domingo, 22 de dezembro de 2013

Fahrenheit 451, Ray Bradbury


Opinião: Em Fahrenheit 451, Ray Bradbury conta a história de um bombeiro que em ver de apagar fogos, os ateia. Pois Guy Montag vive num mundo em que é proibido ler livros, e os transgressores cedo verão as suas casas e bibliotecas a arder, em fogos postos pelos bombeiros.

É uma premissa bastante provocadora, e uma ideia muito interessante, que acaba por desembocar em dois aspectos. Um é o da censura, o da proibição de livros que aconteceu no passado, acontece no presente e acontecerá, acredito, no futuro. Onde quer que hajam livros, há alguém a sentir-se afrontado por estes, e quiçá a querer impedir os outros de os ler. Neste mundo, a censura é regulada por elementos particulares da sociedade, mas o mais curioso é que esta atitude deriva do crescente desinteresse da população em geral por livros.

O outro aspecto, e que é relacionado com esse desinteresse, é a emergência de formas de entretenimento e de tecnologia mais imediatas e mais "simples" que os livros. O crescente interesse da população pelo entretenimento fácil levou a uma simplificação dos livros... o que combinado com o conflito gerado em torno destes levou a que fossem banidos, pura e simplesmente, para manter a população feliz e sem conflito.

Tudo junto dá bastante pano para mangas reflexão. Podemos ver neste facilitismo e estupidificação das pessoas através do entretenimento um espelho da actualidade de hoje, com uma massificação dos meios de comunicação: TV, internet, e redes sociais... mas acho que o autor não é assim tão claro na sua crítica tendencialmente tecnófoba. Qual é, afinal, o problema principal, nesta questão? É a tecnologia (que pode fazer coisas maravilhosas, também), ou o uso que fazemos dela? Não há um exemplo de um personagem que conviva saudavelmente com a tecnologia, por isso suspeito que o autor se inclinava mais para a primeira, mas pessoalmente inclino-me mais para a segunda.

Tive alguma dificuldade com o estilo de escrita do autor. Depois do Philip K. Dick me parecer algo seco e pouco cativante, este autor vai na direcção oposta. Pareceu-me excessivo com tanta metáfora, tanto floreado, tantos rodriguinhos... tornou-se um bocadinho saturante, e pouco contribuiu para a fluidez da leitura. Às tantas eu dava por mim a pensar: "bolas, pára lá de engonhar, avança-me mas é com a história". E depois tinha de pousar o livro, para descansar de tanto palavreado. É uma escrita às vezes bonita, mas há que saber dosear as metáforas e os artifícios, e duvido que o autor o saiba fazer.

Achei o protagonista, Guy Montag, um bocado tolo na maneira como reage às coisas... mas é um personagem melhor caracterizado por isso. Apreciei a sua evolução ao longo da história, o modo como foi despertando para o valor dos livros, apesar de as suas tentativas de fazer algo para mudar o seu mundo fossem bastante ineptas. (O que conta é a intenção, certo?)

Quanto ao final, gostei bastante da metáfora da fénix (vá lá, uma metáfora que se salve). Achei o final bastante vago, mas o próprio livro assim o é, em muitos aspectos, por isso está coerente com o resto da história.

Fahrenheit 451 é, em parte, uma carta de amor à palavra escrita e ao livro. Nota-se o valor que o autor lhes dá naquilo que escreve; e apesar de todos os defeitos que lhe encontrei, achei esta uma história importante, e merecedora de uma oportunidade, pois tem alguns pontos de reflexão, e como leitora inveterada não posso deixar de ficar horrorizada com o futuro que pinta.

Título original: Fahrenheit 451 (1953)

Páginas: 200

Editora: Europa-América

Tradução: Teresa da Costa Pinto Pereira

1 comentário:

  1. Francamente eu acho que o livro já não se refere ao futuro, mas cada vez mais ao presente...Vivemos na era dos telemóveis inteligentes e das pessoas estúpidas, não sei onde li isto mas é bem verdade. E parece que cada vez menos sabemos comunicar e que estamos cada vez mais sozinhos...Acho que a história é um alerta, muito pertinente, para o lado negro das tecnologias e também um alerta contra o autoritarismo (aquele cão!). Por acaso não achei o personagens tolo, acho que ele está é confuso...Está em dissonância, como o Winston do 1984. Mas tem um melhor final, não achei vago. Em relação ás personagens gostei muito da Clara (acho que era clara...) que olhava para as flores...Mas concordo em relação à escrita. Também não gostei muito. Perversamente, parece que a proibição de certos livros, faz aumentar o interesse das pessoas por eles...

    cumps

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