Opinião: Arghhh eu aqui há tanto tempo à espera dum livro da Laini Taylor e ela faz-me isto! Sinto-me enganada! Indignada! Furiosa!
... ok, estou a ser dramática simplesmente pelo objectivo de o ser. Mas a verdade é que mal posso acreditar neste livro e na maneira como terminou. É a coisa mais insatisfatória e cliffhangeresca que já vi. (No bom sentido, claro.) Ai... há autoras que têm mesmo prazer em torturar-nos, diria eu. Ou como dizia em conversa há uns dias, essas autoras bebem lágrimas de leitores e alimentam-se das suas esperanças devastadas. (As trolls.)
O que posso eu dizer mais? É Laini Taylor. Quem não leu, devia ganhar juízo e ler. Quem leu e não gostou, não é agora que vai gostar, suponho. Quem leu gostou, está à espera do quê? Porque ela continua a fazer aquela coisa maravilhosa em que combina uma escrita fantasiosa e um storytelling encantador, numa combinação mágica digna de conto de fadas.
A diferença para os contos de fadas, que são primordiais e arquetípicos, é que a autora é uma brilhante observadora e descritora da natureza humana; entende perfeitamente aquilo que faz de nós o que somos, como portamos o bem e o mal em nós, e como as circunstâncias condicionam isso mesmo.
Isso relaciona-se com o conflito no centro da narrativa: a cidade mencionada na sinopse está no centro de um conflito entre, erm, tipos de pessoas, digamos assim. E é esse conflito que ditou os acontecimentos misteriosos aludidos na sinopse; como essas coisas se deram, no entanto... bem, a piada é ler e descobrir.
E pronto, a autora consegue facilmente envolver-nos na narrativa com a sua capacidade extraordinária em que usa uma linguagem onírica e mágica e extravagante, sem nunca ser exagerada ou melosa. Diria que ela é enganadoramente simples: se eu explicasse a alguém o enredo, pareceria óbvio... mas ao ler tem tantas facetas e pequenos detalhes fabulosos; quase que usa arquétipos e ideias-base, mas depois desconstrói-os e subverte-os, e assim consegue surpreender-nos.
O worldbuilding é fascinante: adoro o cuidado com que a biblioteca é descrita, o refúgio mágico que parece ser para o Lazlo; e depois adorei conhecer Weep, a cidade verdadeira, e Unseen City, a cidade dos sonhos. Existem duas versões de si, e cada uma merece ser conhecida. Além disso, está presente também no enredo algo sobre os sonhos e a sua textura, e essa exploração é outra coisa digna de nota.
Quanto a personagens: o par de protagonistas é adorável. O Lazlo é uma coisinha preciosa, sonhador, tímido, simples, talvez um pouco injustiçado. No entanto, um momento de coragem permite-lhe alcançar o seu sonho, e oh céus, que bela aventura o espera. A Sarai, bem, é melhor conhecê-la. Mas está circunscrita às expectativas e preconceitos dos outros, e isso é verdadeiramente trágico. A sua posição única tornou-a verdadeiramente empática, apesar de ter razões para o ódio.
Os dois juntos, bem... se fosse outra autora, eu teria arrancado os cabelos. A Laini safa-se. O que acontece encaixa bem com o tipo de história e escrita. Porque honestamente, estes dois tecnicamente ainda não se conheceram no mundo real e já estão todos lamechas um com o outro, e eu a revirar os olhinhos do alto da minha idade mais velha. É um pouco exasperante, mas amoroso, suponho. Como disse, encaixa com a Laini e o tipo de situação em que estão, que pressiona o decorrer dos acontecimentos. Além disso, eles são novos e inexperientes, o que leva a um imediatismo que acaba por ser cativante, apesar de tudo.
Outros personagens: gostei de conhecer as pessoas que rodeiam a Sarai. São miúdos bem queridos e gostava que tivessem tido outra vida. (A Minya não. Essa pode morrer. Ugh. Detesto personagens como a Minya. Fundamentalistas e imutáveis. Não são antagonistas interessantes. Até podem ser desafiantes para os protagonistas, mas não podem evoluir, e isso irrita-me. Mas adoro odiá-los.) Também gostei de conhecer a Calixte, miúda intrépida e desbocada, e os que rodeiam Eril-Fane, que são um símbolo do que a cidade conheceu por 200 anos. Conhecer a sua história trágica é de partir o coração.
A mensagem da história é curiosamente relevante nos dias que correm. Uma mensagem sobre opressão e desumanização do "inimigo", sobre os actos terríveis que se cometem depois de ultrapassado um certo ponto de pressão... sobre as diferenças que nos separam e aproximam, sobre preconceito aprendido e internalizado e como é difícil descartá-lo, e sobre como é fácil violência alimentar violência. Difícil é ultrapassar uma vida inteira a aprender a linguagem do ódio.
Há algumas pequenas reviravoltas na história... mas digamos que começo a conhecer como a autora "funciona". Ela faz um comentário de passagem à página 200 que fez clique para mim e adivinhei o que ela tinha preparado para nós umas 250 páginas depois. Não estragou o meu gosto pela leitura. Pelo contrário, diverti-me a ver como as coisas iam parar àquele ponto. Houve espaço para o inesperado, ainda assim.
O final... oh, o final. É de partir o coração. É torturoso, é quase incredível. Mal consigo imaginar como ela vai descalçar a bota. É frustrante. e enervante. Tudo isto no bom sentido, claro. Mas toda eu comicho só de pensar em esperar um ano ou mais para saber o que vai acontecer a seguir.
Páginas: 544
Editora: Little, Brown (Hachette)
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