sexta-feira, 28 de abril de 2017

Peter Pan, J.M. Barrie


Opinião: Curiosamente, a primeira observação que me ocorre fazer sobre este livro é também uma comparação. Porque em certa medida, me fez pensar nos livros da Alice de Lewis Carroll. Esses são escritos duma forma nonsense que é muito associada ao imaginário das crianças; Peter Pan usa esse imaginário das crianças, e tem algum nonsense na maneira como constrói o seu mundo e o enredo - mas mesmo assim, fez mais sentido para mim e identifiquei-me mais com este livro que com os da Alice.

É uma história charmosa, sem dúvida. Um pouco diferente da versão que conhecemos da Disney; mas eu, que estava ciente que haviam diferenças, acabei por ficar surpreendida com a proximidade de alguns detalhes. A narrativa pode não ser exactamente a mesma, mas o filme animado aproveita todo o tipo de pormenores engraçados. (Exemplo: os Meninos Perdidos no livro vestem peles de ursos que caçam... no filme vestem "peles" de vários tipos de animais.)

É também uma história contraditória, em termos emocionais. É cheia de aventuras excitantes e encontros próximos com o perigo, e tem um mundo maravilhoso a explorar pelos protagonistas; mas também é triste, no sentido em que faz uma reflexão discreta sobre o desaparecimento de uma criança e o efeito que isso tem nos pais. Tendo em conta a história trágica pessoal de um dos irmãos mais velhos de Barrie, é de partir o coração considerar as suas palavras no texto sobre o assunto, que ainda assim são amorosas e doces.

É também ainda uma história um pouco sinistra, no que toca ao seu protagonista titular. Peter Pan é a criança que não cresce; e como criança, é amoral, egoísta, desinteressada, cruel. Tem características que todas as crianças exibem; a diferença é que estas crescem, e Peter recusa-se, prefere ficar neste meio termo sem fim. Permite uma narrativa fascinante, mas também desconcertante.

Detalhes interessantes da narrativa: os pais Darling, como lidavam com os filhos antes e depois do desaparecimento (o depois é de partir o coração para a Sra. Darling); a questão da janela aberta e do beijinho no canto da boca da Sra. Darling e de arrumar os pensamentos das suas crianças (detalhes amorosos e fascinantes); o conjunto de piratas, particularmente Hook, cavalheiro inglês primeiro e só pirata depois (centro dos seus desentendimentos com Peter); e Tiger Lily, independente e guerreira de direito próprio.

Uma nota final para a minha edição. É uma edição especial que encontrei à venda por um preço jeitoso, e é irrepreensível. Pelo preço, é... sem preço. A encadernação é fantástica, o papel luxuoso, a impressão mesmo boa.

Tem a adição de três contribuições. Uma por Rita Redshoes, com anotações/comentários manuscritos nas margens. Não é o tipo que me tenha mantido interessada. Os comentários pareceram-me do tipo de coisas que nos passam pela cabeça numa leitura, mas que não têm necessariamente valor para ser partilhados com os outros. Pelo menos, a maior parte não adicionou nenhum valor à minha leitura. Só uma fracção é que tem algo realmente a acrescentar.

O posfácio é por Pedro Santos Guerreiro. Também não me disse nada. Malha muito no filme da Disney, e é um bocado cheio de lugares-comuns. O desgosto com o filme animado (e outras adaptações) é perfeitamente dispensável, parece-me. Há espaço para tudo e o desacordo do autor tem mais a ver com a interpretação geral da história que se faz. (Nunca foi a minha, por exemplo.) E ficar aborrecido com as opiniões dos outros porque não são as nossas é inútil, parece-me. (E um pouco curioso numa pessoa que é jornalista, mas enfim.)

O verdadeiro valor das contribuições encontra-se nas ilustrações por Cláudia Guerreiro. Muito, muito giras. Usa vários meios para as fazer e têm um certo ar de inacabadas que lhes dá um certo charme. A biografia incluída no livro deu-me a entender que não é habitual fazer ilustrações para livros, e é uma pena.

Título original: Peter Pan; ou Peter and Wendy (1911)

Páginas: 248

Editora: ed. exclusiva Expresso-Visão (baseada numa da Relógio d'Água, creio eu)

Tradução: Relógio d'Água (porque esta edição se recusa a dizer o nome do tradutor e só coloca a editora original nesse espaço, o que faz... totalmente sentido; ou nem por isso)

3 comentários:

  1. Li este livro há já alguns anos, e confesso que ficou muito aquém das minhas expectativas (infelizmente, acho que é o efeito que alguns clássicos infantis britânicos acabam por ter em mim :/), não só exactamente por essas características da personagem principal, Peter Pan, mas por achar a escrita um pouco maçuda (li no original inglês).

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Talvez não sejamos nós, mas seja a altura em que os lemos? Tenho a sensação que tanto este como o Alice seriam livros mais apreciados por mim se já tivesse uma ligação emocional com eles, formada se os tivesse lido quando era mais nova. Se é que faz sentido...

      De qualquer modo, creio que como adultos e leitores não conseguimos desligar o lado crítico e não conseguimos dar inteiramente espaço ao lado mais infantil. Podemos apreciar os livros (ou não), mas nunca parece ser a mesmo coisa... :/

      De qualquer modo, agora estou curiosa para ver como este se sairia em inglês. :S Tenho por cá uma edição com todas as versões da história (prosa e peça), talvez um dia destes lhe dê uma olhadela. :)

      Eliminar
    2. Os da Alice, por exemplo, adorei, mesmo tendo lido aos (creio) 19 anos! Outros que li: o The Secret Garden, achei aborrecido, bem como o Treasure Island (e tive um desgosto enorme por não ter gostado tanto como esperava); o The Wizard of Oz, achei mais-ou-menos-a-atirar-para-o-bom; o The Wind in the Willows adorei mas perguntei-me como é que uma criança teria paciência... o Peter Pan achei chato, mas lá está: nem com o filme tinha formada a ligação emocional.

      E também há isso, claro: o lado crítico muito mais "aceso" quando se é adulto... que creio que poderá ter sido o motivo por detrás de muitas das minhas desilusões.

      Dá uma olhadela sim! A versão em peça nunca vi :)

      Eliminar