sábado, 31 de dezembro de 2016

Este mês em leituras: Dezembro 2016

Este mês foi... interessante. Estava tão contente a pensar que tinha conseguido equilibrar as minhas leituras e posts aqui no blogue, mas depois fui de férias uma semana em Dezembro - na qual tencionava ler e postar como se não houvesse amanhã -, e passei cinco dias sem ler nada. Postar ainda menos. Não que esteja preocupada, foi bom descansar um pouco, mas foi definitivamente estranho para mim. Eu nunca fico tanto tempo sem ler nada.

Depois disso, vieram as festas, e bem, a loucura. É claro que não houve tempo para nada. Vamos ver se consigo recuperar em Janeiro, também tenciono fazer uns posts sobre as leituras em 2016... veremos. Tenho a sensação que estou a ser muito optimista. De qualquer modo, Bom Ano Novo a quem me esteja a ler. Espero que 2017 só traga coisas boas para todos nós.

Livros lidos


Opiniões no blogue


Os livros que marcaram o mês

  • Heartless, Marissa Meyer - caramba, só a Marissa para me fazer ficar tão investida em Wonderland... muito, muito bom, especialmente por descrever a queda de uma miúda doce e sua transformação em vilã, altamente recomendado;
  • Sandman, Neil Gaiman e muitos outros - ugh, esta colecção é simplesmente tão boa, apetece pegar nos livros e enfiá-los debaixo do nariz de toda a gente, adoro como o Gaiman pegou numa data de lendas e mitos e sei lá mais o quê, misturou tudo e fez um todo coerente e fascinante;
  • A Química, Stephenie Meyer - vou só pôr isto aqui, tinha as expectativas muito em baixa, por isso o facto de me ter divertido minimamente a ler já por si é memorável... quer dizer, o livro não é nada de extraordinário, e consigo apontar-lhe uns defeitos, mas fico contente por não ter de dar o dinheiro por perdido.

Outras coisas no blogue


Aquisições

Este mês portei-me extremamente bem. Comprei A Química e A Chave de Bronze com dinheiro em cartão, e por isso, não gastei nada com eles. Fora isso, adquiri os livros de banda desenhada das colecções da praxe, Sandman e Graphic Novels Marvel.

Tenho a acrescentar que não recebi nenhum livro pelo Natal, pedi às pessoas para me oferecerem coisas relacionadas com um outro hobby meu. Até é libertador. E pronto, pode ser que assim finalmente consiga vir a ter a lista TBR e a wishlist sob controlo. Ou não. Mas já é um começo.

A ler brevemente

Não tirei foto, não tenho uma lista definida. Há uns dias andava a ver para trás no blogue as coisas que li nos últimos seis anos e meio e dei-me conta que tenho uma boa quantidade de séries penduradas, seja porque não fiz na altura um esforço concertado para as acabar, seja porque as editoras portuguesas são uns trolls e decidem acabar séries a meio (ou pior, a um livro do final, que é totalmente morrer na praia).

Portanto, suponho que gostaria de vir a acabar essas séries. E dar atenção a alguns dos livros das rubricas "a ler brevemente" anteriores. Mas não vou fazer nenhuma lista concreta por agora, gosto da ideia de deixar o ano de 2017 em aberto e não me limitar. Sei que há também tantas coisas novas e boas à minha espera; e apesar de ter feito em 2016 um esforço concertado para comprar (em inglês) só autores e séries que já ando a seguir, 2017 tem um par de coisas novas logo no início que sei que me vão fazer correr para lhes pegar. Há uma em questão cuja capa me deixa particularmente obcecada.

Enfim. Só posso pedir de 2017 umas boas leituras. Ficarei muito satisfeita com isso.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Heartless, Marissa Meyer


Opinião: Dói-me o coração. Li este livro há um rol de tempo, no início do mês, e raios, ainda me dói o coração só de pensar nele. Depois das Lunar Chronicles confio na Marissa Meyer para praticamente tudo, mas estava bastante céptica com esta premissa - uma história de origem para a Rainha de Copas. Não é que a Marissa não saiba escrever do ponto de vista dum vilão - o livro Fairest é um bom exemplo de como fazer a coisa sem exagerar; mas não tenho propriamente uma ligação emocional com o livro que suscitou este recontar, e por isso achava que podia passar-me largamente ao lado.

Afinal, era escusada a preocupação. A Marissa é uma deusa dos retellings. Há esta coisa que ela faz em que pega em elementos reconhecíveis da história original, e que são parte da cultura popular no que toca à mesma, e embebe-os numa história muito sua, completamente única, e que ainda assim retém aquela familiaridade do conto. É algo fascinante de ver. E sobretudo, a história é pontuada pela sua escrita cuidadosa e pela maneira como desenvolve o enredo, tão cativante e devorável.

Heartless começa a história focado nos interesses simples da sua protagonista. Catherine vive em Hearts, um reino de Wonderland, e é filha de um marquês. Conta-se entre a nobreza do reino. No entanto, ela adora cozinhar, fazer bolos e coisas doces e deliciosas. Sonha em abrir uma padaria/pastelaria. Só que a sua posição social dificulta-lhe seguir o seu sonho, especialmente quando os pais têm aspirações a subir socialmente, e quando ela, sem querer, cativou o olhar do rei de Copas, ainda solteiro...

E aí está o conflito principal, a razão pela qual o livro me parte o coração: a situação da Catherine. Conforme a época em que o livro que inspira este foi publicado - a época Vitoriana -, a sociedade de Hearts é rígida em certos pontos, particularmente na intransigência das classes sociais, mas também na pouca liberdade que dava às mulheres.

A Catherine é prisioneira da sua posição social e das expectativas dos seus pais: ela deseja um rumo muito diferente para a sua vida, mas quando o rei quer cortejá-la, ela não consegue dizer que não, apesar do seu coração querer algo muito diferente. Foi uma parte desesperante do livro para mim: eu gostei muito da Catherine e da sua personalidade, mas matou-me ela não conseguir libertar-se, mandar toda a gente à fava e dizer não, cortar com o comboio descontrolado que teimava em levá-la para outro lado.

À medida que a situação escalava e se tornava pior, enterrando mais a rapariga em algo que ela não queria, mais aflita eu ficava. No fim de contas, não posso culpá-la por se enterrar no buraco, por não ser capaz de resistir; mas posso entristecer-me com ela não ter tentado o suficiente - senti que ela só começou a lutar pelo que queria, a mostrar garra, demasiado tarde -, e com o facto de os pais dela só terem pensado no que a faria feliz demasiado tarde (a cena final deles é de partir o coração; eles perguntam se ela será feliz, e ela responde que diferentes seriam as coisas se eles se tivessem preocupado com isso antes).

E é isso que me mata também. Pode-lhe faltar um bocadinho de coragem no início, mas a miúda tem bom fundo. É gentil, e encontra um certo prazer nas coisas simples, como um bolo bem feito. Ganha uma garra especial a certa altura, mostra que podia ser a monarca que uma certa profecia apresentava. Mesmo quando está zangada com aqueles de quem gosta é capaz de ir em seu socorro (algo que será a sua ruína, mostrando que de boas intenções está o inferno cheio). Quando ganha coragem para se libertar das expectativas, é incrível vê-la, sabemos que poderá fazer coisas grandes (ela é mesmo assustadora e impressionante no fim, quando está muito próxima da Rainha de Copas que conhecemos).

É isso que me mata, realmente. Eu gosto da rapariga, a Marissa escreveu a protagonista mais gostável de sempre, mesmo com as suas falhas não posso ficar zangada com ela, e ela está destinada a tornar-se numa vilã. Estou zangada contigo, Marissa. Sinto-me manipulada. Não podes simplesmente fazer-me gostar dum personagem, fazer-me desejar-lhe tudo de bom, e depois tirares-me o tapete debaixo dos pés e fazer com que corra tudo mal. E mostrar duma maneira linda e perfeita como uma miúda adorável e doce vira uma louca obcecada com cortar cabeças. Não pode ser. Eu ainda tenho um coração (eh) que não aprecia ser torturado desta maneira.

Passemos a coisas mais agradáveis. Vou tentar não pensar mais em como este livro me torturou durante a sua leitura. Ok, como disse ali em cima, não tenho grande ligação aos livros que inspiraram este. Li este ano os livros da Alice, mas aquilo foi demasiado nonsense/sem-lógica para a minha cabeça. Posso apreciá-los duma forma intelectual, compreendendo o seu propósito, mas fora isso, not my cup of tea.

Tendo dito isto, adoro a maneira como a autora adaptou o mundo. Há montes de referências ao original, pegando no worldbuilding, e expandindo-o e adaptando-o para contar esta história. Há referências ao reino de Copas/Hearts, mas também a Chess, o reino de onde as White Queen e Red Queen vêm. Há conceitos acerca do xadrez que têm a ver com alguns dos personagens. Há histórias de origem para outros personagens (como a Mock Turtle... e a Lebre de Março, o Chapeleiro).

Mantém-se o aspecto de nonsense e excentricidade que permeia o original, mas a Marissa organiza a sua história duma maneira muito mais lógica e que vai de encontro aos meus gostos. É perfeita, a maneira como o faz. Soube-me tão bem ler e reconhecer tanta coisa do original aqui reflectida, e ao mesmo tempo sentir-me em casa porque me identifico muito mais com a escrita da autora.

Ainda a destacar: os personagens. Boa caracterização, gosto de como a autora deu uma personalidade própria a toda a gente. Foi muito interessante conhecer o Chapeleiro dela, ou a Lebre ou o Coelho Branco (ou o rei de Copas, o tolo), mas também alguns dos personagens novos; as Sisters, o Raven, a Mary Ann, o Peter Peter... e claro, não podia deixar de mencionar o Jest.

É que ele é bastante crucial ao percurso da Catherine, por ser o motor da mudança do mundo dela e de como vê as coisas. Achei o início da história deles algo instalove, afinal ela sonha com ele antes de o conhecer e fica logo meio obcecada depois da primeira vez em que o vê. O que soa um bocadinho parvo. Mas enfim. Ao passarmos isso, como a história deles acaba por ser muito Romeu e Julieta, sempre carregada com tensão e com a perspectiva de tragédia, é muito fácil deixar-se enlevar por ela.

Quando as coisas correm mal - porque vá lá, é óbvio que esta não seria uma história de origem duma vilã se corressem bem -, bem... partiu-se-me o coração. Foi tão triste ver como tudo o que podia correr mal, correu mal e descambou tão depressa. A única coisa boa do fim foi ver a Catherine em modo "rainha de Copas louca". Arrepiante.

E pronto, o fim. Só tenho a acrescentar que era realmente uma cética, não acreditava que a Marissa pudesse fazer-me gostar tanto de Wonderland. Estou a modos que feliz por estar errada, porque não podia ter gostado mais da viagem. Acho que posso dizer que seguiria esta senhora a qualquer lado para onde ela vá. (O que é bom, já que vai haver uma banda desenhada passada no mundo das Lunar Chronicles publicada já no próximo mês...)

Páginas: 464

Editora: Feiwel & Friends (MacMillan)

sábado, 17 de dezembro de 2016

Uma imagem vale mil palavras: Fantastic Beasts and Where to Find Them (2016)

Queria tanto escrever esta opinião há tanto tempo, mas como tudo, tenho estado a engonhar. As coisas acerca das quais eu tenho mais para dizer são aquelas cuja opinião é mais difícil de começar. Bem, aqui vamos nós.

Foi tremendamente excitante ver os primeiros minutos do filme: primeiro, porque pegam na música inicial dos filmes do Harry Potter (apelando à nossa memória auditiva e emocional), e transformam-na em algo novo (bastante adequado); depois, adorei a montagem de uma série de artigos de jornal que enquadram os acontecimentos da época perfeitamente, dando uma ideia da sociedade mágica que vamos encontrar (adoraria ver aquilo em slow motion e podendo ler todos os detalhes, seria divertido).

Este filme é bastante diferente dos outros em muitas coisas. Não quer dizer que não vá eventualmente encaminhar-se para uma estrutura distante da que aqui vimos, e talvez mais proxima da dos outros; mas até que gostei da forma como foi enquadrado. De certo modo, é quase como o primeiro livro do Harry Potter. Uma forma de nos mostrar o worldbuilding, uma história simples mas não simplória com um mistério subjacente que se torna óbvio quando pensamos um pouco sobre isso, com uma série de pequenos detalhes e pormenores que serão explorados no futuro e prevêem coisas maiores e mais importantes/sérias/ligadas ao panorama geral.

Porque vista de fora, a premissa é realmente bastante simples: o Newt Scamander chega a Nova Iorque com um propósito específico (ou vários, depende do ponto de vista e das teorias que já correm), mete-se em sarilhos, algumas criaturas mágicas que transporta consigo fogem, ele (e outros que o rodeiam) tem de voltar a apanhá-los e resguardá-los - para segurança dos humanos mas também para segurança dos próprios "monstros".

Só que nunca é assim tão simples com a J.K. Rowling, é? Às vezes acho que a cabeça dela está a funcionar em meia dúzia de faixas diferentes e nós só estamos a ver no momento uma ou duas. Para uma pessoa que escreveu sobre um mundo que toda a gente que com ele cresceu quer habitar, ela é muito boa a escrever sobre os defeitos humanos, sobre como a sociedade tem os seus preconceitos e vícios, e como as figuras de autoridade não devem ser deificadas, porque são humanos e falíveis e propensos a cometer erros e a mostrar os seus defeitos.

Na série do Harry Potter, vimos, livro após livro, como o Ministério da Magia britânico era ineficaz a proteger os seus, a tomar decisões difíceis, a aceitar verdades complicadas de engolir. Neste filme, nesta versão do mundo mágico que se passa apenas algumas décadas antes, a sociedade mágica americana dos anos 20 é estranhamente um reflexo da sociedade No-Maj (humanos não-mágicos) em geral dessa época.

Sim, eles são mais progressivos em algumas coisas, não caem facilmente em certos preconceitos humanos. (Não há aparente segregação racial e as mulheres parecem ter mais liberdade.) Mas há igualmente uma segregação de pessoas (entre mágicos e No-Maj), e é uma sociedade igualmente rígida. A América da Lei Seca reflecte-se entre os mágicos como uma série de leis duras que controlam a actividade mágica: o uso de varinhas mais restrito, a proibição de criaturas mágicas em Nova Iorque (e pouco conhecimento acerca delas além de "serem perigosas"), a separação integral dos No-Maj, as penas mais severas para quem quebra a lei.

Acho ainda fascinante como mostram o comportamento dos mágicos americanos nesta época. São melhores a disfarçar-se entre os humanos, por terem de ser mais discretos, já que a roupa usada é bastante em linha com os trajes de época; o MACUSA (o equivalente do Ministério) parece-me portar-se em partes como uma espécie de FBI dos mágicos; e até a maneira como fazem magia parece um pouco diferente. Há a maneira como as Aparições são mostradas, o que pode simplesmente ser um detalhe estilístico escolhido pelos criadores do filme para tornar a coisa mais interessante.

Contudo, também podemos ver como um uso mais controlado de varinhas faz com que os mágicos americanos pareçam mais inclinados para fazer magia não-verbal quando é necessário, e ao mesmo tempo, quando é para fazer um feitiço em grande, eles fazem-no mesmo em grande. (Veja-se: o escudo que eles fazem à volta da estação de metro; ou a reconstrução de Nova Iorque no fim. Pobre Nova Iorque. Até a J.K. Rowling e cia. não resistiram a dar cabo da cidade.)

[Não que acredite que os adultos britânicos no Harry Potter não sejam capazes de fazer magia não-verbal ; calculo que todos os alunos em Hogwarts sejam treinados a fazê-lo, alguns com mais sucesso, outros com menos. Na série só vemos menos gente a fazê-lo porque com jovens a aprender os professores são obrigados a fazê-lo de forma verbal; e porque de qualquer modo o Harry e o Ron tinham menos queda para a coisa que a Hermione, e o trio acabou por em muitas coisas ter uma educação não convencional.]

Adiante. Já obcequei demasiado com esta parte, mas a sério, adorei a parte do worldbuilding aqui. E nem falei de metade. Gostei tanto de ver o edifício do MACUSA, ou de conhecer o speakeasy mágico a certa altura, e as criaturas que o povoam.

Gostava ainda de destacar o conceito de obscurial/obscurus que foi introduzido; é crucial a um dos pontos chave da narrativa, e desenvolvido duma maneira interessante; e também é uma explicação óbvia para o que aconteceu com a Ariana Dumbledore, agora que conhecemos este conceito. Até faria sentido tendo em conta a potencial importância do Grindelwald nesta pentalogia.

Também gostei de conhecer os "monstros" que o filme tinha preparado para nós; os efeitos especiais são fantásticos e criam uma fauna rica de animais mágicos, muitos dos quais já tínhamos visto mencionados no livrinho que dá o título a este filme. O niffler, por exemplo, é a coisa mais adorável de sempre e proporciona muitas das cenas divertidas do filme, devido à sua cleptomania.

Aliás, quaisquer dos seres que fogem da mala têm um bom tempo de antena e torna-se divertido descobri-los; mas também adorei ver a mala em si e a sua... capacidade. Extraordinária. À medida que o Jacob a ia percorrendo e se ia maravilhando com o que via, também o espectador podia fazer o mesmo. (Gostei muito do thunderbird, por exemplo.)

Focando-me no elenco de personagens, gosto muito da ideia de desta vez nos focarmos em adultos. É muito provavelmente uma escolha consciente; a audiência que cresceu com os livros é adulta agora, e pode identificar-se com protagonistas da mesma idade, gente nos seus vintes/trintas. De qualquer modo, é uma óptima escolha porque a perspectiva de jovens mágicos nos livros limitava um bocadinho no worldbuilding que podemos ver explorado; há uma série de aspectos da vida adulta mágica a que podemos ter acesso. A proficiência mágica é diferente, as preocupações também, e agrada-me isso.

A minha personagem favorita, no entanto, tem de ser a Queenie. É mesmo da J.K. Rowling criar uma personagem que passe despercebida, mas contenha multitudes nela. À primeira vista ela pode parecer apenas uma mulher bonita, sem muito que contribuir para o mundo - o trabalho dela no MACUSA é algo como uma secretária. Mas depois descobrimos que ela é uma Legilimens particularmente dotada.

E isso dá toda uma nova dimensão a ela. Sabemos que a leitura de pensamentos e ocultação dos mesmos são capacidades muito difíceis de adquirir, necessitando uma prática aturada... por isso, alguém que o faz sem suar? A) Muito impressionante. B) Devíamos todos ter medo dela. C) E agradecer que tal capacidade tenha caído no colo de alguém que é um doce de pessoa e nunca seria capaz de a usar para o mal. Credo, o que seriam os feiticeiros negros com uma bomba destas em mãos.

A única coisa menos agradável acerca da Queenie é o embaraço social provocado por responder aos pensamentos das pessoas como se estivessem a ter uma conversa em voz alta. Mas de certo modo, é preferível que seja honesta acerca de ler pensamentos, a personalidade dela não parece dada a artifícios. Oh, calculo que seja muito cuidadosa no MACUSA para não se revelar, mas deve ter lido algo no Newt e no Jacob que a fez confiar neles - e isso também é interessante: aquilo que ela descobre das pessoas com um pensamento.

E por fim, adoro que a primeira coisa que ela faz quando percebe que a irmã está em perigo é meter mãos à obra. Mata logo a imagem de "fêmea frágil, vápida e vaporosa" que a sua personalidade pode sugerir. E adoro que ela use essa imagem para eles se escapulirem do MACUSA de fininho.

Ok, tenho de falar do resto do pessoal. Gostei mesmo do Jacob, é tão refrescante ver um Muggle No-Maj que contacta com o mundo mágico e entra nele com maravilhamento e encanto. Gosto da sua personalidade bondosa e gosto que encare os desafios mágicos com uma mente aberta, apegando-se ao grupo e ajudando-os no que pode. É uma colaboração entre os dois lados da moeda maravilhosa.

A Tina é uma personagem mais resguardada, em contraste com a irmã. Tem um arco emocional relacionado com um conflito que começou antes do início do filme, e um conflito que não é o principal, aparentemente, mas depois se revela crucial na narrativa. Mas há tanto que não vemos na Tina, apenas vislumbramos. E é o género de coisa que gostava de ver explorada. Seria mais fácil vê-lo nos livros; não sei como farão nos filmes. Mas creio que definitivamente seria interessante explorar o tempo depois dela e a irmã ficarem orfãs, como terá ficado responsável por tudo, e como isso guiou a sua carreira profissional e as suas ambições. Sinto que há muito por minar aí.

A Tina é outra personagem que é fácil subestimar, pelo seu comportamento discreto e algo severo. Mas tenho a sensação que alguém ainda vai cometer esse erro e lixar-se. (Ela no fim do filme estava em combate com um certo personagem e as suas varinhas ligaram-se; pode ser pelo efeito cinemático, mas também pode ser por isso querer significar alguma coisa.)

Já o Newt... bem, tenho uma teoria acerca de que o actor (e toda a gente envolvida que o deixou fazer isso, porque não acredito que seja só dele, não num franchise gigantesco como este) estava a tentar representar o Newt como estando no espectro do autismo. Provavelmente no lado "altamente funcional", como a síndrome de Asperger. Mas tem alguns sinais. O não fazer contacto visual, ser bastante desajeitado no relacionamento social com outros (apesar de se ter treinado a compreender certas coisas nesta área, parece-me), o foco numa área muito específica de conhecimento ("monstros fantásticos")... podia ser. Não pretendo ser uma especialista na área, e ninguém do filme veio confirmar isso cá para fora, por isso, não é algo acerca do qual possa ter 100% de certeza.

Contudo, mesmo que o Newt seja simplesmente alguém desajeitado no trato com os outros, e bastante dedicado à sua área, ainda assim é refrescante. Não se vêem muitos protagonistas com o seu perfil. O tipo de protagonista gentil, um nadinha desastrado, mas bastante perceptivo (creio que o Newt percebeu, ou suspeitou, o que se passava com o vilão da história muito antes de toda a gente; tenho a sensação que a sua curiosidade foi suscitada na cena do interrogatório, pelo menos). É muito giro vê-lo interagir com os "monstros", porque é a única altura em que parece realmente aberto e sorridente; e de qualquer modo, é com os monstros que se permite libertar e fazer certas coisas sem embaraço (a captura do "rinoceronte"-cujo-nome-não-me-lembro é bastante divertida).

O último destaque seria para o Colin Farrell, ao qual eu nunca dei muito crédito, mas ele viveu o personagem dele tão a fundo que eu teria muita pena se eles não arranjassem maneira de o manter nos próximos filmes. Contrariamente, sou capaz de ter resmungado muito quando soube que o Johnny Depp ia passar a fazer parte dos filmes; começo a ficar algo enjoada da fronha dele, devido à necessidade patológica que Hollywood tem de o meter em tudo e mais alguma coisa, sempre a fazer o papel do esquisito. Estes filmes não eram uns em que eu precisasse de o ver. Bem, pelo menos a caracterização dele está interessante visualmente, porque é bastante diferente de como se costuma apresentar.

Por fim, depois de tanto fangirling - foi uma oportunidade de ouro, retornar a um mundo que tanto aprecio -, tenho também a dizer que a história em si, o filme, como narrativa não funciona inteiramente bem. Há algo no fluxo do enredo que me caiu menos bem. Fui ver o filme duas vezes, e ainda bem que fui. Houve certas sequências que não me pareceram muito claras, e beneficiei da segunda visualização. E preferia muito que se tivesse dedicado bem mais tempo a caracterizar os personagens, a fazer-nos preocupar com eles e compreender como "funcionam".

Acho que aqui posso culpar em parte a edição e montagem final do filme, mas também o argumento - é interessante que a Jo seja a responsável única pelo mesmo, garante-nos que aquilo que está na história é da cabeça dela, mas tenho a sensação que o argumento podia ter sido escrito em co-autoria com alguém com mais prática na coisa, que pudesse guiar o texto para ser algo mais cinemático. A linguagem que funciona em livros não funciona necessariamente em filmes. Gostaria no entanto de ler o argumento, que foi publicado recentemente, para tirar as minhas dúvidas sobre o mesmo.

Ah, e por fim, finalmente... Estou muito animada para o próximo volume. Pergunto-me se manterão os protagonistas, porque aquilo que sabemos do segundo filme parece sugerir uma mudança de foco; mas como não se sabe muito, também não se pode tirar grandes conclusões da coisa. É esperar para ver.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Every Move, Ellie Marney


Opinião: Estou a sentir-me torturada. Eu não queria ler isto. Porque é que me meti a fazê-lo? Agora já não tenho mais livros da Ellie para ler e a culpa é toda minha! Eu tinha de saber o que se ia passar, não tinha? Não podia esperar, pois não? Pois bem, agora tenho de lidar com a dura realidade, e torcer para que o tempo esteja a meu favor e a Ellie esteja prestes a publicar mais qualquer coisa. Mesmo que seja uma nova série, não quero saber. Só preciso de alimentar o vício.

... e agora fui ao blog dela e está na fase de escrever o próximo livro. O que quer dizer que devo estar a um ano de tê-lo nas mãos. Porque é que eu me continuo a torturar desta maneira???

Enfim. Custa-me dizer adeus, custa-me não ter mais nada desta senhora nas mãos, mas já era tempo. Passou mais de um ano desde que li o último livro, o segundo da série; e sem previsão de vir a ter o terceiro nas edições que tinha, as americanas, arrisquei-me a mandar vir a australiana. Irrita-me não ter tudo na mesma edição (os primeiros em hardcover e este em paperback), mas irritar-me-ia mais estar refém da editora americana para terminar a trilogia.

Pois bem, os acontecimentos do segundo livro deixaram a sua marca, como era de prever. A Rachel, a narradora, passou um mau bocado, e ainda está a tentar lidar com isso. Psicologicamente, mas também na relação que tem com os que a rodeiam e que ama. Os pesadelos abundam, a relação com a mãe está mais tensa que nunca, e tem-se mantido afastada do James.

Entra o Mike, o irmão mais velho, que a leva numa viagem improvisada à quinta que tinham no interior australiano, para refrescarem as ideias. Errrr... na verdade o Mike tinha um motivo oculto para voltarem, que era ajudar um amigo que estava a passar um mau bocado, e facilitar-lhe a mudança para Melbourne com eles.

Entra em cena esse novo personagem, e é engraçado ver a evolução dele. O Harris é apresentado duma maneira na sinopse, e os nossos cérebros já estão tão habituados a que isso signifique "triângulo amoroso", que nem passa pela cabeça que a coisa não seja nada assim. Quero dizer, o Harris tem pinta de ser jeitoso, e até pode ter uma queda pela Rachel, mas aqui o importante é como ela se sente.

E ela pode estar a passar por muito, e o Harris até está ali a jeito para a fazer compreender algumas coisas acerca da situação por que passou - o rapaz até tem alguma profundidade, e mais experiência com uma vida difícil do que se pensaria -, mas é muito mais divertido e realista vê-la considerar a relação que tem com o James.

Ela chega a pensar que devia terminar tudo, que "estar quebrada" significa que lhe vai ter de pedir para desistir de coisas que ele não quereria desistir, mas depois o rapaz aparece-lhe à frente depois de algum tempo sem se verem, e é adorável, ela toda derretida, só faltou ver-lhe olhinhos em forma de coração como nos desenhos animados. (E essa cena é tão gira pelos sarilhos em que eles se metem.)

É isto que eu louvei nos livros anteriores, que a Ellie seja capaz de escrever adolescentes realistas, maduros mas não adultos, gente com emoções credíveis e com as quais nos podemos relacionar. Não há drama excessivo, só a realidade da vida.

Além disso, gosto muito de como ela escreve as emoções dos personagens; é incrivelmente cativante e absorvente. Adorei ver a evolução do James com a tia, para algo que finalmente se parece com serem uma família; e a evolução da relação da Rachel com a mãe, que finalmente está a melhorar; e na verdade, as cenas à volta duma carta muito especial que o James recebe, porque ele precisava de receber aquilo e deixar-se sentir tudo aquilo. (E o fim da cena? Com ele a receber uma mensagem curta e inesperada da mãe a elogiá-lo? Adorável.)

Acho que não é preciso dizer que adorei ver a Rachel e o James juntos, porque eles são tão fofos e adorável um com o outro, e têm uma química fantástica, e fazem uma óptima equipa...

É claro que por muito que a Rachel preferisse não se envolver com a investigação em curso, a investigação não concorda com ela, e o inimigo que fizeram com as suas acções em Londres não os vai deixar escapar assim tão facilmente... o perigo espreita, mesmo não sabendo eles de início o que fizeram e o que o inimigo pretende.

Acho que o único defeito que posso pôr neste livro é ser curto. Saber-me a pouco. Queria ter mais tempo com estes personagens. Dá a sensação que o enredo não está tão desenvolvido como os outros, mas isso é uma falsa ideia, deriva apenas de os personagens não serem tão activos na procura do mistério, porque neste caso o mistério vem ter com eles. Mas parece que acontece tudo tão depressa. De repente estamos no fim, e pumba! acabou.

A parte final... bem, estou um pouco zangada com os meus meninos, e com o Harris também, que eu gostei dele mas não o suficiente para achar piada a que apoiasse tanto o plano. Porque é que eles haviam de se meter num buraco tão grande??? (Quase literalmente. Eh.) Quero dizer, compreendo porque acharam que era a sua melhor hipótese, mas preferia que tivessem tido ajuda. Só a Ellie para me torturar tanto.

Oh, céus. Agora estava a pensar naquilo que disse há pouco sobre o James e a Rachel serem uma boa equipa. Eles no futuro vão estudar para ser um investigador forense e uma médica, certo? Portanto, está-me a ser tão fácil visualizar uma daquelas séries tipo thriller que estão agora tão na moda publicar em Portugal; consigo totalmente ver alguém a escrever uma série do género a relatar as aventuras e mistérios deles enquanto adultos. Por favor, alguém que o faça acontecer. Eu preciso disso.

Ahhh terminou, acabou mesmo. Mal posso acreditar. Posso voltar ao início?

Páginas: 352

Editora: Allen & Unwin

domingo, 11 de dezembro de 2016

Curtas BD: Sandman. volumes 5 a 8

Sandman v.5: Um Jogo de Ti, Neil Gaiman, Shaun McManus, Colleen Doran, Bryan Talbot, George Pratt, Stan Woch, Dick Giordano
Sandman v.6: Fábulas e Reflexões, Neil Gaiman, Bryan Talbot, Stan Woch, P. Craig Russell, Shaun McManus, John Watkiss, Jill Thompson, Duncan Eagleson, Kent Williams
Sandman v.7: Vidas Breves, Neil Gaiman, Jill Thompson, Vince Locke
Sandman v.8: A Estalagem no Fim do Mundo, Neil Gaiman, Michael Allred, Gary Amaro, Mark Buckingham, Dick Giordano, Tony Harris, Steve Leialoha, Vince Locke, Shea Anton Pensa, Alec Stevens, Bryan Talbot, John Watkiss, Michael Zulli

Ahhhh e as histórias recheadas de referências e cruzamentos entre pontos deste mundo riquíssimo continuam... a sério, é uma delícia encontrá-las. Ver personagens reaparecer, comentários de passagem explicados, momentos mencionados revisitados em flashbacks. Toda uma panóplia de coisas que faz parecer que estava tudo planeado desde o início. (Mesmo quando não estava.)

Os melhores autores fazem-no. Criam um mundo tão rico e vasto, e começam a criar ligações entre pontos afastados dele, e introduzem à-partes para ser explorados mais tarde. Faz tudo parecer uma tapeçaria gigante que o autor tece, partes diferentes em momentos diferentes. E o todo é fantasticamente coeso.

Além disso, as referências! De babar. O Neil Gaiman mete tanta coisa de mitos e lendas e dá-lhe a sua própria interpretação, e mais importante, estabelece uma ligação íntegra entre elas. Quem nunca tivesse ouvido falar delas acreditaria que isto pertencia tudo ao mundo do Sonho. E a cultura que é preciso para juntar isto tudo e fazer um todo coerente... impressionante.

O quinto volume, Um Jogo de Ti, segue uma personagem que tínhamos conhecido no segundo volume, a Barbie, já sem o seu Ken. (O Ken trocou-a pela... "Sindie". Eh.) Como nesse volume, este foca-se numa protagonista feminina e explora mais aspectos do mundo do Sonho e como ela se relaciona com eles.

E caramba, que história pesada. Fascinante, mas acontece tanta coisa... a relação da Barbara com o mundo do Sonho é bem diferente. Quando era criança habitava esse Mundo, e era princesa de um reino, a escolhida para o salvar. Barbara vai reencontrar-se com ele, mas as coisas não são bem como ela imagina, e um novo conceito do Sonho pode ser a maior ameaça de todas.

Achei fascinante a exploração desta história e dos conceitos que porta, mas também gostei muito das suas personagens. A Barbie, a Wanda (fico com pena de não a vermos mais), a Hazel e Foxglove, a Thessaly (que eu espero ainda vir a ver no futuro nestas histórias)... todas ocupam o seu lugar na narrativa, e curiosamente todas encarnam um aspecto diferente de feminilidade.

Fábulas e Reflexões, o sexto, é mais um volume de contos e histórias curtas que exploram várias facetas do mundo do Sonho. Medo de Cair sobre como um encontro com o Morpheus inspira alguém a sair da sua zona de conforto.

Três Setembros e um Janeiro dá dimensão a uma personagem pouco conhecida, o Imperador Norton dos EUA. Só mesmo o Neil Gaiman para dar um destaque tão giro e respeitoso a tal coisa. Adoro como incorpora a Desespero, e o Sonho, e Desejo, e até a Morte, obviamente, no seu percurso.

Termidor revisita a personagem da Johanna Constantine, que executa uma missão para o Morpheus na França do Reino do Terror de Robespierre. Again, quem é que se lembra destas coisas? Só o Gaiman para melhorar a nossa cultura geral. Gostei de ver a interacção da Johanna com Robespierre e com a França desses tempos, e achei interessante aquilo que lhe é pedido para fazer.

A Caçada: sob o formato de uma história dentro da história, conta com mais algumas aparições de habitantes do Sonho, e conta com uma pequena revelação no fim muito gira. Agosto: sobre o Imperador Augusto, os rumos que tomou (e que o Império Romano tomou), e como um dos Eternos influenciou o seu caminho. De novo, uma pequena parte da História é apresentada de forma tão fascinante que me dá vontade de ir pesquisar sobre ela.

Lugares Instáveis: Morpheus cruza-se com Marco Polo, enquanto este se vê perdido num deserto, no início das suas aventuras. A Canção de Orfeu: sobre o único filho de Morpheus, é o Orfeu da mitologia grega. A sua história decorre mais ou menos como conhecemos, mas com pequenas modificações, derivadas de pertencer à família dos Eternos. Muito interessante, pela relação complicada entre pai e filho. E por ser a base para o que se vai desenrolar no futuro.

O Parlamento das Gralhas: sobre o que acontece quando um bebé adormece (e acabei de perceber que o bebé deve ser o filho duma grávida que o Sonho salvou há uns volumes atrás) e vai parar ao Sonho. Conhece Eva, Caim e Abel, e eles contam-lhe histórias, que são um pouco sobre as suas próprias histórias. Acabo sempre a morrer de pena do Abel quando ele aparece, porque fazendo jus ao nome, acaba sempre perdido na violência às mãos do irmão. Eles parecem amar-se, mas depois o Caim vira psicopata e bem, acaba sempre mal. E recomeça. E pronto, este volume é um excelente exemplo de quanta coisa boa e interessante o Gaiman mete no seu mundo, e quão bem elas soam juntas.

O sétimo volume, Vidas Breves, explora finalmente o irmão desaparecido, Destruição. A Delírio, que o adora, quer encontrá-lo, mas Desespero e Desejo não estão com vontade de ajudar; vai pedir ao Morpheus, que não parece muito inclinado a ajudar, mas acaba por embarcar no esforço.

Coisa fascinante número um: eles estão a fazer caixinha comigo!!! Todas estas referências sobre o Sonho ter o coração partido por causa duma mulher, mas ela ainda não foi apresentada, não sabemos o que aconteceu. E número dois: a maneira como a relação da Delírio e do Sonho evolui. Adoráveis. Aliás, gosto bastante de como alguns dos irmãos se relacionam. Eles e a Morte reagem muito como irmãos uns com os outros. Bem fofo.

Número três: uma alusão à maneira como a Desespero assumiu o lugar. E número quatro: a maneira como esta família é absolutamente disfuncional e lida com os seus "deveres". É sempre uma delícia ver a sua história a decorrer ao longo destes volumes. O fim deste marca uma viragem irreversível na sua história, é bastante fácil de ver, e temo que nada mais será o mesmo, que a tragédia esteja ao virar da esquina (especialmente depois de ler o fim do oitavo volume).

O oitavo volume é A Estalagem no Fim do Mundo. Mais um livro de contos que sobe para o próximo nível, explorando a natureza das histórias, frequentemente introduzindo histórias dentro de histórias, ou histórias contadas em segunda mão, um artifício potencialmente difícil de usar, mas bastante claro no modo como aqui é apresentado. A Estalagem é um local, algures parte do Sonho, onde entram viajantes de todo o tipo, perdidos nas suas viagens; e a premissa do volume é que esses viajantes contam histórias para passar o tempo.

A primeira história é Ramadão, que não é bem parte deste volume, tradicionalmente é do sexto. (Imagino que passou para aqui para equilibrar o tamanho dos volumes.) É tão gira, tão colorida e bem desenhada (adoro o traço), e uma que pertence verdadeiramente ao mundo do Sonho, inspiradora e etérea. Segue Um Conto de Duas Cidades (outra com traço e cores visualmente fantásticos) sobre a natureza das cidades. Assombrosa e claustrofóbica.

Gostei mesmo de O Conto de Cluracan, por explorar um personagem que já conhecemos anteriormente, e porque o local que ele visita dá a sensação de ter uma história riquíssima, da qual só nos é apresentada uma fracção. Senti vontade de a explorar melhor. O Leviatã de Hob também me agradou, pela história pessoal do Jim, mas também pela aparição do Hob Gadling, que já conhecemos doutras andanças. E pela história-dentro-da-história apresentada, e pela reflexão sobre certas coisas extraordinárias.

O Rapaz Dourado: acho que apreciaria mais se conhecesse o personagem doutras andanças. Creio que faz parte do universo DC e foi aproveitado pelo Gaiman para este conto. Gostei de ver como o Sonho e a Morte são desenhados aqui. Mortalhas: cheio de histórias-dentro-de-histórias, apresenta outra cidade que gostava de ver melhor explorada. Parece fascinante. (E o Destruição aparece! E descobrimos com ele mais um pouco da história dos Eternos.)

Ah, este conceito da Estalagem é fascinante. (Já agora, a estalajadeira é alguém que suspeito que já conhecemos [Astarte/Ishtar].) Mas pesada mesmo? É a parte final deste livro. A natureza da tempestade que trouxe estas pessoas à Estalagem é clarificada um pouco, abordando a natureza da realidade... e os visitantes da estalagem vislumbram um velório no céu, e vemos tanta gente conhecida, e é impressionante de ver, e céus, this does not bode well. Até tenho medo de continuar a ler. A expectativa diz-me que coisas boas não vêm nesta direcção.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Tens Coragem?, Megan Abbott


Opinião: Eu queria tanto gostar deste livro. Ando há que tempos com vontade de ler esta autora, depois de ter ouvido falar do seu The Fever, sobre uma comunidade em que algumas adolescentes começam a desenvolver sintomas de uma doença misteriosa, e sobre a histeria que nela se espalha sobre a origem da doença.

E por isso saltei com a oportunidade de ler este livro, traduzido em português, da mesma autora; ela costuma ao que sei ter boas opiniões, e ser bastante divisiva, o que me deixava curiosa para ler qualquer coisa dela.

Pois bem... gostei e não gostei. Não gostei porquê: o ritmo do enredo é péssimo. A primeira parte (para aí 70% do livro) é super parada, muito baseada na caracterização psicológica (o que não é mau em si mesmo), e depois o mistério em torno de um crime que acontece dispara, as suspeitas acumulam-se, e a coisa fica excitante. Um bocado tarde demais; quase que parece que o livro não sabe o que quer ser: um thriller de acção ou psicológico.

Depois, esta coisa de "olhem para esta história, vejam como as pessoas normais são lixadas" que acontece em alguns thrillers? Tornou-se mais proeminente no Gone Girl (e a razão pela qual este me aborreceu de morte). E é tão mentira. O meu problema com o GG era que aquelas não eram pessoas normais (um era sociopata, o outro mentiroso compulsivo). Sim, as pessoas podem ser tão destrutivas e loucas como ambos os livros mostram. Mas os personagens em si não são um bom exemplo de "pessoas normais", se é que esse conceito pode ser usado (é bastante redutor)

Aqui no Dare Me a autora falha um pouco em criar uma atmosfera de credibilidade no que toca à parte do crime, como foi feito, porque foi feito... passa tanto tempo na caracterização psicológica da protagonista e das raparigas adolescentes que a rodeiam, que se esquece um pouco de dar suporte ao crime e às suas causas, até revelar no fim em jeito de telling, e não showing, o que realmente se passou. Só tem um bom suporte na sua relação com as adolescentes no centro da narrativa.

Terceira razão pela qual não gostei? Ugh, o pretensiosismo da escrita. Que vontade de esganar alguém, porque é a coisa que mais abomino. Consigo respeitar um escritor que escreve bem, e sabe que o faz. Se ele for capaz de partilhar o seu brilhantismo comigo duma forma humilde. Se ele escrever duma forma económica mas inteligente que me permite aperceber do que está a dizer sem mo esfregar na cara.

Não consigo respeitar alguém que escreve frases floridas só para dizer que escreve frases floridas, e para dizer que "escreve Literatura (sim, o L maiúsculo é importante para destacar o snobismo da coisa)". Há partes em que a escrita é demasiado fragmentada, demasiado confusa, e o "lirismo" não ajuda nada a clarificar, só a confundir mais. Talvez seja porque o livro não se conseguia decidir que tipo de história era, que rumo estava a tomar.

O que me mata, é que se removêssemos estes problemas que tive com o livro da equação, podia ser francamente brilhante. Até a escrita tem os seus momentos, quando não está demasiado ocupada a ser "bonita".

Porque este é um retrato extraordinário e incrivelmente honesto e realista de um grupo de raparigas adolescentes. É muito comum ver as pessoas a gozarem com o ser adolescente, particularmente o ser uma rapariga adolescente. Os seus interesses são escrutinados, ridicularizados. Este livro, no entanto? Podia ser uma lição em como, se realmente quisessem e tivessem interesse nisso, as raparigas adolescentes podiam dominar o mundo.

É deliciosa a maneira como a relação entre estas miúdas é descrita. Um grupo de cheerleaders sem rumo, e a chegada à escola duma treinadora nova interessa-as, motiva-as a serem melhores, fazerem coisas incríveis. Estas são pessoas que são atletas que dão no duro, que se matam para fazer uma rotina perfeita se for preciso. Há uma dedicação canina à coisa que é fascinante de ver, depois do interesse delas ser suscitado e dirigido.

E depois as relações pessoais entre elas, e entre elas e a treinadora... todo um retrato de como um grupo de mulheres juntas pode ser brutal umas com as outras, de como em grupo podemos ser tão tóxicas umas para as outras, ainda que sejamos capazes de atingir o extraordinário. Na adolescência particularmente, e é fascinante elas deitarem-se abaixo e se reconstruírem, e lutarem em conjunto por um objectivo e como no caminho se deixam encantar por uma cara nova.

No centro disto tudo está a relação entre as três mulheres principais da trama: a Addy, a narradora, completamente cativada pela treinadora; a Beth, a capitã da equipa que é a única que não embarca no fascínio; e a própria treinadora, Collette French, uma mulher com os seus problemas próprios que é uma janela para o estado de ser adulto, algo que encanta as jovens do grupo.

E é incrível, vê-la desenrolar-se e como acaba por dirigir a narrativa e os seus acontecimentos. A Addy e a Beth têm um longo historial para trás, e isso condiciona as suas acções. A Addy em si é particularmente interessante; alguém no Goodreads descreve-a como uma espécie de Nick Carraway, o que é perfeito. Em muitos aspectos, a Abby desliga-se dos acontecimentos e da sua responsabilidade deles, limitando-se a narrar o que vê, sem ter que se envolver particularmente, sem ser o motor deles.

E a sua lente inteiramente egoísta e auto-centrada é algo muito interessante de ver acontecer; a Addy acaba por não ser uma narradora confiável, porque muito lhe passa ao lado. Habituada a ser a lugar-tenente da Beth, de fazer o que lhe é dito sem ter de pensar por si própria, de tomar a liderança. É incrível como ela não vê o culpado, mesmo à frente dela aquele tempo todo. Só quando ela começa a pensar sobre o crime que aconteceu, as coisas contraditórias que lhe contaram as pessoas que podem ser os suspeitos, é que ela começa a tentar desenterrar a verdade.

E esse processo, na recta final do livro, é muito excitante. Fez-me finalmente duvidar de tudo e todos, e encontrar culpados em todas as esquinas. Mesmo tendo sido apresentado um culpado, ainda assim consigo ver como podia facilmente ter acontecido doutra maneira, e a pessoa estar a ser acusada erradamente. (Pouco provável, mas um exercício interessante de fazer.)

É quando a Addy se liberta das relações tóxicas em seu torno que finalmente cresce para ser a melhor versão de si. É um desabrochar bem curioso de observar, especialmente quando ela e as outras raparigas passam o tempo livre a fazer alguns disparates.

Em última análise, este também é um livro sobre como os adultos responsáveis por estas jovens lhes falham completamente. Os pais da Addy e da Beth raramente aparecem, e não se mostram interessados pela vida das filhas; abandonam-as e deixam-nas à solta, fazendo o que querem. Não ia acabar bem. A treinadora arranja os seus próprios problemas, apesar de aparentar ter uma vida perfeita, e as suas acções são um péssimo exemplo para as jovens que a rodeiam. Ela acaba por tornar a Addy cúmplice de algo que esta nem sequer consegue processar, compreender a gravidade de.

Ah, céus, eu queria mesmo gostar. Queria. E de certos pontos, adorei. Passei um bom bocado, se só os considerar. O problema é o resto. As coisas negativas que apontei são bastante determinantes no meu gostar ou não de um livro, e ofuscam largamente os pontos positivos. Não excluo ler outro livro da autora no futuro, para ver se o problema é dela ou meu, mas também não vou já a correr fazê-lo

Título original: Dare Me (2012)

Páginas: 288

Editora: Saída de Emergência

Tradução: José Saraiva

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Este mês em leituras: Novembro 2016

Mal posso acreditar que estamos a menos de um mês do Natal! E que o ano está quase a acabar! Para onde é que 2016 foi? Bem, não é que lhe vá sentir a falta. Estou mais que preparada para 2017, e para pôr as mãos nos livros e filmes que este me reserva.

No que toca ao mês em si, estou bastante contente por ter escrito e postado mais, e ter-me posto mais actualizada no que toca a opiniões. Quando Outubro terminou, estava tragicamente atrasada nesse aspecto e com receio de me esquecer de tudo.  Fiz um esforço concertado; alguns dias, em vez de ler no caminho para o trabalho levei material de apontamentos e delineei as opiniões. Tinha-me andado a portar mal nesse aspecto, portanto a ver se Dezembro corre ainda melhor.

Livros lidos


Opiniões no blogue


Os livros que marcaram o mês

  • Gemina, Amie Kaufman, Jay Kristoff - ahhh foi tão bom continuar a ler neste mundo, estava tão animada e ao mesmo tempo cautelosa, e fico contente por ter sido, à semelhança do primeiro, uma coisa que me encheu completamente as medidas e fez uma série de coisas que gosto de ler;
  • Anexos, Por Um Fio, Rainbow Rowell - porque uma releitura da Rainbow leva sempre a que eu redescubra as suas histórias;
  • Every Move, Ellie Marney - é o livro final da trilogia, estou tão triste por ter de deixar os meus meninos, mas feliz por ter gostado da sua história final, e por tê-los acompanhado ao longo da trilogia... a Ellie Marney faz com os seus livros e as suas histórias uma série de coisas que adoro ler, e por isso vai ficar na lista de favoritos;
  • Tens Coragem?, Megan Abbott - esta é mais pela negativa; tinha tantas expectativas acerca da autora, e apesar de ela fazer uma coisas fixes, também faz algumas cenas de que não sou fã, e são daquelas que eu não suporto mesmo, portanto acabei a não gostar do livro tanto como queria.

Outras coisas no blogue

  • Nada? Não se pode ter tudo. Prefiro a maior produtividade deste mês.

Aquisições

Ora bem, temos os livros das colecções de BD que estou a fazer, a colecção Sandman e a Graphic Novels Marvel. Depois temos uma edição de Pride and Prejudice que tecnicamente é uma aquisição do fim do mês anterior, mas da qual me esqueci quando andei a tirar fotos; ficou-me uma pechincha, já que aproveitei numa altura em que a Fnac estava com 20% de desconto nos livros.

O conjunto dos dois livros da Rainbow Rowell mais o do Brandon Sanderson encomendei no site da Saída de Emergência; os primeiros dois para fazer uma releitura (e porque a Rainbow merece que eu tenha mais que uma edição dos livros dela), o do Sanderson para aproveitar que o autor ia estar cá e conseguir um autógrafo.

Comprei A Empregada com dinheiro em cartão Continente (e só não comprei mais porque o resto do dinheiro que tinha gastei, uma vez na vida, em outras coisas giras que não livros). E o Heartless e o Tales from the Shadowhunter Academy são os livros em inglês do mês, de autoras e séries que sigo.

A ler brevemente

Para já, só tenho planos fixos de ler o Heartless. A Marissa Meyer tem feito um tão bom trabalho com retellings que estou curiosa. Ainda não sei se vou ler mais alguma coisa do desafio Meg Cabot este ano - faltam-me poucos livros, mas aqueles que tencionava ler estão demasiado caros para o meu gosto (e para um paperback, que infelizmente é o único formato em que existem).

Fora isso, tenho algumas coisas que sobraram da pilha de desejos de meses anteriores a que ainda gostava de dar atenção este ano. Também gostava de ler o Mind Games, o segundo da Heather W. Petty, mas ainda não encomendei e de momento está excessivamente caro e esse facto está a dar-me muita comichão. Talvez quando encomendar as pre-orders de Janeiro, mais ou menos a meio de Dezembro...

terça-feira, 29 de novembro de 2016

A Empregada, Laura Amy Schlitz


Opinião: Não sei porquê, não esperava muito deste livro. Uma parvoíce, na verdade. Tem os seus altos e baixos, mas no todo é um conjunto muito agradável, e escrito duma forma inteligente e sensível.

Joan é uma jovem sonhadora e inocente que trabalha na quinta do pai, em nenhures (vamos chamar-lhe assim). Um homem rude, cruel e bruto, o pai não vê uso para a instrução, e por isso afasta a Joan da professora, das aulas, e por fim dos livros que adora. E por isso, pela destruição dos seus amados livros, Joan ganha coragem e põe-se na alheta, deixando a quinta e esperando encontrar um trabalho numa grande cidade como Baltimore.

Diria que este livro vive e respira apoiado na força da caracterização da protagonista, a Joan. Afinal, este é  diário dela que estamos a ler. E posso dizer que na maioria, gostei bastante da Joan e da sua caracterização. Ela é uma jovem com pouca instrução, mas esperta, e com um desejo ardente de saber mais, ler mais, conhecer mais. É ambiciosa nesse aspecto, e é óbvio que a quinta onde vive com o pai e os irmãos mais velhos é demasiado pequena para contê-la.

E então a Joan, mesmo sabendo pouco do mundo, arrisca-se e sai de casa, querendo encontrar um emprego como empregada doméstica numa casa da cidade, esperando que no futuro possa continuar a sua instrução e tornar-se professora. Do seu pensamento, em parte pela idade, em parte pelos seus desejos, longe estão ideias de casamento.

A chegada à cidade não é desprovida de peripécias, mas a Joan também tem sorte, e acaba empregada na casa duma família judia. E a partir daí vai crescer e conhecer uma nova realidade, muito diferente da sua; com avanços e recuos e boa vontade, a Joan vai-se esforçar para alcançar os seus sonhos.

Entre as melhores partes do livro está mesmo isso: a vivência da Joan entre uma família judia. A Joan é uma fervorosa católica, mas talvez por ter vivido tão isolada, ela não conheceu qualquer tipo de sentimento antisemita durante a sua vida. Ela nem sabe o que a palavra significa. E aí é que está o cerne da coisa, ela pode ser pouco educada, pode ser inocente, mas é essencialmente boa pessoa, tolerante, até feminista.

E portanto, numa época em que ainda haviam pogroms em partes do mundo, não a choca nada trabalhar para judeus. Aliás, choca-a é descobrir que ainda existem pogroms; a sua incredulidade quando lhe contam o quanto judeus ainda sofrem, muitas vezes às mãos de católicos e cristãos, é quase adorável. Ela foi educada pela mãe para o catolicismo, num misto de amor e fé e compaixão e contrição, e por isso não cabe na cabeça dela o mal que as pessoas fazem em nome da religião.

E lá está, à parte um par de situações, a Joan convive excelentemente com os costumes judeus, e interessa-se muito por eles e por exercer a sua função o melhor que pode de acordo com o que é preciso fazer. A sua lealdade aos Rosenbachs é inspiradora.

Outra parte excelente do livro é o pendor feminista. Em momento algum passa pela cabeça da Joan que não vai conseguir fazer o que quer da vida por ser mulher. Era só o que faltava. Para ela, uma mulher pode ser médica, ou até presidente. Ela ambiciona instrução, e muito mais do que uma vida caseira ou uma a trabalhar como empregada.

Mais partes boas: os personagens. Toda a gente é caracterizada com um cuidado fantástico. A Malka é deliciosa, os Rosenbachs têm todos a sua personalidade e uma relação diferente com a Joan, e é fantástico de as ver desenvolver...

A própria Joan é uma pequena caixinha de surpresas. É pouco instruída mas não é burra, é inocente mas não é parva. Tem momentos de grande sensibilidade e percepção (foi bem esgalhada, a coisa da visão da Mimi), e momentos de ingenuidade de bater com a cabeça nas paredes. (Afinal, ela só tem 14 anos. Em 1911. Tendo vivido toda a vida isoladamente.) É frívola, mas preocupa-se com uma série de assuntos importantes. É ela que leva a narrativa avante, e sem ela não seria a mesma coisa.

Se tivesse de destacar algo negativo, diria que seria mesmo a ingenuidade da Joan. Às vezes mete-a em buracos que dão um novo sentido à expressão "vergonha alheia". E na maior parte dos casos não me importei nada de acompanhar esses momentos, por mais tolinha que ela tenha sido... mas na recta final, custou-me particularmente fazê-lo.

A Joan estava avisada que certa pessoa era assim e assim, e mesmo assim caiu na ratoeira e deixa-se enredar. Bem sei que é o ano que é, ela é a pessoa que é. Mas soou-me ingenuidade a mais, e tanto burburinho por uma paixoneta imerecedora soou-me mal, e tenho pena que a história termine a seguir a essa situação. Preferia que acabasse com um momento mais alto para a Joan. Que até existe, porque damos um salto no tempo, mas sabe a pouco.

A outra coisa é que o livro não soa como se ela tivesse evoluído alguma coisa ao longo da narrativa. É claro que aprendeu algumas coisas, mas termina a história ainda muito juvenil, muito ingénua; quase parece a mesma Joan do início, pelo menos a escrever. Acho que a autora poderia ter sido um pouco mais óbvia na demonstração da sua evolução, denotando isso até na maneira como ela escreve o diário.

É que mesmo depois do salto temporal, ela ainda soa ao mesmo. E quando está a falar do quanto aprendeu e de quão mais crescida está, soa a falso. Porque ela está a dizer-nos, não a demonstrá-lo. Não me parece que a autora tenha feito um trabalho bom o suficiente na coisa do show, don't tell.

Enfim, de qualquer modo, são pequenas objecções, num livro que tanto tem de bom e de delicioso. Diria que lê-lo foi como se estivesse a ler um clássico, um Mulherzinhas ou assim, o que denota que a autora até sabe imergir-nos na época e retratá-la como se fosse a sua época. Só se nota que é contemporâneo pelo tratamento respeitoso dos Rosenbachs. Foi uma pequena grande (e boa) surpresa, diria eu, e bastante recomendada.

Título original: The Hired Girl (2015)

Páginas: 368

Editora: In Edições (Zero a Oito)

Tradução: Susana Serrão