Opinião: Creio que ouvi falar pela primeira vez deste livro há uns 11 meses, o que é um looooongo período de tempo para se suspirar esperar por um livro, em particular um que não é uma sequela ou um livro de um autor que sigo avidamente. O que quer dizer que peguei nesta leitura com alguma cautela, porque as expectativas são uma coisa horrível para mim, ainda para mais quando se andou a fazer castelos no ar durante tanto tempo.
Não precisava de me preocupar. O livro acabou por juntar uma série de coisas que me agradam para compor uma leitura fabulosa e que me agarrou de tal forma que parecia uma tonta a virar páginas o mais depressa que podia, mesmo quando suspeitava que logo a seguir a autora se preparava para me partir o coração em milhares de bocadinhos.
A história passa-se num mundo em que um povo guerreiro e militarista, os Valorians, tem vindo a conquistar aos poucos os territórios e povos vizinhos, um dos quais foram os Herrani, um povo pouco dado à arte da guerra mas muito à arte e cultura. Neste cenário, Kestrel, a protagonista, é a filha adolescente do general que conseguiu a proeza de conquistar o território Herrani, e que vive entre a sociedade Valorian que veio viver para a capital Herrani, tomando como casa as anteriores habitações Herrani, enquanto que o povo Herrani que sobreviveu à guerra é agora escravo dos conquistadores.
É uma situação complexa, a apresentada, e a autora faz-lhe jus mostrando as nuances de ambos os lados, de quem pertence ao povo conquistador e ao povo conquistado, na pessoa dos dois personagens principais, a Kestrel e o Arin. Num impulso, a Kestrel faz o lance vencedor num leilão de escravos em que a "propriedade" em leilão é o Arin, e isto cria entre os dois uma relação muito interessante, com um equilíbrio de poderes fascinante.
Como protagonista, a Kestrel é um pouco diferente do que seria de esperar. Calma e observadora, não quer aceitar que a sua sociedade só lhe ofereça duas opções de futuro: casar ou entrar na vida militar. A sua mente táctica augura-lhe uma carreira militar brilhante, mas Kestrel não é grande lutadora e não tem prazer na arte da guerra. Mas também não se quer resignar a casar apenas porque é a outra opção que tem. Ama a música e tocar piano, mas uma sociedade guerreira como a dos Valorians despreza as artes, por estarem associadas ao povo conquistado e seu escravo, os Herrani. Então Kestrel mantém-se neste limbo, sem saber o que decidir, sabendo que há muita coisa errada no seu mundo mas acomodando-se à situação, sem tomar uma acção.
O Arin viveu a invasão Valorian do seu país há 10 anos, e a sua entrada na casa do general Trajan como escravo tem mais que se lhe diga. Cheio de segredos, este rapaz acaba por cativar e ser cativado pela Kestrel, pois as suas personalidades são tão diferentes que chocam, mas também se complementam. Como escravo, o Arin faz um péssimo trabalho, pois dá demasiado nas vistas, é pouco discreto e faz uma série de coisas que lhe ganhariam espancamentos, ou pior, se fosse propriedade de outrém. Contudo, a Kestrel é empática e tolerante, o que o pode fazer parecer fraca, mas leva a que trate as pessoas que trabalham para ela melhor que os seus compatriotas.
Esta inversão do equilíbrio escravo-senhor permite que ambos que se conheçam melhor, e é o que torna tão fascinante ver a relação entre ambos desenvolverem-se. É lenta, é tortuosa, é deliciosa, e é tão divertido ver como duas pessoas relativamente inteligentes fazem um monte de asneiras no que toca um ao outro. Quando dão por isso, já estão tão envolvidos nos sentimentos que cresceram que é impossível ignorá-los. E uma parte fabulosa desta relação é que está tão intrincadamente relacionada com o conflito cultural, social e racial entre Valorians e Herranis que dei por mim a torcer que desse certo, mesmo sabendo aquilo que os separa, pois poderia simbolizar também que de alguma maneira ambos os povos poderiam vir a conviver da outra maneira que não esta da escravidão.
E depois vem uma reviravolta que inverte tudo, mudando o equilíbrio de poderes entre os dois, e de repente a Kestrel vê-se na posição mais frágil, enquanto acaba por ser ela a ter o poder na relação - ela a modos que faz do Arin o que quer, tendo em conta que ele tenta balançar a nova posição que tem com os sentimentos que nutre por ela. Esta nova situação é ainda mais dolorosa, de certo modo, porque traz lutas, e morte, e outros tipos de injustiças, mas continuando a pôr os dois protagonistas em campos opostos.
Desta vez a Kestrel passa também algum tempo a ponderar a sua entrada em acção, mas por razões diferentes. Quer manter-se leal ao seu povo, os Valorians, e aos valores a que foi exposta toda a vida... mas os sentimentos por Arin dividem-na. E entretanto ela vai planeando e esperando a sua oportunidade, mas aquilo que a faz agir é o receio de se deixar envolver demais, ao ponto de não conseguir partir - e ela ainda é leal ao seu povo, o suficiente para não suportar a inactividade.
É claro que isto gera uma série de cenas, uma após outra, que parecem ter sido escritas com o expresso propósito de me partir o coração. Porque apesar de todas as suas responsabilidades, a Kestrel e o Arin são leais um ao outro e aos sentimentos que os unem. Sou capaz de ter morrido um bocadinho ao ver o Arin sofrer com a possibilidade de nunca mais a ver, e ao ver a Kestrel dar os passos que deu para finalmente mudar as coisas e indirectamente proteger o Arin. E ele nem sabe exactamente o que ela fez! É o pior de tudo... fazendo da cena final a coisa mais tortuosa e horrível e que me deixou a suspirar pelo próximo livro. Eu não mereço, mesmo, este constante esperar e suspirar durante um ano pelo próximo livro da série, com tudo o que leio. Ainda tinha que o ter replicado com um livro e série novos...
Outros pontos a destacar: o worldbuilding é leve, mas o suficiente para posicionar a narrativa. e alimentar a minha imaginação. Li algures que a autora se inspirou na Grécia dominada pelo Império Romano para criar este seu mundo, e consigo ver essas influencias. Consegue ser uma fantasia épica/histórica de inspiração não medieval, o que é refrescante. Também adorei a maneira como ela usou o conceito de Winner's Curse, a expressão do título que também é um termo de economia... que neste caso simboliza a vitória da Kestrel no leilão, em que o bem adquirido (o Arin), se revela valer mais e menos, ao mesmo tempo, do que o lance vencedor.. o termo ainda é usado mais no fim, e de certo modo acaba por permear toda a narrativa.
Os personagens secundários formam um elenco engraçado, com a Jess no papel de amiga de serviço, e o Ronan como o irmão-da-amiga-que-tem-uma-paixoneta-pela-protagonista. São o lado visível dos aristocratas Valorian, que não se esgota aqui. Diverti-me com o papel da Lady Faris e com a vitória que a Kestrel engendrou sobre o Lord Irex. Entre os Herrani, destaque para a Enai, a ama da Kestrel, que levanta a pergunta sobre se é possível uma relação profunda de mãe-filha entre escravo e mestre, e o Cheat, com um papel importante entre os Herrani, mas que pela sua personalidade foi um personagem que não me agradou.
Em suma, é um livro bonito, tão bonito (e nem sequer estou a falar da capa), com uma escrita deliciosa e uma história romântica que permeia o enredo mas que está bem ancorada no conflito entre dois povos. A narrativa é muito emocional, mas presta-se a uma leitora voraz e dramática, que me cativou completamente, me deixou a suspirar e me partiu o coração.
Páginas: 368
Editora: Farrar Straus Giroux (Macmillan)
Gostaste mesmo deste. Eu também, embora ache que falte algo, só não sei o quê.
ResponderEliminarAquele final é que pronto... :s
Sim. :D Foi uma leitura tão gira. ^_^
EliminarGahhhhh que final horrendo, terrível, mesmo! Devia ser proibido escrever uma coisa daquelas. :P É que já consigo sentir o drama à distância de um ano... :/
Eu estou a fazer figas para aquele ser um daqueles finais que deixam uma pessoa a puxar os cabelos mas que depois resolvem-se com uma certa facilidade e rapidez, no próximo livro. Do tipo, a Kestrel já tem plano qualquer para se livrar daquele acordo com o imperador, e a gente é a que não sabe. Porque afinal ela é mais esperta do que aqueles homens no poder todos juntos, e já provou antes que consegue sempre uma maneira de levar a dela a avante. Mas também estou a ver o Arin a dar numa de cavaleiro andante e raptá-la, e estragar os planos. xD
EliminarAcho que acredito mais que a primeira venha a acontecer, a segunda nem tanto. Não vejo o Arin a dar uma de salvador para já... creio que ele ficou convicto que a Kestrel fez aquilo no fim por interesse pessoal, e quase que se podia ver o coração dele a partir. Vejo-o mais a ficar todo deprimido e a fazer ar de cachorrinho abandonado cada vez que a Kestrel vier fazer de intermediária. xD
EliminarJá ela, acredito que consiga manipular o pessoal na corte. Apesar de não ser uma lutadora, aquela miúda é uma sobrevivente. ^_^
Bem eu acho que só conheci este livro este ano, tu é que andas sempre muito à frentex de todos os lançamentos!
ResponderEliminarMas ainda bem que gostaste! o pior é agora esperar pelas continuações... :/
Acho que ouvi falar dele a primeira vez o ano passado na altura daquele evento que acontece em Nova Iorque, o BEA. Uns bloggers conseguiram um manuscrito super-exclusivo e andava tudo excitadíssimo com o livro. :) É difícil resistir a esse tipo de entusiasmo, se bem que deve ter sido horrível ler o livro tão cedo, basicamente têm de esperar o dobro do tempo para ler o segundo... o trauma! :O
EliminarCat preciso de um abraço e a culpa é tua ;_;
ResponderEliminarTambém eu precisava dum abraço quando o li e não tinha ninguém nessa altura! xD Ao menos tu tens-me a mim para compreender o trauma. :P
EliminarA partir de agora lemos os livros na mesma altura, tá bem?xD Nem que seja para me obrigares a ler loool Pois tenho, graças aos deuses porque senão não sei o que seria de mim...
EliminarÓptimo!!! Podemos sofrer em conjunto, e torturar-nos mutuamente. xD
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