Opinião: Eleanor & Park é, à partida, uma história muito simples. Rapaz e rapariga conhecem-se, e rapaz e rapariga apaixonam-se, num cenário perfeito para saírem de coração partido. Contudo, é o estilo pessoal e o tipo de abordagem que o autor escolhe que normalmente fazem de uma história banal, uma história especial. E este é, claramente, um desses casos. A Rainbow Rowell é, na minha opinião, uma autora talentosa, capaz de tornar um enredo batido numa história verdadeiramente original, encantando-me com a sua simplicidade.
Eleanor é a miúda nova - grande, voluptuosa, ruiva, não passa despercebida, especialmente com o seu modo excêntrico de vestir. Por isso, mal entra no autocarro é logo "marcada" pelos outros alunos. Só o Park lhe oferece o lugar ao lado do seu, com algum mau feitio. O Park é meio-Coreano e tenta passar despercebido ao máximo, e por isso teme que prestar atenção à miúda nova o coloque na mira dos rufias.
Contudo, ela continua a sentar-se ao seu lado todos os dias, e aos poucos Park aprecebe-se que partilham alguns interesses: Eleanor espreita-lhe por cima do ombro sempre que ele está a ler banda desenhada, lendo com ele. E é na junção de interesses partilhados, de pequenos momentos deliciosos que ambos desenvolvem uma relação bem gira.
Adorei ver o desenrolar da relação deles. Começando por se ignorarem mutuamente, cedo se desenvolve ali uma afinidade, antes mesmo de trocarem palavras. O interesse que a Eleanor manifesta nos comics faz com o Park dê por si a levar mais tempo a ler as páginas, para lhe permitir ler também, e isso quebra o gelo e leva-os a começarem a trocar ideias sobre interesses mútuos. Também achei tão engraçada a maneira como se começam a relacionar fisicamente, como um toque significa tanto e os momentos de intimidade são conquistados aos poucos. Faz da relação uma coisa tão fofinha.
O facto de a história de passar nos anos 80 faz com que seja quase outro mundo. Sem internet, sem telemóveis, sem leitores de mp3 - como é que este pessoal sobrevivia? Pronto, estou a brincar, mas cria uma dinâmica interessante. A Eleanor nem sequer tem telefone, o que limita os momentos em que podem estar juntos, ou falar um com o outro. Walkman e cassettes com playlists é a norma. E o bullying é feito à moda antiga, com insultos atirados ao ar e pensos higiénicos colados no cacifo.
Outro pormenor importante são as menções a cultura popular. Tanto a música, um gosto que os dois jovens partilham e desenvolvem, emprestando um ao outro cassettes com bandas e músicas favoritas... como a banda desenhada. Adoro as menções ao Watchmen, que na altura estava a sair capítulo a capítulo, pelos quais eles esperavam ansiosamente, coisa com o qual não me posso identificar, exactamente, já que se quiser ler o título posso ler tudo de uma vez. E apreciei as menções a personagens e títulos, diverti-me imenso com elas. (Se bem que sou capaz de ter morrido um bocadinho quando a Eleanor diz que acha o Batman e o Ciclope aborrecidos.)
Nem tudo são rosas, no entanto. A Eleanor tem uma vida familiar muito complicada que vai sendo revelada aos poucos, cujos horrores vão aparecendo aos nossos olhos. Fiquei furibunda ao ler a história dela, porque tantas coisas que se tomam por garantidas... ela não tem. Aliás, é interessante ver como o Park está numa posição de privilégio e assume uma série de coisas sobre a Eleanor, ou falha em compreender porque é que ela se porta da maneira que o faz - porque não conhece a situação de carência em que ela se encontra.
Custou-me muito ler sobre a vida da Eleanor, ainda mais pelos seus irmãos. Todos mais novos, alguns muito pequeninos, se bem que de certo modo isso os protege mais na situação familiar. E ainda temos a mãe de Eleanor e dos seus irmaõs. Vítima de violência doméstica, acho que o que mais me choca é ver a sua falta de reacção ao ver o homem que escolheu para a sua vida ameaçar a vida dos filhos.
Quanto ao Park, os seus problemas são de certo modo a falta deles. Os pais amam-se, sendo muito carinhosos um com o outro, e o ambiente familiar é estável e cheio de amor. Mas o Park debate-se com a sua identidade, por baixo do nariz de um pai algo dominador, algo focado num modelo de comportamento mais masculinizado. As suas intenções são boas, e apesar disso sufoca um pouco o filho. Contudo, o mais importante é que quando o filho lhe pede ajuda, trata-o como adulto e aceita as suas decisões. A mãe do Park é uma senhora adorável, um pouco protectora, que acha que a Eleanor vai meter o filho em sarilhos, mas que se comove ao aperceber-se da situação familiar dela, e ao identificar-se com ela.
O fim apertou-me o coração, de várias maneiras. Fico contente que a Eleanor tenha escapado a uma situação que emperigava a sua segurança e a sua vida, mas deixa-me triste a sensação de finalidade que isso transmite. E não estou totalmente satisfeita com a autora por não explicitar melhor o destino dos irmãos, da família da Eleanor. Eu preciso de saber o que aconteceu àqueles miúdos adoravelmente fofinhos, preciso de saber que vão ficar bem.
No fim de contas, de certo modo é melhor assim. Ambos precisam de crescer um pouco. O Park estava meio apaixonado pela ideia de estar apaixonado, e precisa de separar as coisas... e a Eleanor precisa de se ver numa situação melhor, para eliminar a variável de escapismo que a sua relação com o Park tinha. Acredito num final feliz para os dois, mas talvez mais tarde nas suas vidas. Li algures que a autora achava que podia ter material para um segundo livro, e que não descartava essa ideia... por isso eu torço para que ela nos dê um Where You Are (da Gayle Forman) um dia, que eu mereço, e a Eleanor e o Park também, mesmo que seja sofrido.
Páginas: 336
Editora: Orion (Hachette UK)
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