos uma boa ideia da pessoa que ele é (na minha opinião do primeiro livro disse que era "distraído, alheado às coisas mundanas, mas francamente empático e um investigador dedicado", e mantenho a minha descrição, que este livro só reforçou). Mas e o passado dele? Quem foi, o que fez?
Não sabemos muito, quase nada, até, e ainda estou a tentar perceber se a intenção do autor é manter a coisa assim pelo resto da série, ou se pelo contrário haverá alguma altura em que levanta a ponta do véu. É que assim uma pessoa só consegue imaginar e inventar tragédias atrás de tragédias. Há sequer uma história ali? Como é que ele descobriu que conseguia ver o mundo doutra maneira, mais mágica? Como é que isso afectou as interacções dele com o mundo e os outros?
O elenco de personagens secundários continua a ser fabuloso. O Inspector Marlowe aparece pouco, mas com alguma fé agora na capacidade de Jackaby de resolver dilemas fora do comum. O Charlie Cane, agora Barker (os apelidos continuam a ter uma piadinha ao tipo de shapeshifter que ele é) continua a ser o tipo grande, calado e adorável que suspira pela Abigail (e a Abby por ele).
E como a maior parte da história é num novo local, há novos personagens a conhecer. Os dois paleontólogos, já o disse, foram tão divertidos de ler, pela sua rivalidade. A Nellie Fuller é fascinante, pela sua capacidade de se insinuar em qualquer situação e desarmar os homens com quem lida... a "lata" dela é qualquer coisa de extraordinário, e o feitio determinado dela é inspirador. O Hank Hudson é um caçador e interessado em seres fora do comum que conhece o Jackaby doutras andanças e dá uma mãozinha (heh, isto tem mais piada do que seria de esperar, em vários sentidos, mas só lendo) no desenrolar do enredo.
Para o(s) próximo(s) livro(s), o que espero? Bem, primeiro que tudo a investigação da história da Jenny, a fantasma da casa de Augur Lane, a residência do Jackaby e da nossa Miss Rook. O final insinua-o. Para além disso, suspeito que o autor tem história para mais que um terceiro livro, talvez um quarto e um quinto. Há a figura misteriosa que teve mão nos acontecimentos deste livro, e que se perfila para ser um Moriarty, um antagonista principal da série. E a haver algum mistério na vida do Jackaby, gostava que fosse explorado.
Até é uma coisa que aprecio, o autor deixar as suas opções em aberto. Tanto podemos ter uma trilogia como uma pentalogia (ou até ainda mais), e prefiro isso, e chegar ao fim sabendo que a história que foi contada no tempo em que era preciso, do que achar uma série demasiado curta ou demasiado longa para a história que tem. Por tudo isto, e pelo que apontei em ambas as opiniões dos livros, é definitivamente uma série e um autor que vou continuar a seguir.
Páginas: 304
Editora: Algonquin Young Readers
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