terça-feira, 3 de maio de 2016

The Serpent King, Jeff Zentner


Opinião: Nem sei bem como comentar este livro. Havia um burburinho tão grande em torno dele, e as pessoas andavam todas loucas, e isso normalmente assusta-me um bocadinho. Além disso, acabei a ler algumas opiniões de bloggers que sigo e com que normalmente me identifico. Uns adoraram; outros, nem por isso. Aliás, as coisas que destacavam na sua opinião fizeram-me pensar que podia vir a não gostar também.

Além disso, havia a questão de o livro vir numa caixa do Owlcrate, e isso dá um pouco mais de pressão para gostar dos livros, ou uma pessoa sente que está a deitar o dinheiro à rua.

Bem, suponho que no fim isso tudo não interessa nada. Sim, eu acabei por gostar, e sim, é assim tão impressionante para um primeiro livro. Pronto, está bem, por vezes o burburinho até tem razão. Concedo isso relutantemente.

Ok, o que precisamos de saber sobre o livro é que o autor escreve lindamente e atmosfericamente sobre o Sul dos Estados Unidos. Fala do que é viver numa cidadezinha pequena, cheia de mentes tacanhas, e dominada pela religião como só o Sul, parece, é dominado pela sua relação com a religião.

E ele escreve sobre isso com respeito. Um dos conflitos principais do Dill, um dos protagonistas, é ter um pai pastor - e esta parte seguinte é um bocado difícil de explicar, porque só nos EUA é que este tipo de coisa havia de fazer sentido -, de um ramo/movimento protestante que manuseia cobras na eucaristia como forma de experiência religiosa.

Pronto, o que eu quero dizer mesmo é que o autor lida com isso com respeito. Seria demasiado fácil gozar com esta premissa, mas o foco aqui é a questão da fé, e a difícil relação que o Dill tem com os pais e com as suas acções. O tipo muito particular de religião é apenas a base para isto, e até é fascinante acompanhar este aspecto.

A caracterização dos protagonistas é tão cativante. É um grupo de três amigos que se prepara para começar o seu último ano no secundário; uns vão partir e libertar-se desta cidade tacanha, outros não, e isso é o conflito principal entre eles.

Adorei a Lydia, tão sarcástica e pronta a zarpar dali para fora; ela é a melhor ajustada dos três, porque tem pais que a amam e querem o melhor para ela. Achei tão interessante que ela tivesse um blog de moda e lifestyle, e que se estivesse a tornar numa pequena celebridade online. É uma maneira curiosa de contrapor o feitio cosmopolita da Lydia ao ambiente de cidade pequena, e até faz muito sentido com o ambiente online de hoje em dia.

O Travis, bem, o Travis é adorável. O ambiente familiar é complicado porque o irmão dele morreu na guerra, e o pai tem um feitio violento; mas o Travis lida com isso refugiando-se na leitura, usando os livros duma série de fantasia tipo A Song of Ice and Fire, do George R.R. Martin. Leva um bastão para todos os lados por causa dos livros, e o seu optimismo inabalável fã-lo aceitar que ficará na sua cidade. Aquilo que lhe acontece no livro parte-me o coração.

O Dill, bem, é complicado. Carrega às costas a ideia de não ser merecedor, algo relacionado com a sua fé, mas também com a situação familiar. Que é muito complicada. Os actos do pai tornaram-no num pária. Convenceu-se que nunca sairá de Forrestville, o que o faz ressentir-se com a Lydia e a sua aparente excitação para sair da cidade. É bastante talentoso a escrever música e tocar guitarra, mas a sua situação é tão sufocante que não consegue ver isso.

Há uma coisa que lhe dá alguma esperança a meio do livro, mas depois uma tragédia acontece, e tiram-lhe o tapete de debaixo dos pés, e bem, o poço de desespero em que cai... proverbial gota que fez o copo transbordar. A descrição destes momentos é impressionante, foi tão aflitiva de seguir... mas é o próprio Dill que tem de sair sozinho do "local" onde está.

Acho que só posso dizer que fiquei satisfeita com as decisões dele, e de onde isso o leva e levará. Porque a história termina em aberto, bastante em aberto, mas com a sensação que coisas grandes esperam estes miúdos. É um bom sentimento para se ter, à beira de ir para a universidade e mudar de vida.

Por fim, destaque para a escrita, porque é mesmo atmosférica e bonita, prestando-se a criar lindamente o cenário e fazer uma boa caracterização. É claro que o livro não é perfeito, dá em partes alguma sensação de ser um primeiro livro, mas nada incómodo, e não gosto menos dele por isso.

Páginas: 384

Editora: Tundra Books (Penguin Random House)

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