Jerusalem, Guy Delisle
Na minha opinião do livro anterior que li do autor, mencionei que não achava muita piada à atitude dele em relação à cultura e país que descrevia. Aqui... bem, é mais complicado. Ele tem uma atitude desligada, quase infantil na maneira como apresenta as idiossincrasias de viver num país como Israel, viver numa cidade como Jerusalém.
Isso tem dois resultados. É um pouco estranho ver uma situação, e um país, tão politizados descritos duma forma tão imparcial. (Não completamente imparcial, mas quase.) Mas dum modo estranho, funciona. O modo quase infantil como mostra certas idiossincrasias permite-lhe questionar como a religião e a cultura levam as pessoas a fazer coisas que podem parecer algo doidas. (Lembrando que Jerusalém está a modos que dividida entre várias religiões e grupos étnicos.) É isso que permite uma certa imparcialidade quando mostra como as coisas são para certas secções da população.
Diria que ler o livro é pelo menos iluminador, um pouco, acerca de como a vida é para alguém que vive neste território. É claro que é sempre a perspectiva dum estranho, mas até fiquei bem impressionada porque fiquei com a ideia que o autor fez um esforço para sair de Jerusalém, visitar outros locais. Permite-nos conhecer comunidades pequenas que o mundo não conhece, e como vivem (spoiler alert: não há só palestinianos e israelitas).
O autor viveu em Jerusalém em 2008-2009, numa altura interessante em termos de política nacional e internacional, mas também descreve aspectos da cultura e religião mais duradouros. É fascinante e permite aprender muita coisa, e as pequenas anedotas que tem a contar são engraçadas sem serem desrespeitadoras. Não é a maior descoberta depois da roda, mas é uma ferramenta útil para quem quer conhecer o país e a situação, e é um começo para lançar o leitor e dar-lhe vontade de pesquisar e querer saber mais. (Se eu alguma vez conseguir encontrar algo que me dê uma boa ideia... mas nem sei por onde começar.)
Through the Woods, Emily Carroll
Caramba, isto é mesmo arrepiante. Quem é que se lembra destas coisas?
Um conjunto de cinco histórias que lembram os velhos contos de fadas, à irmãos Grimm vintage, com coisas arrepiantes e nojentas à mistura, e com uma boa dose de horror/terror despejada em cima. E um prólogo e um epílogo a acompanhar.
Céus, as histórias são tão evocativas, tão capazes de captar a atenção e envolver o leitor e puxá-lo para o seu seio... e começa tudo com um ar tão normal, tão simples, mas depois a tensão sobe, os acontecimentos sobrenaturais e misteriosos sucedem-se, e quando damos por nós estamos num mini-thriller/mini-filme de terror. Impressionante.
Favoritos: o do irmão. Porque bolas, uma pessoa fica com pena do narrador mesmo que ele tenha feito algo horrível. E porque qualquer dia lembro-me deste conto e ponho-me a questionar se as pessoas da minha vida não foram... "trocadas". E também o conto final, porque tem um horror muito lovecraftiano (ou, não tendo de facto lido o autor, aquilo que entendo dessa definição graças à cultura popular), e porque sou capaz de passar o resto dos meus dias também a perguntar-me se as pessoas da minha vida não são o tipo de ser que aparece neste conto.
O epílogo também é muito sugestivo; a questão do lobo é pertinente. Já a arte é bem interessante. Tem uma qualidade por vezes cartoonesca, o que choca com o tom, e por isso contribui para a sua força. Gosto da integração do texto com as imagens. Definitivamente evocativa.
P.S.: detesto o meu paperback. Ugh. A capa é tão mole que começa a encaracolar para fora sozinha.
Boxers & Saints, Gene Luen Yang (edições separadas aqui e aqui)
Outro que me deu que pensar. Gene Luen Yang conta (com algumas adaptações necessárias) um pouco da história da Rebelião Boxer na China (fim do século XIX), e deixou uma vontade de ler mais sobre este período e local.
Por um lado, faz-me um pouco de confusão ver esta situação tão simplificada. Por outro, reconheço que não sou a audiência alvo, e portanto, tentando ser objectiva, creio que até é bastante adequado para a mesma.
Gosto da maneira como o autor enquadra o percurso do protagonista com elementos fantásticos, é adorável e aproveita algo da cultura. Gosto de como mesmo simplificado ele consegue mostrar o conflito religioso, e como o lado Boxer se sentia ao ser obrigado a conviver com os padres cristãos, e com os convertidos. É de partir o coração ver pessoas do mesmo país, da mesma cultura, a confrontarem-se e tirarem as vidas uns dos outros.
Gosto de como o autor mostra que ninguém está certo ou errado. De como mesmo agindo por uma boa causa se pode cometer muitos erros de caminho. Gosto bastante do caminho que a Vibiana trilha, e dos paralelos com a Joana D'Arc. Gosto de como isto parece uma grande aventura mas depois começa a tomar um tom mais sério e a correr mal. Gosto da arte, simples mas eficaz e bem atractiva para o olho.
Não sei se gosto: de como o Saints é curto. Do epílogo do Saints. É que o fim do Boxers é algo chocante e com impacto, e sinto que o epílogo o reescreve, e não parece algo merecido pelas partes envolvidas.
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