domingo, 8 de dezembro de 2013

Allegiant, Veronica Roth


Opinião: Este livro há de ficar para a história - para a minha história literária pessoal, pelo menos - por diversas e variadas razões. E a primeira delas nem tem propriamente a ver com o livro em si. É que esta é capaz de ser a primeira vez em que eu topo o que é que vai acontecer num livro, não por ler inadvertidamente um spoiler, mas por formular um palpite relativamente certeiro a partir das reacções das outras pessoas ao livro e ao final. Não tive de ler nada, bastou-me o drama, a indignação e os insultos para estimar que haviam apenas umas duas possibilidades que justificavam tais reacções.

Enfim... nem consigo ficar aborrecida com o spoiler acidental. Pelo menos dá uma boa história para contar. E a situação em questão não é coisa que me choque, sendo pelo menos coerente com a evolução da história ao longo da trilogia. Na minha opinião, vale a pena ler o livro para compreender por inteiro como é que se chega àquele ponto.

Se há coisa que eu posso dizer, e vou ver se evito entrar em pormenores, é que nunca me teria ocorrido ir pelo caminho que a Veronica escolheu ir depois do final surpreendente do Insurgent. A maneira como este mundo se expande é definitivamente inesperada, ainda que faça estranhamente sentido. As razões para o estabelecimento da sociedade que conhecemos em Chicago são reveladas, e acabam por dar uma dimensão algo pós-apocalíptica à coisa. Não estou completamente convencida com os pormenores, porque tocam em parte numa área pela qual me interesso e gostava de ver a situação explicada com maior detalhe.

Outra coisa que me surpreendeu é a desilusão com a natureza humana que a autora demonstra com o desenrolar dos acontecimentos. Por mais que as coisas mudem, há coisas que se mantêm na mesma, e a mente humana persiste na criação de etiquetas e no estabelecimento de divisões... é uma perspectiva madura para um autor tão jovem.

Quanto à Tris, que eu não posso deixar de mencionar... é curioso pensar na evolução dela ao longo dos livros. Se pudesse compará-la a outra heroína distópica, acho que compararia com a Katniss, da trilogia dos Jogos da Fome, porque ambas têm um perfil psicológico desenvolvido de forma exímia, e uma evolução muito coerente com o tipo de pessoas que são.

A Tris sempre se debateu com os seus lados altruísta e corajoso, nunca sentindo que encaixava numa das facções por causa disso. Debateu-se com o que significava ser Abnegation ou Dauntless. E teve muita dificuldade em aceitar aquilo que os pais fizeram por ela e em como havia de pagar ao mundo essa dádiva. (O que gerou uma série de acções aparvalhadas no Insurgent geradas pela sua incompreensão e falta de aceitação, mas todos temos direito a cometer erros até nos pormos ao caminho correcto.) Aqui, ela finalmente compreendeu o valor do verdadeiro altruísmo, aquele feito com nada mais que o outro em mente e com uma dose de valentia estúpida pelo meio. Com as suas acções em Insurgent, compreendeu a dádiva de estar vivo, e diria que está num bom lugar. É satisfatório vê-la assim.

Recordando o aspecto de o livro ser contado entre os pontos de vista da Tris e do Four, tenho de comentar um bocadinho os capítulos dele. Sempre achei o Four um personagem um bocado impenetrável, por isso foi muito revelador ler algumas coisas dentro da cabeça dele. Até tenho pena que a Veronica não tenha usado este expediente mais cedo. A sua personalidade revela-se, e dá para compreender melhor como é que ele funciona e de onde vêm as suas, hã, divergências de opinião com a Tris.

A parte que eu menos gostei no livro - não, não foi o final, embora até seja parte dele - foram as questões éticas apresentadas. Basicamente temos a Tris e os que a rodeiam a encarar uma situação do género "eles vão-nos fazer uma coisa horrível... por isso vamos fazer-lhes essa coisa horrível primeiro. Porque é por uma boa causa". Desculpem lá, tenham paciência, mas dois errados não fazem um certo, apesar de a situação até resultar melhor do que eu esperava. (O que não justifica que devesse ter sido executada.) Além disso, espera-se que uma pessoa faça uma coisa ainda mais horrível para garantir que essa coisa horrível ocorra, e pelas razões mais erradas de sempre. Fiquei exasperada com o comportamento dos intervenientes no assunto, e com o facto de ninguém ter levantado sequer oposição. Não sei se compreendo ou concordo com o que a Veronica estava a tentar fazer.

Quanto ao final... eu compreendo porque é que deixou tanta gente desapontada. Apenas não me senti assim com toda a situação. É certamente um daqueles exemplos de momento estúpido e incompreensível que a vida às vezes tem, daquelas coisas que não têm sentido algum nem alguma vez conseguiremos encontrar significado para elas. Mas as acções em si significam algo, e os seus motivos falam volumosamente, e acho que isso tem valor no grande esquema das coisas. Sim, a parte final do livro foi tristíssima, mas teve ressonância emocional e senti-o como verdadeiro, se é que isso faz sentido.

Pode não ser o final mais consensual para a trilogia, mas já admirei a autora por não se ter afastado de certos momentos espinhosos no Divergent, e aqui acho que posso fazer o mesmo. Foi uma trilogia que gostei de seguir, que me fez pensar e que me deu bons momentos. É estranho olhar em retrospectiva para as minhas expectativas antes de a começar a ler e ver o que decorreu desde então, mas estou contente por ter apostado num livro de aspecto estranho com uma bola de fogo esquisita na capa.

Be brave.

Páginas: 544

Editora: Katherine Tegen Books (Harper Collins)

3 comentários:

  1. Não sei se alguma vez vou ter uma única opinião (e que seja coerente) sobre este livro...
    Uma das coisas que me chateou foi toda aquela questão da genética. Continuo a achar que a partir do momento em que se sabe quem é o quê... a luta deixa de ser da Tris. Ela continua a ter as suas lutas, mas esta luta em particular não era dela (ugh, é tão difícil explicar sem spoilers). Acho que se a autora tivesse trocado as voltas, a história ganharia uma dimensão maior. :/
    Também achei o mesmo em relação às questões éticas levantadas no livro, embora uma das personagens chegue a dizer: "mas não estamos a fazer o mesmo que eles?", essas questões podiam ter sido mais aprofundadas.

    Quanto ao final, achei-o tão ou mais triste que o Mockingjay... foi injusto.

    Agora estou curiosa para ver o que a Veronica vai fazer a seguir. Espero que não demore muito tempo a revelar-nos. :)

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    1. Hmm, não sei se concordo... a Tris sempre esteve na posição desfavorável quanto ao que significava ser Divergente, na cidade, por isso até foi interessante vê-la na posição contrária, quando chegou ao outro lado. Acabou por não mudar o que ela sentia, o que é o mais importante, e apesar de tudo, ela continuou a tomar esta luta como a dela, por causa das outras pessoas de quem ela gostava e que não estavam na tal posição privilegiada. E acaba por ser irónico nós pensarmos, antes deste livro, que para lá dos muros da cidade estava uma coisa de vida ou morte, quando (na minha opinião) estava era uma coisa tão minúscula e tão representativa da mesquinhez humana. :/

      O final é injusto, aí concordo, mas não é assim a vida? Nem sempre acontece aquilo que queremos ou esperamos, e muitas vezes coisas más acontecem a pessoas que não o merecem, infelizmente.

      Também gostava de ver o que ela vai fazer a seguir... acho-a uma autora com uma maturidade inusitada, por isso tenho a certeza que dali podem sair mais coisas boas. :) Mas tendo em conta que ela precisou de mais meio ano para terminar o Allegiant, e que ela deve ir estar em promoções para o filme até Março, tenho a sensação que vamos ter de esperar um bocado até se divulgar o próximo projecto dela. :/

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    2. Sim.. não queria dizer que ela não pudesse lutar pelos outros e com os outros, mas não sei.. Gostava de ver o Four à frente desta vez. Gostava que as personagens afectadas, digamos assim, fossem as que tomassem uma posição forte... Em vez disso, não. Foram as que tomaram uma atitude errada, as que foram pelo caminho errado. Porquê? Por serem danificados? Gostava que eles tivessem tido mais voz.

      Esta é uma das razões porque gosto da escrita da Veronica, é que nos põe a 'discutir' sobre estes assuntos. :D

      E sim, com o filme, as promoções do filme e os contos do Four ainda vamos ter que esperar muito... :(

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