domingo, 28 de dezembro de 2014

Era uma vez...: Lady Thief, A.C. Gaughen


Opinião: E lá estou eu a voltar a usar esta rubrica para recapturar um livro que li há algum tempo, mas que não cheguei a opinar. Podia ter deixado esta opinião para trás por muitas razões, mas no caso deste Lady Thief, foi por ser demasiado fabuloso e emocionante e lindo. Não estou a exagerar. Na altura em que o li fiquei sem palavras, e foi uma altura complicada, por isso temi que se as arranjasse, não lhe fariam justiça. Contudo, não podia deixar terminar o ano sem o opinar, por isso aqui vai. (Não que ache que as minhas palavras se tenham tornado mais adequadas entretanto.)

Depois do final repleto de problemas e drama que teve Scarlet, Lady Thief coloca os nossos protagonistas numa posição difícil. Robin está num mau lugar, mentalmente, sem esperança, e isso complica as relações interpessoais entre os integrantes do bando, mas particularmente a ligação que a Scarlet e ele têm. Tenho muito orgulho que ela o defenda e o tente proteger, mas também que se afaste e aceite que não pode fazer nada, e evite magoar-se mais no que é uma situação bastante complicada.

Devido às circunstâncias do final do livro anterior, Scarlet aceita então uma nova posição, posição essa que a vai atirar para o meio da corte inglesa da altura. O Príncipe John vem escolher um novo xerife, com uma competição para ver quem é o melhor, e é esperado que a Scarlet se "comporte". Mas estamos a falar da Scarlet, não é? Demasiado indomável para fazer o que realmente se espera dela.

Acho que esta questão da introdução da corte acaba por ser tornar fascinante. Quero dizer, a Scarlet já fez parte deste mundo, e afastou-se deliberadamente, e sente que não pertence nele, porque é demasiado directa e insubmissa e tem falta de paciência para salamaleques. E é um mundo traiçoeiro, e ameaça engoli-la viva e cuspir só os seus ossinhos. Contudo, como o Much (grande Much) lhe faz ver, ela tem uma posição aqui. E uma que pode usar para os seus objectivos, para ajudar aqueles que não se podem defender.

Continuo a achar a Scarlet uma protagonista fabulosa, dura e difícil, corajosa e feroz, decidida a fazer o que é preciso, mas recusando-se conforto, achando que por carregar uma sombra, espelho das tragédias do passado, não é merecedora de mais. E a relação dela com o Robin é a coisa mais adorável de sempre, porque ele também é um pouco assim, e é essa humildade que os vai levar a fazer coisas grandiosas, tenho a certeza. Além disso, são fantásticos juntos, têm uma ligação forte e profunda e de iguais, o que era sem dúvida algo raro nestes tempos.

Gosto tanto dos rapazes do bando, particularmente o Much, um miúdo espectacular, praticamente o melhor amigo da Scarlet, que muito a apoia, mas pragmático, e sem problemas em chamar-lhe a atenção para a verdade quando está a ser tola. Discreto e cheio de bom senso, e quero muitas coisas boas para ele.

Quanto ao John, parte-se-me o coração. Não gosto totalmente da personalidade dele, mas acaba por ser boa pessoa, leal, cheio de sonhos, querendo apenas os prazeres simples da vida. E nem sempre se pode ter tudo. No fim de contas, custou-me ver uma certa coisa que lhe acontece, porque não o merece, de todo.

Dentro do elenco secundário, quero destacar três pessoas. O Allan a Dale, que é agora introduzido, e já é o maior defensor da Scarlet, leal à sua lenda e com vontade de a ajudar. O príncipe John, que faz jus à lenda, sendo um puto mimado, mesquinho e vingativo. E a rainha viúva Eleanor, que parece ser como a história a retrata, uma mulher formidável, esperta, defensora dos seus, capaz de usar as capacidades que tem à mão para navegar as complexas águas da sua vida.

Vemos em detalhe, na história, como a rainha é capaz de guardar os seus segredos, e como tenta gerir o filho execrável que tem, defendendo que ele tem a faísca para ser grande. Gosto bastante dela, e da relação que acaba por ter com a Scarlet, porque acho que elas reconhecem que têm algumas coisas em comum. A Scarlet reconhece nela uma mulher que tenta fazer o melhor que pode, numa época que não era generosa para as mulheres, e há um certo feminismo nisso, algo que me agrada.

A lenda do Robin Hood acaba por ser mais um pouco explorada, com a situação do concurso de habilidades (particularmente o arco), e é uma questão cativante, que põe todo o peso nos ombros dele e da Scarlet, pois tanto depende da vitória.

Esta situação, combinada com algumas certas revelações finais, é motor para a mudança do status quo, mas preocupa-me, porque nem tudo é bom, e quando parece que a Scarlet e o Robin vão poder ficar finalmente juntos, raios, acontece alguma coisa para borrar a pintura. A autora é exímia nisso, que tortura.

E não me parece que eu vá ter descanso no terceiro livro. Falta retratar alguns pontos da lenda do Robin Hood, pontos esses a que eu acho que a autora não vai resistir, e que vão contribuir para fazer sofrer ainda mais um bocadinho os pobres do Robin, da Scarlet, e até de mim.

Bem, acho que a melhor prova que o livro é fantástico, e que eu amo esta série, é que eu escrevi isto tudo de cabeça e nem precisei de rever o livro, mesmo após uns 10 meses - tudo o que queria dizer estava já cimentado, só precisava de deitar cá para fora. (Não resisti a voltar a virar as páginas, mas isso é porque estava com saudades.) Se faz jus ao livro, não sei, mas espero que sim, que a magnífica Scarlet merece muito.

Páginas: 320

Editora: Walker (Bloomsbury)

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