terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Este mês em leituras: Janeiro 2017

Estou muito contente com este mês. Postei bastante e fiquei mais actualizada no que toca a opiniões e posts que faltavam fazer. Foi um mês relativamente tranquilo no que toca a vida pessoal também, e isso deixa-me satisfeita.

Livros lidos


Opiniões no blogue

  • Summer Days and Summer Nights, antologia editada por Stephanie Perkins;
  • Boundless, Cynthia Hand;
  • Curtas BD: Sandman v.9: As Benevolentes I, Neil Gaiman, Mark Hempel, D'Israeli, Glyn Dillon, Charles Vess, Dean Ormston; Sandman v.10: As Benevolentes II, Neil Gaiman, Mark Hempel, Richard Case, Teddy Kristiansen; Sandman v.11: A Vigília, Neil Gaiman, Michael Zulli, Jon J. Muth, Charles Vess, Kevin Nowlan; Sandman: Noites Sem Fim, Neil Gaiman, Glenn Fabry, Milo Manara, Miguelanxo Prado, Frank Quitely, P. Craig Russell, Bill Sienkiewicz, Barron Storey;
  • A Chave de Bronze, Holly Black, Cassandra Clare;
  • A Química, Stephenie Meyer;
  • Curtas BD: O Poderoso Thor: Em Busca dos Deuses, Dan Jurgens, John Romita Jr.; 1602, Neil Gaiman, Andy Kubert; Eu, Wolverine, Chris Claremont, Frank Miller;
  • Their Fractured Light, Amie Kaufman, Meagan Spooner;
  • Passenger, Alexandra Bracken;
  • Curtas BD: Persépolis, Marjane Satrapi; Are You My Mother?, Alison Bechdel; Pyongyang, Guy Delisle; Maus, Art Spiegelman.

Os livros que marcaram o mês

  • Their Fractured Light, Amie Kaufman, Meagan Spooner - apesar de já ter lido o anterior livro da série há algum tempo, este não teve dificuldade em cativar-me e recuperar-me para este mundo, e mais importante, em emocionar-me e manter-me investida na história;
  • Passenger, Alexandra Bracken - apesar do parto difícil, este foi um livro que me encheu as medidas completamente e sem reservas, até estava pronta para uma releitura;
  • Persépolis, Marjane Satrapi e Maus, Art Spiegelman - ambos banda desenhada, ambos biografias, ambos excelentes a envolver o leitor;
  • Stolen Songbird, Danielle L. Jensen - eu tive algumas dificuldades com a leitura deste, não exactamente do foro do Passanger, e bem, gostava de ter gostado mas dele, mas não aconteceu... é um pouco difícil de explicar, mas as dificuldades dificultam-me lembrar das coisas boas que também tem.

Outras coisas no blogue


Aquisições

Diria que me portei extremamente bem este mês. O Geek Girl foi comprado inteiramente com dinheiro em cartão, e por isso não gastei nada nele. O Stolen Songbird e o Passenger foram presentes de Natal de duas pessoas com muito bom gosto. E as únicas reais aquisições do mês em termos de compras foram os dois volumes da colecção Graphic Novels Marvel.

A ler brevemente

Ainda é um pouco indecidido. Pus estes dois porque estou interessada em lê-los, mas podia ter colocado outra coisa qualquer. As minhas estantes são o limite. Fora isso, conto receber o Wintersong, o The Last of August, e o Carve the Mark, portanto, esses são definitivamente leituras com que contar em Fevereiro.

Os destaques de 2016

E já vêm tarde. Mas como mencionava no post anterior, tenho tentado fazer sair alguns posts mais prementes antes. Tal e qual como no ano anterior. De qualquer modo, não podia deixar o mês acabar sem sair este post em particular. E também disse o mesmo no ano anterior... sim, estou a repetir-me. Eh.

De qualquer modo, aqueles que mais me caíram no goto em cada categoria estarão destacados com imagem com link para a minha opinião; e reservo-me o direito de fazer menções honrosas onde vir que é adequado. (Excepções feitas às releituras, à banda desenhada, que não há vida para juntar tanta imagem, e às desilusões, que não merecem ser recordadas.) E sim, no final tenho uma pequena categoria para as desilusões do ano.


Os destaques de 2016

Fantasia


Os suspeitos do costume. Digo isto porque neste conjunto só há autoras já lidas por mim no passado... suspeito que qualquer coisa que saia da pena da Cassandra Clare e da Sarah J. Maas venha a ser minha favorita (até a última, que mesmo quando faz coisas que não me agradam particularmente, escreve um favorito).

A Leigh Bardugo juntou-se facilmente a esse conjunto, com esta duologia sobre adolescentes criminosos a dar um golpe, bem como a Marissa Meyer, que mesmo fora das Lunar Chronicles escreveu um livro soberbo. Já a Juliet Marillier pertencia lá há muito, e a Marie Lu posicionou-se bem para vir a pertencer a ele, com esta trilogia focada numa anti-heroína/vilã. E a Marie Rutkoski seria uma boa candidata, se eu vier a ler mais coisas dela, porque também esta trilogia fechou brilhantemente.

Menções honrosas: Rainha Vermelha, Victoria Aveyard; Something Strange and Deadly, Susan Dennard; A Rainha de Tearling, Erika Johansen; Ghostly Echoes, William Ritter.
(Tudo bons livros que simplesmente não chegaram ao patamar de "oh meu Deus, isto é a melhor coisa desde a invenção da roda", mas que me encheram as medidas na mesma.)

Contemporâneo

The Serpent King foi um favorito surpresa, porque eu não estava nada à espera de gostar, mas o autor surpreendeu-me com a profundidade emocional da sua história. Já The Problem With Forever "peca" do mesmo, achei a história incrivelmente realista, mas a diferença é que é escrito por um autor já favorito. Kindred Spirits é um conto curtinho, mas contém tanto em tão pouco; e Every Move é duma autora que já se tornou favorita, e foi o final duma série que eu não queria que acabasse, mas que me encheu as medidas.

Menções honrosas: A Study in Charlotte, Brittany Cavallaro; Lock & Mori, Heather W. Petty; 9 de Novembro, Colleen Hoover.
(Os dois primeiros só não têm mais destaque porque ainda não estou preparada para promover um retelling Sherlockiano depois da Ellie Marney. Têm que desabrochar primeiro e melhorar umas coisinhas. A Colleen não tem mais destaque porque já escreveu coisas que não eram nada minhas favoritas, e tem os seus problemas.)

Ficção Científica


Mesmo a escrever uma antologia a Marissa Meyer me cativa completamente. (E foi tão bom rever estes personagens.) E a grande surpresa do ano foram estes dois livros por Amie Kaufman e Jay Kristoff. Nunca esperaria vir a gostar tanto, mas adorei o modo como a história se desenvolveu e como é apresentada.

Menção honrosa: The Love That Split the World, Emily Henry.
(Esta história agradou-me, para minha surpresa. E tem umas reviravoltas e um par de protagonistas absolutamente fascinantes.)

Releituras

(Continuam a ser favoritos.)

Banda Desenhada

(Estes volumes do Batman pela dupla Snyder/Capullo parecem-me realmente bons. O Sandman é de outro mundo; e o 1602 é do mesmo argumentista e igualmente fantástico.)

Menções honrosas: Eu Mato Gigantes, Joe Kelly, J.M. Ken Niimura; Sorri, Raina Telgemeier; toda a série Dog Mendonça e PizzaBoy, Filipe Melo, Juan Cavia, Santiago Villa; Os Surpreendentes X-Men: Sobredotados e X-Men: Perigosa, Joss Whedon, John Cassaday; Quarteto Fantástico: Além da Imaginação e Quarteto Fantástico: Ação Decisiva, Mark Waid, Mike Wieringo.

As desilusões de 2016

(Ao contrário do que possa parecer, estes livros não são maus. Só desapontadores; tinham obrigação de ser bem melhores. Excepto o Viagem à Procura de Mim e o Awaken. Esses são mesmo mauzinhos.)

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E... é o fim. Para o ano há mais. As boas e más leituras esperam-me, tenho a certeza.

domingo, 29 de janeiro de 2017

2016 em retrospectiva...

Sobre 2016... bem, 2016 foi um ano que é bem representado pela demora em me sair este post; tal como já me tinha queixado na retrospectiva de 2015, as semanas mais loucas no trabalho matam-me a vontade de postar. É uma coisa em que tenho trabalhado, gerir as exigências da vida real com este passatempo que tanto aprecio, mas ainda me vai conseguindo trocar as voltas às vezes. Quero dizer, acho que o mês de Janeiro já é um exemplo de como trabalhei para melhorar a coisa, mas como queria dar prioridade às opiniões em atraso, acabei por deixar este post e o dos favoritos para o fim do mês.

De qualquer modo, prefiro a irregularidade em postar do que fazer algo a martelo e sair-me um texto menos bem feito. Adoro rever boas opiniões que fiz no passado e reviver as emoções que o livro me trouxe; e sei que só quando a coisa me sai bem e deixei o que realmente penso no texto é que a opinião merece ficar para a posteridade. São essas que me orgulham e animam; escrevo primariamente para mim, mas isso não é razão para diminuir as minhas expectativas.

Quanto a livros e como li e geri as minhas leituras este ano: bem, para já acho que a parte das compras foi melhor gerida. Reduzi as compras em inglês a séries e autores que já seguia (fazendo uma ou outra excepção, claro), e até em português acho que não adquiri tantos livros; quase tudo foi com dinheiro em cartão Continente, creio eu, salvo a rara excepção. A intenção é continuar para pôr sob controlo a minha gigantesca TBR - a pilha de livros por ler cá em casa.

Parte da razão pela qual também diminuí as aquisições é o ter um (re)encontrado um outro interesse ao longo dos últimos dois anos, para o qual canalizei alguns gastos pessoais. Sempre gostei de esforços tendencialmente artísticos e/ou de artesanato/trabalhos manuais, e tenho imergido nesse mundo. Adoro coisinhas fofas feitas de papel e autocolantes; e o mundo da papelaria, do scrapbooking e das agendas e planners tem-no em abundância para mim.


Por falar em planners... já na retrospectiva de 2015 falava deles, e de como me permitiram expandir o meu diário de leituras para algo que funcionasse para mim. Já raramente aponto os livros que leio (o Goodreads e aqui o blog fazem esse trabalho por mim), e só ocasionalmente tiro notas para as opiniões (confio na minha memória, e aí sei que devia melhorar). Foco-me em destacar os lançamentos nacionais e internacionais, porque é aquilo que me permite gerir as aquisições que vou fazendo. E vou seguindo especificamente algumas autoras no que toca a lançamentos e leituras.

Fora isso, as coisas não relacionadas com a leitura explodiram para outros planners. Já que caí de amores por este mundo, não podia deixar de adquirir alguns para ter as minhas coisas separadas. Não uso todos ao mesmo tempo, mas são úteis para ir trocando conforme me dá a pancada, e o meu amor por coisas bonitas fez-me apaixonar por todos eles. O meu medo de usar coisas em pele morreu; sou cuidadosa o suficiente, e além disso há opções baratas o suficiente no mercado para não morrer de medo de as estragar.

Ah, este mundo é tão vasto, e tem tantos conceitos que poderia explorar... talvez um dia faça um post sobre isso.

Falta-me ir às estatísticas:
  • li 172 livros, exactamente o mesmo que o ano passado, mas não foi de propósito;
  • livro mais longo: Harry Potter e a Ordem da Fénix (756 páginas), seguido de Lady Midnight (720), e Empire of Storms (704), Gemina (672), A Court of Mist and Fury (640), e Illuminae e Harry Potter e os Talismãs da Morte (608)
  • livro mais curto: Os Contos Inéditos de Dog Mendonça e PizzaBoy (48 páginas), seguido de Wolverine: Logan (80), e Kindred Spirits (96);
  • curiosamente, acho que este ano não posso propriamente destacar mudanças sazonais nas minhas leituras, o número de livros que li num e noutro semestre é praticamente o mesmo, e os meses em que li mais não parecem dever-se a nada em especial (li mais nos meses de Outono e Primavera, e menos no Verão, mas não há nada que o justifique);
  • géneros mais lidos: fora a BD, é mesmo contemporâneo e fantasia, (32 livros e 26, respectivamente), em seguimento da tendência mostrada nos anos anteriores;
  • diminuí bastante a leitura de livros que são inícios de séries, o que é bom para contribuir para a minha diminuição da TBR;
  • dei clara preferência a ler livros que comprei durante o ano (também é importante que não fiquem para a TBR), mas portei-me muito melhor a ir buscar livros que tenho adquiridos em anos anteriores (fico muito contente com isso);
  • editoras mais lidas: os culpados óbvios são as editoras de BD de colecções que estava a fazer - Levoir (30 livros) e Salvat (28) -, seguidas duma editora estrangeira, a Harper Collins internacional (15) e do grupo 20|20 (10), da qual faz parte a Topseller, chancela na qual todos os livros que li  se inserem;
  • destaque ainda para Marvel e MacMillan (9 livros cada), G. Floy Studio (8), e Presença e Penguin Random House (7) - as editoras de BD e os grandes grupos internacionais abundam, mas as editoras portuguesas vão publicando coisas que me interessam, e portanto a tendência mostrada no ano anterior mantém-se;
  • autores mais lidos: Meg Cabot (18 livros), por virtude do desafio dela, mais Neil Gaiman (15), por virtude da colecção de BD Sandman;
  • e ainda: uma data de autores de BD, às vezes porque li colecções deles, às vezes porque são tão presentes na indústria que é impossível evitá-los, mas fora esses, Rainbow Rowell (4 livros), devido a reler os livros dela, mais a J.K. Rowling e a Leigh Bardugo e a Cassandra Clare (3 livros);
  • em suma: acho que me dividi por coisas mais variadas, e tive um foco menor mesmo nos favoritos, ainda que não deixem de ser favoritos (tenho especialmente pena de não ter lido mais da Jennifer L. Armentrout, ela teve poucos lançamentos este ano e podia ter aproveitado para ler livros dela que ficaram para trás);
  • quanto ao género dos autores... a tendência é a mesma que anteriormente, na ficção as mulheres dominam quase totalmente as minhas leituras, na BD são os homens, devido a ser um meio ainda muito complicado na aceitação de mulheres no seu seio, o que me entristece deveras.

E aqui fica mais um bocadinho sobre as minhas leituras em 2016, como tem sido habitual fazer nos anos anteriores. Resta-me esperar que 2017 seja um ano igualmente rico em leituras e que daqui a um ano possa estar cá a fazer este post.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Curtas BD: (auto)biografias e relatos históricos

Persépolis, Marjane Satrapi
Ah, este é enganador. Marjane Satrapi tem um estilo simples no traço, mas nada há de simples ou simplório na sua história. Persépolis é um relato autobiográfico e histórico; a autora conta-nos sobre a sua infância durante os anos 80 no Irão, entrelaçando histórias pessoais com o ambiente social e político da época.

A maior razão pela qual este livro merece ser lido é porque a autora conta a sua história com clareza e com distância. Da época e dos acontecimentos, o que lhe dá alguma objectividade sobre o assunto. É um relato de como a instabilidade no seu país afectou a vida das pessoas comuns, e isso tem muito valor. É muito fácil reduzir um país com uma história recente tão complicada a estereótipos, e este livro faz um trabalho incrível em recordar o contrário.

É também incrivelmente triste ver um país com uma história tão rica refém da sua instabilidade política e social. Mas é bem recompensador ver Marjane apresentar-nos as pessoas que passaram pela sua vida, e que à sua maneira mostram facetas das vivências das gentes iranianas na época. Em adição, também gostei de poder ler as partes mais pessoais do seu relato, durante a adolescência e início da idade adulta, e de como não tem receio em se expor e analisar os seus erros.

Are You My Mother?, Alison Bechdel
Adorei o livro anterior que li da autora, Fun Home. Gostei muito de como explorou e analisou a sua relação com o pai, e de como entrelaçou a sua narrativa com referências literárias. Neste novo volume, Alison explora a relação com a sua mãe, ainda viva, e entrelaça-a com a sua própria história romântica e relacional, e com o seu interesse por psicanálise.

Em toda a honestidade, o Fun Home é mais bem sucedido no que se propõe a fazer. É denso, mas é mais claro. Terminei o livro completamente satisfeita e com uma boa ideia do tema. Neste caso, acho que este pode ser excessivamente denso. A autora analisa a sua relação com a mãe à luz de um par de teorias psicoanalíticas pelas quais ficou cativada, e o jargão técnico a certa altura é tão pesado e complexo de navegar que dificulta muito a compreensão. Acho que apanhei a ideia geral, mas sei que me passou muito ao lado e é custoso não ter as ferramentas necessárias para compreender.

De qualquer modo, gosto bastante dos paralelos que ela estabelece entre a relação com a mãe e com as suas terapeutas/psicanalistas. Gosto daquilo que subentendo da sua análise (as observações sobre a relação mãe-filho em geral são... perturbadoras), e gosto do aspecto meio meta de toda a coisa. Gosto que se enterre a fundo no tema sem receio de assustar o leitor, e que explore temas universais sobre um prisma pessoal. E gosto da arte, a preto e branco e cinzento, desta vez com destaques de vermelho/rosa pastel.

Pyongyang, Guy Delisle
Bem... este foi o menos apreciado por mim do grupo. Acho que falha um pouco pelo tom do autor, que descreve as situações sempre com um tom superior, do género "olhem para mim, pessoa do Ocidente tão iluminada, no meio destes Orientais totós tão pouco iluminados que não se libertam desta ditadura". Pronto, talvez o tom não seja tão óbvio, mas está definitivamente lá.

Até acho que o autor tem consciência do mesmo, e que reflecte possivelmente o que pensava na altura da sua visita à Coreia do Norte, mas não necessariamente o que pensava quando escreveu e desenhou este livro. Também há momentos em que ele tem uma certa intuição sobre as situações que descreve, portanto...

De qualquer modo, a visão de um Ocidental sobre a sua visita a um país Oriental seria sempre apenas isso mesmo. Limitada precisamente pelo choque de culturas. Tendo isso em conta, até achei um conjunto de situações idiossincráticas engraçadas, curiosas. A Coreia do Norte é tão isolada e tão circunscrita a um modo de ser que é fascinante ver isso descrito por alguém de fora.

Nunca daria a imagem geral da coisa, mas dá uma perspectiva minimamente interessante. Especialmente porque a narrativa se mantém curiosamente apolítica. Não me parece fazer avaliações nesse sentido, à parte a subversão do autor levar o 1984 para o país, e conseguir meter um coreano a ler o livro. (E a embaraçá-lo.)

Maus, Art Spiegelman
É por isto que eu raramente acabo a ler relatos da Segunda Guerra Mundial. Seja como for a maneira como é contada, o tema (Holocausto) é tão pesado e tão difícil de gerir, de tentar entender. É uma época tão próxima e tão distante de nós...

Apesar de tudo, a abordagem do autor neste volume é extraordinária e positivamente mágica. Qualquer pessoa que tenha lido vai destacar o antropomorfismo e animalização dos personagens - numa metáfora não-tão subtil assim, os judeus são ratos, os alemães gatos, os polacos porcos, e os americanos cães (os judeus israelitas, é dito de passagem, seriam porcos-espinhos, o que é hilariante para mim).

A genialidade da coisa é que isto permite ao leitor um distanciamento a acompanhar a história, mas ao mesmo tempo é tão imersivo que paradoxalmente consegue facilmente atrair empatia e envolvimento por parte do leitor. É extraordinário.

Outro aspecto que muito apreciei é a exploração da personalidade de Vladek, o pai do autor, e da relação que este tem com ele. É impossível não ficar assoberbada com a capacidade de sobrevivência e de desenrascanço do senhor. Acredito que isso lhe permitiu sobreviver a situações muito difíceis. E gostei muito de ver como o autor lida com a culpa de não ter vivido isto, de não poder partilhar esta dor com os pais; mas também de acompanhar o conflito geracional.

Vladek não tem um feitio fácil, e Art parece lidar com ele de forma impaciente com ele por vezes (leio algum arrependimento para com a sua postura), mas é realista e ao mesmo tempo retrata de forma algo carinhosa e saudosista essas atitudes do senhor mais velho. Acima de tudo, este é uma homenagem de um filho à história do seu pai; o valor histórico e humano é riquíssimo, mas o ângulo pessoal é inestimável.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Passenger, Alexandra Bracken


Opinião: Gosto tanto de estar enganada sobre um livro. Ainda mais quando mudo de ideias a meio da leitura. Reservo-me o direito de ser inconstante, porque há livros que merecem. É que por um lado, a sinopse não dá nem de perto nem de longe uma boa ideia acerca da história. Nadinha. E por isso gostei de ser surpreendida.

Por outro lado, quando comecei o livro achei que ia ser um pouquinho frustrante. Levou algum tempo a arrancar, por duas razões: primeiro, a escrita da Alexandra neste livro é bastante complexa, o bastante para desacelerar esta leitora em inglês inveterada - e no entanto isto é incrivelmente adequado, devido ao cenário ser histórico em parte da narrativa e devido a esta lidar com a questão do tempo; depois, o enredo em si leva algum tempo a arrancar, levando a protagonista por uma série de obstáculos antes de lhe apresentar o desafio principal - no fim acabei a gostar desta parte, que me ambientou neste mundo, mas na altura, já estava a trepar às paredes quando finalmente conhecemos o antagonista.

E isto é a história de como um livro me apresenta obstáculos para me dificultar a vida e ainda assim acaba a cativar-me e a fazer-me adorá-lo. Difícil, mas não impossível.

Passenger é a história de Etta, uma jovem violinista do século XXI, e que se prepara para debutar como artista quando é arrastada para uma intriga que não compreende e no centro da qual se vê: é que Etta tem a capacidade de viajar no tempo (e não sabia), e a mãe foi acusada de roubar um artefacto importante a uma família de viajantes que domina a linha temporal, certificando-se que se mantém intacta.

Ponto favorito número um: a questão das viagens no tempo. Esta coisa toda tem de fazer sentido para mim num livro/filme, ou perco-me e lá se vai o meu gosto por paradoxos temporais. E gosto mesmo de como a autora conceptualizou a coisa: passagens temporais que só os viajantes conseguem encontrar, e a forma como saltam de ano para ano, mas sempre no dia em que partiram. Obriga os viajantes a envelhecer, a lidar com as consequências das suas capacidades. Obriga-os a ser algo responsáveis com os seus actos. E gosto da ideia de mexer nas linhas temporais, e do que acontece a pessoas que ficam "órfãs" do local e tempo de onde partiram.

Ponto favorito número dois: o ambiente e a envolvência. Nunca tive dificuldade em me sentir exactamente onde a escritora queria que eu estivesse, nem em manter-me interessada no enredo. Depois de me habituar à escrita, embalei na narrativa que foi uma maravilha. Fiquei mesmo investida na evolução da história e dos personagens.

Ponto favorito número três: a Etta. Gostei mesmo de como é dedicada ao seu talento, o violento, e de como acredita nas suas capacidades. É uma atitude madura e refrescante. E gostei de como ela lidou com o cair de pára-quedas no meio da intriga temporal: confusa, mas sem dar uma de florzinha. Ela quer compreender o que se passa, mas não se deixa dominar pelos outros. E está decidida a fazer a coisa certa, mesmo que traga consequências para si e para os seus. Mas ama fervorosamente e tenta fazer o melhor que pode por eles.

Ponto favorito número quatro: o Nicholas. O protagonista masculino é um jovem do século XVIII - 1776, mais precisamente. (O ano não é inocente. Independência dos EUA e tal. Não é particularmente importante para a história, mas é um belo pormenor.) O Nicholas é um homem negro livre. Com tudo o que esse estatuto lhe traz na época em que vive. A única maneira que tem de ser verdadeiramente livre, sem estar preso pelas ideias e preconceitos dos outros, é no mar: o rapaz começou desde jovem a navegar, e está posicionado para capitanear o seu próprio navio.

Gostei muito de como a Alexandra escreveu o Nicholas. Tenta mostrar o terrível que é viver nas circunstâncias dele, lembra como o racismo é por vezes subtil e universal, e como nem hoje em dia as coisas são espectacularmente melhores. É fácil ficar horrorizado com o tratamento que recebe; e a noção de que o século XXI seria um espaço mais acolhedor para ele é reconfortante; mas é fácil não lembrar que as acções dos outros para com ele têm ecos nos dias de hoje e estamos longe de um mundo perfeito nesse aspecto.

E gostei de como o Nicholas lida com a diferença, com as expectativas dos outros. Fez um esforço tremendo para avançar na vida, para se cultivar e ter uma educação esmerada, para saber argumentar com aqueles que o vêm como pouco mais que um animal. A fúria e o desapontamento por ter de ser o alvo de certas atitudes estão lá, mas ele não se deixa dominar por eles. Gostei sobretudo de como o Nicholas está perfeitamente ambientado no seu mundo, mas está ciente que há muito mais, e merece mais.

Ponto favorito número cinco: os dois juntos. Não sei explicar. Não há nada de especial no par, acho eu. Ficam logo fascinados um pelo outro mal se conhecem, o que tresanda a instalove. Que eu normalmente detesto. Mas talvez a chave esteja na maneira como as coisas são contadas. O fascínio é compreensível, porque são de tempos e espaços e mundos diferentes, e o choque de culturas aproxima-os.

Contudo, a noção de que estão separados pelas suas circunstâncias muito diferentes faz a coisa avançar incrivelmente devagar, e isso foi delicioso e excitante de acompanhar. Todo o suspirar um pelo outro. Todas as conversas consigo próprios, a desencorajar-se de pensar num mundo em que poderiam estar juntos. Isso imprime uma urgência e um quase desespero à situação que finalmente os atira para os braços um do outro, e que divertido que isso é. A autora escreve uma aproximação e evolução bastante lenta deliberadamente, para contrapor o interesse inicial, e funcionou mesmo bem.

Eh, simplesmente gosto de amores impossíveis. É tão giro ver pessoas a torturar-se deste modo. Ehehe. Além disso, adorei a atitude deles a certo ponto. O Nicholas era todo "não sou merecedor de ti" e a Etta toda "cala-te lá e dá-me um beijo". Adoráveis.

E pronto, para variar o fim tinha de ser uma tortura. Credo. Este pessoal adora fazer-me sofrer. Acontece simplesmente uma coisa... drástica e chocante, e o Nicholas fica deprimido, e eu fiquei deprimida com ele, e raios, era preciso deixar-nos pendurados desta maneira? Quero dizer, o fim não fica assim tão indefinido, a situação ainda é explicada e a cena final até ata bem as pontas e prepara o terreno para o segundo livro...

... mas acho que ainda estou a recuperar do choque. Bem, o bom disto tudo, de só ter colocado as minhas mãos neste menino agora, é que o segundo livro já saiu. Posso lê-lo já de seguida. Com a ressalva que "de seguida" significa: quando o Book Depository e a péssima distribuição de correspondência que tem havido por estes lados o permitirem. Mas em breve. Estou tremendamente curiosa para ver o que me espera.

Páginas: 496

Editora: Disney Hyperion

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Their Fractured Light, Amie Kaufman, Meagan Spooner

Sinopse

Opinião: Ah, comecei o ano dominada por uma sensação, uma vontade, parecidas com o que me fez ler o Boundless da Cynthia Hand o mês passado: queria terminar mais uma série. Contudo, a minha reacção durante e após a leitura não podia ter sido mais diferente; não tive dificuldade nenhuma em voltar a mergulhar no mundo desta trilogia, e o livro não teve problema algum em cativar-me. Até posso dizer que deixou um pequeno vazio no lugar onde roubou um canto do meu coração. Fiquei curiosamente ligada a ele, tanto pela nostalgia dos livros anteriores e de rever os seus protagonistas, como pela história destes dois protagonistas.

A Sofia Quinn já nos foi apresentada no livro anterior. Veio de Avon e passou um longo ano a melhorar as suas capacidades e aprender novos truques; a Sofia é brilhante a ler pessoas e a enganá-las e manipulá-las conforme o seu interesse. Para ela, e com ela, é bastante difícil saber o que é verdadeiro, real, e o que é a pessoa construída para apresentar aos outros. É o conflito principal interno dela.

O Gideon também já é nosso conhecido. É o Knave of Hearts, um hacker que ajudou a Lilac e o Tarver no segundo livro. A sua motivação para ser o que é hoje vem de uma tragédia pessoal familiar; fez algumas coisas menos ortodoxas na perseguição de justiça para essa situação, mas vai compreender que os fins nem sempre justificam os meios. O seu conflito vem dessas acções e do impacto que tiveram em outrém.

Ambos juntam-se porque têm um alvo em comum: LaRoux, o homem à frente duma corporação multimilionária, cujas acções ao longo do ano têm feito tantas vítimas e inimigos. A Sofia e o Gideon são apenas mais dois, e o início do livro passa precisamente por se tentarem infiltrar na sede das Indústrias LaRoux para obterem uma forma de encontrar justiça e/ou vingança. Só que a coisa não corre assim tão bem, e acabam a juntar-se para sair dali e fugirem à perseguição de que são algo pela corporação.

E pronto, não sei se sei explicar porquê mas fiquei incrivelmente cativada pela história deles. São obrigados a trabalhar juntos por força das circunstâncias, já que nenhum é muito bom a confiar em ninguém. Mas os pequenos momentos de vulnerabilidade que se permitem são tudo: acho que me fizeram torcer mais por eles. Custava-me horrores quando a Sofia tentava repor a sua pessoa invulnerável e manipuladora, ou quando o Gideon falhava em compreender o que tinha feito, e pior, não ter sido honesto mal pôde quando compreendeu.

Contudo, foi delicioso de ler por causa disso. Dois personagens a resistir porque têm coisas a fazer e têm que ser feitas. Consigo respeitar isso. E ainda assim, partia-se-me o coração ver a Sofia pensar em trocar-lhe as voltas, usá-lo como forma de voltar a ter os pés assentes no chão depois de perder tudo; ou de ter vontade de gritar com ele por não estar a entender o mal que tinha feito.

Ainda mais para a frente, antes do clímax do enredo, eles têm um momento perfeito, adorável, delicioso, de partir o coração. É escrito duma forma emocional e incrivelmente credível no que toca ao percurso emocional deles; ainda não estavam completamente preparados.

E depois o final vem mesmo a calhar, finalmente a compreensão do que lhes escapava, de que há outra maneira de fazer as coisas. E isso permite-lhes permitirem-se ficar juntos, se assim o desejarem e se as circunstâncias deixarem. Não sei, há qualquer coisa neste percurso que me caiu no goto e se mostrou particularmente realista para mim. Não sei explicar o quê. (E só tenho pena de não terem mais tempo de antena e poderem explorar este aspecto.)

A primeira parte do livro é muito sobre a Sofia, o Gideon e a Sofia e o Gideon, mas também sobre avançar o enredo particular do livro, e talvez um bocadinho do enredo geral da trilogia; mas a segunda parte é dedicada largamente a fechar com chave de ouro este último.

Tudo o que queríamos saber é respondido, a mitologia destas criaturas que têm vindo a permear todos os livros é francamente explorada. Esta segunda parte está recheada de surpresas quanto a elas e quanto à maneira como a narrativa evolui, mas diverti-me deveras a acompanhá-la. Gostei de explorar estes aspectos. (E de ler as páginas entre capítulos, da perspectiva das criaturas. Muito esclarecedora, e algo impressionante e assustadora.)

Também adorei a segunda parte por uma razão: a Lilac e o Tarver, e a Lee o Flynn aparecem! E bem! Foi tão excitante rever personagens de que gostei tanto. E dei-me conta duma coisa: não há livros suficientes a mostrar o depois de um casal se juntar. Eles a serem carinhosos um com o outro aos pares foi incrivelmente fofo, raios.

E pronto, adorei que os protagonistas dos três livros se juntassem para resolver a trapalhada que se andava a desfazer desde o primeiro livro. Algo de horrível acontece a meio da sua demanda, e é tão difícil manter a coragem e o espírito depois de uma tragédia tão grande (tanto a parte pessoal como a parte externa da mesma). Mas eles mantêm-se fortes, e conseguem juntos algo extraordinário que acredito que não conseguiriam separados.

Sim, aquele final matou-me da melhor maneira. A tortura foi enorme, pensar que as coisas iam correr assim. Mas suponho que posso dizer que obtive a minha satisfação na melhor maneira possível. O último capítulo é uma espécie de epílogo que deixa passar um pouco de tempo, o suficiente para vermos a reconstrução. E dá-nos uma notícia brutal que me deixou felicíssima de maneira parva, porque mostra um pouquinho do futuro de alguns dos personagens, e é glorioso.

E pronto, agora estou para aqui a fazer o luto desta série, com umas saudades enormes. Nem consigo acreditar que me tenha caído tão bem, especialmente este último livro, lido tão distante dos anteriores. Estou a ver que estão a aparecer umas séries giras passadas no espaço e/ou no futuro da humanidade, e estou a gostar de ver. Sei que vou ficar tristíssima quando terminar a série do Illuminae este ano, e ambas até partilham um autor (a Amie), portanto... vou torcer para que alguém continue a escrever séries do género? Ambas têm uma premissa e um tom que se coadunam, e gostava mesmo de ler mais. Muito mais.

Páginas: 432

Editora: Disney Hyperion

domingo, 15 de janeiro de 2017

Curtas BD: Graphic Novels da Marvel, vols. 26, 28 e 29

O Poderoso Thor: Em Busca dos Deuses, Dan Jurgens, John Romita Jr.
Ok... não estou a ver porque raios é que o Thor precisava de um reboot, mas eu claramente não andava a ler banda desenhada (não de super-heróis, pelo menos) nos anos 90, e por isso a coisa pode passar-me ao lado. Mas nunca fui muito à bola com esta história de o Thor estar ligado duma forma arcana a um tipo humano chamado Donald Blake.

Quero dizer, como é que isso funciona? Em termos físicos? Logísticos? Eles partilham um corpo? Uma mente? Duas mentes num corpo? São uma e a mesma pessoa ou duas diferentes que existem no mesmo espaço físico? São as perguntas que me mantêm acordada à noite. (Ou não.)

De qualquer modo, a maior parte das histórias com o Thor parece ignorar este pedaço de mitologia (ou então nelas o pessoal, muito avisadamente, fê-la terminar), e gosto mais do Thor em modo deus nórdico mesmo - os problemas domésticos dele parecem-me mesquinhos comparados com o tipo de coisas com que ele costuma lidar nos comics.

E portanto não sou fã de vir a ler um livro que pega na mesma premissa, um tipo que é "fundido" com o Thor. Ainda por cima foi trazido de volta à vida. E isto tudo pela razão mais estranha de sempre, o Thor sente-se culpado por o tipo ter morrido no meio duma batalha em que o Thor intervinha. Mas o Thor não teve intervenção directa na morte do tipo. É, infelizmente, um dano colateral, e seria uma boa forma de reflectir sobre o que acontece às pessoas comuns apanhadas no meio das lutas de super-heróis. Mas para este pessoal o mais importante mesmo é meter ali o Thor a ter de lidar com os dramas comuns da vida enquanto distribui porrada.

Fora isso (os dramas domésticos, quero dizer), a história pode vir a ser interessante, porque parece ter um âmbito mais épico. Peca por o volume terminar num cliffhanger. Mas parece promissor, com os conflitos entre panteões de vários deuses. E tem algum humor e alguns momentos em que revemos coisas da mitologia e história passada do Thor.

A arte do Romita, bem, entranha-se. Começo a conhecê-la, e dá algum conforto, estar familiarizada com ela. É adequada para o tipo de história. Começo a achar que ele não tem variedade nenhuma de expressões e desenhar caras, mas pronto. E acho que já sei de BD o suficiente para dizer que me parece que ele estava a canalizar o Jack Kirby e os seus Novos Deuses, o que é uma homenagem gira e adequada para os personagens que são deuses. (Houve um que me fez pensar duas vezes se não era o Darkseid ou um primo.)

1602, Neil Gaiman, Andy Kubert
Como se já não tivesse lido suficiente BD excelente do Gaiman este ano. (O ano passado, quero dizer.) Já tinha lido, cortesia da Devir há muitos, muitos anos atrás. E devo dizer, aguenta muito bem a passagem dos anos. Ainda é muito bom.

1602 reimagina o Universo Marvel se uma impossibilidade acontecesse e desse início à era dos heróis... centenas de anos antes. Essa presença foi, aparentemente, influenciadora da aparição daqueles que conhecemos como mutantes (conhecemos a versão original da equipa dos X-Men ao estilo século XVII), ou de mágicos e físicos (o Dr. Strange), ou de superespias e cegos com capacidades extraordinárias (a Viúva Negra e o Demolidor, respectivamente).

É tão divertido percorrer estas páginas e reconhecer as referências, por mais óbvias ou obscuras que sejam. (Calculo que algumas me tenham passado ao lado, mas enfim.) E melhor, os personagens que conhecemos estão indelevelmente inseridos no espaço e época em que existem. A descrição e apresentação dos mesmos são genuínas. Isto é mesmo a Inglaterra de Elizabeth I, e a Espanha da Inquisição. (E a Latvéria do Dr. Destino. Ehehe.) Mas é o tipo de trabalho que, depois de Sandman, esperaria do escritor.

O fim deixa-me triste e com vontade de ler mais, porque a premissa é tão boa que merece ser explorada. (Parece que foi.) A arte, por sua vez, é mesmo o tipo de coisa que aprecio. Adoro este estilo desenhado e pintado, e adoro as referências visuais no design dos personagens. Muito bom.

Eu, Wolverine, Chris Claremont, Frank Miller
Ah, estou a ficar um nada cansada de todos os livros em que o Wolverine é mau, mas "bom naquilo que faz". Nada culpa deste livro, que é o original, aquele que dita essa abordagem ao personagem, mas pronto. Não foi o que eu li primeiro, portanto leva com o meu cansaço acerca de tudo isto.

Este é interessante e ao mesmo tempo, não-tão interessante. Gosto da expansão que fazem à história pessoal do personagem, de entender a ligação dele ao Japão e como isso guia a mitologia do personagem. Gosto da ideia de uma história que fala de honra e guia os personagens com um código de comportamentos diferentes do ocidental, criando um choque de culturas.

Não sei se sou tão fã do tratamento de algumas coisas dessa cultura. A Yukio é fixe, mas um pouco cliché quando fica obcecada com o Logan. Acho que a Mariko podia ter mais garra, mais qualquer coisa. A história confina-a ao papel da filha obediente, mas ela podia ser isso e ainda assim ter uma certa personalidade. Algo que a distinguisse daquilo que os outros tendem a fazer dela.

Além disso, o pai dela morre às mãos do Logan, e ela no fim faz um discurso a desculpá-lo, que o pai tinha desonrado a família e merecia. Ideia? Devia ter sido ela a ter direito a essa morte. Seria tão fixe, depois de ser um joguete nas mãos dos outros, ela tomar rédeas do próprio destino. E tornar-se uma companheira à altura do Logan, no que toca a sangue frio.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

A Química, Stephenie Meyer


Opinião: Um dia hei de reler a série do Crepúsculo. Tenho saudades da voracidade com que esses livros se liam, a tábua rasa que era lê-los quando ainda não tinha lido mais nada no género, a tortura que era esperar pelo próximo livro, passar esses tempos visitando a página web da autora. Mas depois os filmes foram feitos, os problemas que a história tem foram apontados e tornaram-se difíceis de não ver, e o fandom implodiu e eu fugi na direcção contrária porque não tenho paciência para gente a discutir por coisas parvas. (E havia muita parvoíce nesses dias. Oh, se havia.)

De qualquer modo, sei que não seria a mesma coisa. Ninguém me pode impedir de olhar para esses tempos com nostalgia, no entanto. Suponho que isso terá tido algum peso na minha decisão de querer ler este livro. Estava curiosa. Queria saber se ela ainda seria capaz de manter a sua audiência cativa, se teria evoluído alguma coisa desde então.

A resposta curta: sim, e mais ou menos.

A resposta longa: bem, sim, manteve-me cativada por toda a narrativa. Mesmo nos tempos mortos da história (e houveram alguns, um pouco longos até), li com vontade, sem morrer de tédio. É uma coisa boa na minha perspectiva. A premissa é interessante, e o enredo dá reviravoltas excitantes o suficiente para manter o leitor a virar páginas.

O enredo podia ganhar um bocadinho com um ajustar da narrativa, contudo. Há ali um interlúdio na quinta com os cães - e eu gostei dos cães, eu adorei a ideia dos cães -, mas reconheço que pouco faz para avançar a narrativa, e irritou-me que o enredo forçasse os protagonistas feminina e masculino a ficar para trás. Não me pareceu do feitio dela, pelo menos, fazê-lo. Sim, gostei de conhecer os cães e ver o que era ali feito com eles, e ver as potencialidades deles, mas esta parte podia ser afinada que não perdíamos nada com isso.

Também há ali uma parte antes do clímax em que os personagens andam a fazer COISAS para o preparar, e acho que essa parte podia ficar mais clara. A maneira como isto tinha de encaixar com aquilo e fazer aqueloutro assim e assado é um pouco confusa.

Por outro lado, a parte inicial e a final são bastante excitantes por si próprias. A final porque fecha a história e fez-me roer as unhas um bocadinho, apesar de calcular que tudo se resolveria a meu contento. A inicial porque estabelece a premissa rapidamente e duma forma brutal. A protagonista anda a fugir há três anos, e as medidas que ela toma para se proteger são duma paranóia tal que assusta. Mas foram o que a salvou de três tentativas de assassinato antes, portanto podemos ver que são efectivas, ainda que incrivelmente complicadas. (Não consigo imaginar dormir com uma máscara de gás, mas uau. Belo pormenor.)

Quanto à evolução, bem... tenho alguns problemas com a maneira como certas coisas evoluem. Acho a relação dos dois protagonistas assim muito para instalove, toda aquela coisa da ligação intensa e rápida que não lhes dá tempo para se conhecerem e isso. É um pouco cliché quando eles estão a jurar devoção mútua e tudo o mais.

A segunda parte do meu problema é que ela inicialmente, por uma manipulação bem feita, tortura-o. (Era o trabalho dela antes de andar fugida.) E portanto a Stephenie tem estômago para fazer a cena, e é impressionante, mas depois não tem estômago para lidar com as consequências dela. Seria genial partir dessa cena e lentamente reaproximar os personagens, fazendo-os lidar com as consequências da mesma.

Mas o que ela faz não é isso. O Daniel basicamente parece não se importar de ter sido torturado (e nem sequer por uma boa razão). Ele simplesmente compreende que a protagonista foi manipulada, e continua a fazer-lhe olhinhos. Vá lá, ninguém é tão ovelhinha como isso. Teria sido mais interessante vê-lo interessado na protagonista, mas ter de lidar com o medo e impotência que a tortura lhe tinha trazido. Isso é que seria um bom tema para os momentos mortos do livro. (Não a quinta dos cães. Se bem que, já disse, a quinta dos cães é um conceito fabuloso. Apenas não para este livro.)

Por outro lado, gosto da inversão de papéis entre eles. A Alex é a predadora, a alfa na relação, o Daniel o beta, inexperiente no jogo de espionagem, sempre a meter a pata na poça. (O Daniel é basicamente a Bella, em muitos aspectos.)

E tenho a dizer que a descrição da psicologia da protagonista é algo impressionante. A Alex (é o nome que ela usa na maior parte do livro, mas não o seu nome real, e nem sequer o único que usa - e a narrativa faz um bom trabalho a mostrar quando ela veste a pele duma nova personagem) está fugida dos patrões há três anos, e como disse ali em cima, a paranóia com que toma cada acção é impressionante. As trocas e baldrocas que ela faz só para se aproximar dum antigo patrão são fantásticas.

Melhor, gosto imenso da premissa do que ela é. A Alex foi contratada no passado para trabalhar para o governo, numa agência secreta sem nome que a pôs num laboratório hipermoderno, a criar todo o tipo de substâncias - com o propósito de serem usadas em tortura, sem deixarem marcas. De início era só no laboratório, e a perspectiva de ajudar o país, travar crimes e mortes era apelativa.

Mas depois ela começou a ser escalada para aplicar as substâncias, e um dia ouve algo que não devia ouvir. Ela nem se apercebe da importância, anos mais tarde nem sabe que é por isso que está a ser perseguida. Mas um dia uma tentativa de assassinato põe-na em fuga, e três anos depois aqui estamos.

Gosto mesmo desta ideia, é fascinante e talvez um pouco mais inteligente do que daria crédito à autora. Não é o tipo de coisa que se veria habitualmente num thriller, creio eu, e por isso, pontos bónus. Permite que a personagem seja uma heroína de acção, sem ser necessariamente uma espia - o que lhe permite cometer erros e meter os pés pelas mãos de vez em quando.

Destaque ainda para o Kevin. A revelação da relação dele com o Daniel parece uma coisa saída de uma telenovela mexicana, de tão óbvia que é. Mas são giros juntos. E gostei da personalidade dele e de andar sempre às turras com a Alex. Algumas cenas com ele são tão divertidas. E claro, a ideia dele de treinar os cães da maneira que treinou é fabulosa. Só me partiu o coração quando as coisas descarrilam na quinta. Espero que eles tenham voltado pelos cães.

Oh, e já agora? Alguém que escreva um livro para a Val. Parece ter uma vida imensamente excitante. Seria interessante ler algo do ponto de vista dela.

Por fim... acho que posso dizer que não é a reinvenção da roda, mas também não é tão mau como pensava. Suponho que as minhas expectativas eram bastante baixas, mas posso dizer que pelo menos é capaz de proporcionar um bom bocado em termos de leitura. Comprei este inteiramente com um vale e ainda bem que o fiz, porque se tivesse sido mesmo mau estaria a chorar o meu rico dinheirinho, mas depois de ler não me importaria de o ter apanhado com uns 20% de desconto.

Uma nota final, em que questiono a decisão da editora original de publicar este no dia em que publicou. 8 de Novembro, data da eleição mais histórica que os EUA poderão ter tido. A sério que foi boa ideia publicar isto nesse dia, tivesse dado a eleição para qualquer um dos lados? É a Stephenie Meyer, eu sei, mas nem ela move multidões desta maneira. Já não. Passaram-se semanas até começar a ver algumas opiniões de jeito no Goodreads. Parece que não estavam à espera de muito, nem sequer vi um marketing muito agressivo nem nada. Suponho que teriam as expectativas baixas e a partir daí tudo era lucro, mas mesmo assim...

Título original: The Chemist (2016)

Páginas: 544

Editora: Presença

Tradução: Maria de Almeida, Cristina Carvalho, Fátima Andrade