terça-feira, 10 de maio de 2016

Flawed, Cecelia Ahern


Opinião: Hmmm. Eu sei quem é a Cecelia Ahern - como podia ignorá-lo, se tem pelo menos uma dezena de livros publicados cá -, mas nunca li nada dela, porque escreve num género que não me atrai muito.

Acho que por isso foi uma surpresa descobrir que ela se tinha aventurado a escrever um livro na faixa etária de YA, ainda mais a escrever uma distopia. Uma coisa tão diferente do que costuma ser a zona de conforto dela, é claro que eu havia de estar curiosa, se bem que não fazia propriamente planos de adquirir o livro. Devo o ele ter-me vindo parar às mãos ao Owlcrate, que me colocou a ler coisas que possivelmente nunca leria.

Tinha a sensação, por alguma má interpretação minha da sinopse, suponho, que a premissa de os personagens serem considerados Flawed neste mundo tinha mais a ver com imperfeições físicas. E não é nada disso. Num mundo que caiu no caos devido a passadas más decisões dos seus líderes, Flawed são aqueles que se comportam de algum modo errado no campo moral e/ou ético, não contribuindo para a sociedade e o seu desenvolvimento.

Podem ser más decisões, ou mentir, afastamento de algum modo, ou deslealdade para com a sociedade, ou ainda subtrair-lhe algo, ainda que abstracto. As razões são muitas para alguém ser considerado Flawed, e muito subjectivas; contudo, o que é certo é que alguém Flawed é a modos que ostracizado da sociedade, vivendo um conjunto diferente e mais rígido de regras.

Premissa intrigante. Possivelmente nada de novo, algo derivativa, mas achei interessantíssimo o que a autora fez com ela. Quase qualquer acção, se colocada na luz certa, poderia pôr alguém em sarilhos. O argumento que isto faz acerca de uma certa cultura de envergonhamento é fascinante.

A protagonista, Celestine North, é uma jovem lógica, que vê as coisas a preto e branco, e com uma confiança firme no sistema e no modo como funciona. Nada a persuadiria a desviar-se do seu caminho. No entanto, ao ver uma injustiça envolvendo um Flawed, não consegue deixar de intervir, o que a coloca em muito maus lençóis.

O que me cativou - e ainda foi muita coisa - acerca da posição da Celestine neste mundo a partir desta sua acção... um, o modo como muda a sua visão do mundo; ela deixa lentamente a sua visão a preto e branco e compreende o que está errado na sua sociedade.

Dois, o modo como a Celestine e as suas acções são interpretadas por todos. Ela acaba por se tornar um objecto de propaganda para ambas as facções, os defensores do status quo, e aqueles que querem uma mudança. A Celestine vê-se sem voz durante boa parte do processo, e lembra-me em parte a Katniss no Mockingjay, nas mãos de duas facções opostas e de mãos atadas quanto ao que podia fazer.

Três, gostei do percurso e evolução da protagonista ao longo da história. Ela não é propriamente fácil de gostar; agarra-se demasiado às convenções da sua sociedade, mesmo quando elas lhe falham; e o seu pensamento a preto e branco, a sua ingenuidade, o seu conservadorismo dificultam-lhe o caminho a todo o momento. Ela não deseja mudar o seu mundo, apesar de se ver nessa posição. E titubeia muito, vacila, precisamente por essa razão.

Contudo, aprende, aos bocadinhos, e vai evoluindo lentamente. Acho que é mais interessante de acompanhar por causa disso. Uma protagonista que não seja gostável não é sinónimo de mal caracterizada; na verdade, acho que a autora faz um óptimo trabalho a descrevê-la, tem o cuidado de não a destruir a nossos olhos. A maneira como ela funciona, como pensa, faz perfeitamente sentido.

O problema principal com o livro que eu poderia apontar são erros que eu atribuiria a possíveis ideias pré-concebidas acerca do que o género e a faixa etária são ou não são; há um desenvolvimento que me fez revirar os olhinhos - a Celestine passa algum tempo, quando detida, no mesmo espaço que outra pessoa à espera de ser "julgada". Um rapaz, com o qual não troca quaisquer palavras, apesar de partilharem o mesmo destino e preocupações com o que os espera.

É claro que a Celestine procede a obcecar com ele a cada momento que tem livre, e eu procedi a revirar os olhinhos com tal, porque minha mãezinha, eles nunca falaram! Ughhh tenham lá paciência, ligações profundas só com olhares, não tínhamos já ultrapassado essas cenas no Young Adult? E no entanto, vem um autor inexperiente qualquer sujeitar-nos ao mesmo, porque acha que é moda e esquece-se que é apenas parvo. Podemos matar este cliché, por favor? Duma vez por todas? Com fogo, veneno e afogamento?

Gostava de destacar ainda pequenas coisas do worldbuilding que me agradaram: o horror que é ser marcado como Flawed, que é arrepiante de ver, especialmente no caso da Celestine; isto passa-se, creio eu, no território das Ilhas Britânicas, que é uma mudança bem-vinda de cenário; e a protagonista é negra, o que é refrescante porque ainda há demasiada falta de diversidade étnica na literatura contemporânea.

Mais pequenos defeitos: há uma certa falta de detalhes em certos pontos do worldbuilding - adoraria saber mais sobre certos pormenores; e o final, que é demasiado aberto, no sentido em que não tem um clímax definido, parece apenas que a história termina a meio, não há sensação de fecho (presente mesmo na maior parte dos cliffhangers) - precisava de um melhor trabalho nesse aspecto.

De qualquer modo, o livro revelou-se uma boa surpresa, cativou-me e deixou-me interessada, e com vontade de saber mais sobre este mundo e sobre a sua história futura. Imagino que vou querer saber como continua.

Páginas: 336

Editora: Feiwel & Friends (MacMillan)

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