terça-feira, 29 de agosto de 2017

Reencontro com o Amor, Melissa Pimentel


Opinião: Este é um retelling de Persuasão. Não é letra-a-letra - nunca podia ser, pois o pendor observatório social de Jane Austen não pode ser reproduzido da mesma maneira numa sociedade que não é a mesma de há 200 anos. No entanto, diria, que é uma adaptação relativamente inteligente.

Vejamos: segue o esquema geral do enredo do original, passando pelos momentos "grandes" -as crises, as indecisões, os "ele ama-me, ele não me ama" -; adapta os personagens - sinto que a irmã e o pai da Ruby têm características que lembram os personagens originais, mas têm também características redentórias que nos fazem entender porque a Ruby os ama, e por outro lado gosto do que ela fez com as irmãs Musgrove -; tem um certo sentido de humor e até podemos entever alguma crítica social, apenas não com a categoria apurada e a pena afiada de Austen.

A história foca-se em Ruby, jovem que vem duma cidade pequena e que vive e trabalha em Nova Iorque, tendo chegado a um ponto de que se possa orgulhar. 10 anos antes apaixonou-se por Ethan, mas algo aconteceu que os separou (é o mistério da história). Já o Ethan era um empregado de bar quando se conheceram, mas depois da separação voltou a estudar, criou uma app revolucionária, e agora é um milionário cobiçado por causa disso.

A inovação do enredo prende-se mesmo com podermos acompanhar os dois momentos da relação. Alternamos capítulos entre presente e passado, para apreciar a sua evolução, entender como se juntaram, como terminaram, e como voltar a estar no mesmo espaço pode criar todo o tipo de tensões.

Apreciei vê-los no passado: deu para entender que eram muito novos e queriam coisas diferentes da vida, e alguém ia ficar emburrado por não poder seguir a vida como a via se continuassem juntos. Não estavam preparados para uma relação séria, apesar de o sentimento ser forte.

O porquê do término da relação, bem, não apreciei que a autora fizesse caixinha e nos agitasse a revelação à frente do nariz sempre que podia... mas o conteúdo em questão fez sentido. A Ruby estava num mau lugar, assustada, e numa posição delicada e frágil, e isso tornou-a um alvo fácil. Tomou uma decisão errada, mas depois uma certa e esteve 10 anos a culpar-se por isso. Acho que merece compaixão pela posição difícil em que acabou.

Outra coisa interessante sobre o livro: há muitos anos, tive uma fase em que andava a ler chick lit - detesto o termo, mas serve para descrever o que quero dizer - e era interessante, mas era sobre gente com uma idade e numa posição na vida muito diferente da minha na altura.

Parece que cheguei finalmente a um ponto na vida em que chick lit é sobre a minha geração... há algumas coisas que a autora escreve que são exactamente o dilema dos Millennials: há gente que segue o exemplo dos pais e tenta encontrar uma carreira, como a Ruby, que acaba por se sentir incrivelmente frustrada ao obter um pouco daquilo que achava que queria; há gente que mal saiu do berço e já é super bem sucedida - leia-se rainha do Instagram ou uma empresária da Internet (as irmãs Musgrove... aqui são gémeas e são amorosas e tão inteligentes e desafiadoras dos estereótipos que a sua beleza podia trazer).

Não há definitivamente meias-medidas para a geração, e acho que a autora soube incorporar bem um bocadinho dos dilemas e posições da mesma. É um ponto que não é enorme no enredo, mas condiciona as acções dos personagens e um pouco da evolução do mesmo, portanto é giro e meritório de nota.

A história é, como no original, no POV da protagonista, e por isso mantém-se o suspense sobre os motivos e os pensamentos do Ethan, mantendo efectivamente uma certa tensão derivada da incerteza. Mas mesmo assim, ele tornou-se uma pessoa interessante com os anos, e seria intrigante ver o POV dele.

O final passa por a Ruby fazer algo difícil - confessar ao Ethan a coisa que a fez terminar com ele 10 anos antes, sabendo que é má o suficiente para ele nunca mais lhe querer pôr a vista em cima. E depois toma algumas decisões muito acertadas sobre o seu futuro, sem saber se passa por ele ou não - gosto que tenha identificado a fonte da sua frustração e se tenha proposto a mudar a vida e procurar algo diferente.

Não tivemos direito a uma carta deliciosa como a do Wentworth - vou querer sempre cair para o lado com algo do género -, mas sinto que a confissão da Ruby atinge o mesmo propósito: é assustador pôr o coração nas mãos de outrém, arriscando-se a que essa pessoa o esmague. E gosto que o Ethan tenha entendido o mau lugar onde ela estava 10 anos antes - tinha tido vislumbres disso -,  e entendido que após tanto tempo, estava para trás das costas, e era inútil ficar zangado. Já tinham perdido muitos anos com um sentimento não realizado pela sua incompatibilidade inicial.

E isto sim, é próximo do original. Sim, tenho pena da Anne e do Frederick por terem perdido aqueles anos todos, mas não sabemos como as coisas correm, e se se tivessem juntado na altura a sua vida podia ser bem diferente. Ele ganhou a ambição de se elevar socialmente para mostrar aos que o tinham rejeitado que estavam errados, e ela revelou-se uma mulher sensata, apesar de, ou talvez por causa do sofrimento e arrependimento da sua decisão. Acima de tudo, Reencontro com o Amor concorda com o original e faz o argumento que a separação temporal pode ser boa para as partes envolvidas.

Título original: The One That Got Away (2016)

Páginas: 320

Editora: Topseller (20|20)

Tradução: Fernanda Semedo

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