É curioso: ando a fazer encomendas de livros há quase seis anos e nunca tinha tido de lidar com a alfândega. É claro que normalmente encomendo livros do Book Depository, e coisas vindas da União Europeia não têm o mesmo controlo; e de qualquer modo, pensando nas poucas ocasiões em que encomendei livros da Amazon americana, livros são coisas de valor baixo que geralmente não chegam a um certo valor a partir do qual a alfândega inspecciona as encomendas.
Pois bem, foi preciso encomendar algo que não livros para ficar com encomendas presas na alfândega. E nem sequer foi electrónica; foi uma agenda dum site australiano (numa das encomendas) e foi material de papelaria, autocolantes e cartolinas coloridas e assim dum site americano (noutra encomenda). E para mal dos meus pecados, tiveram de ser as duas uma atrás da outra.
O problema de desalfandegar uma encomenda nem é o processo em si, que acaba por ser mais ou menos simples; é a informação que nos é dada. No meu caso, recebi um aviso de desalfandegamento, uma carta registada, que no caso das duas encomendas pedia o número de contribuinte e um comprovativo tipo factura, que indicasse o valor total pago pela encomenda.
O problema é que a carta me pareceu demasiado vaga. Não diz se podemos dirigir-nos à alfândega, em Cabo Ruivo, fazer este processo (podemos, e acelera imenso toda a coisa, o que também não nos é dito); diz que temos de enviar por fax ou carta ou e-mail esta documentação, mas não nos diz com que janela temporal podemos contar para depois desse envio recebermos a encomenda, juntamente com as taxas que temos de pagar.
No caso da segunda encomenda que referi, e a primeira que recebi, nem sequer foram capazes de escrever o nome do remetente completo; o nome da loja online começava por "The", e por isso foi "The" que eles meteram. Se não soubesse que era essa encomenda de que estava à espera, podia ficar ali tipo burro a olhar para um palácio. Como esperava este pessoal que eu levasse a factura correcta se nem sequer são capazes de me meter o nome do remetente, para saber qual factura lhe corresponde?
Parece-me que como a carta serve para muitos motivos de desalfandegamento, acaba por ser demasiado vaga. Tem um par de espaços para assinar, mas também não é claro se temos de assinar algum deles se enviarmos os documentos por correio. É pior que preencher o modelo 3 e anexos correspondentes do IRS... é claro que ambos são representantes de uma certa burocracia, e burocracia não é burocracia sem ser extremamente convoluta e desnecessariamente complicada.
O bom da coisa é que chegada à alfândega, o processo é muitíssimo simples, e ainda bem para eles, porque se querem que paguemos o raio das taxas, o mínimo que podem fazer é facilitar toda a coisa, em vez de ficarmos ali à seca como numa repartição de Finanças (nota-se muito que já passei valentes secas em tal instituição? e nem sequer foi para entregar declaração de IRS, thank God).
Essencialmente, para mim, foi só tirar a senha da alfândega, esperar pela vez respectiva, entregar a factura e o NIF, eles calcularem as taxas (existe uma que é aplicada ao tipo de produto, que no meu caso dava 0, e em cima dessa ainda temos o IVA), entregam-nos um papel, tiramos senha da tesouraria, metem em cima do valor já calculado a taxa de desalfandegamento, pagamos, passamos ao gabinete do lado, entregamos o comprovativo do pagamento, entregam-nos a encomenda, e voilá! Processo terminado.
(No caso da segunda encomenda que recebi, foi apenas um bocadinho mais complicado, porque a morada vinha do remetente mal, e não recebi carta de desalfandegamento. Consegui levantar na mesma, com algum facilitismo da parte do pessoal que lá trabalha. Mas lá está, o interesse deles é receberem o raio das taxas, se eu tinha como comprovar que a encomenda era minha...)
Isto parece quase um processo de rapto e resgate monetário de encomendas. Hmmm. A verdade é que contas feitas de cabeça, arrotei em média algo como 40% do valor das duas encomendas em taxas, o que não é brincadeira barata. Imagina se tivesse encomendado uma porcaria electrónica qualquer.
Em retrospectiva não estou propriamente feliz com ter gasto tanto dinheiro (não só nisto - no primeiro dia tive de ir de carro e levá-lo depois para o trabalho, o que me valeu ao fim do dia ficar sem metade do espelho do retrovisor direito, por obra de sabe-se lá quem); mas no próprio dia fiquei bastante aliviada por ter conseguido resolver a situação, especialmente na da encomenda com morada errada, que achava que não ia conseguir.
Enfim, é uma coisa a que todos nos sujeitamos ao encomendar algo de fora da União Europeia. Todo o processo parece bastante aleatório, o que é muito irritante, porque ninguém consegue perceber o que faz a encomenda ficar lá empatada.
No meio disto tudo só consegui perceber que há um valor limite para a encomenda chamar a atenção. Na Internet via mencionado 40 euros, lá na alfândega tinham um aviso a mencionar 20 ou 22 euros, se bem me lembro. A lógica destes valores é que ao aplicar o IVA o valor cobrado não pode ser menos de 10 euros. (Apesar de no caso dos 20 euros eu não estar a ver como isso é possível, mas no caso dos 40, faz sentido.)
De qualquer modo, qualquer coisa abaixo disso tem mais probabilidade de passar. É por isso que muitas vezes no remetente ou se declara que é um Gift (Presente), sobre o qual não se poderia aplicar taxas; ou se declara um valor mais baixo. Mas no caso de lojas mais grandes e conhecidas e "oficiais", parece-me que não é muito comum fazerem isso.
No caso de uma das caixas do Owlcrate, o valor declarado era 18 dólares, como sempre, o valor do livro, mas como as abéculas de preenchimento do autocolante da alfândega de lá meteram "Book and merchandising", a palavra merchandising chamou a atenção da alfândega de cá. A encomenda chegou-me sem taxas, porque acharam que realmente valia aquele valor, mas tinha sido claramente aberta. Foi a única vez com o Owlcrate.
Aqui o que facilitava o processo todo era as lojas incluírem uma cópia da factura dentro da encomenda, coisa que eu achava que era comum e bom senso, porque sempre recebi encomendas do Book Depository e dentro de Portugal, e toda a gente faz isso. Mas lá fora pelos vistos não. Ambas encomendas internacionais, ambas viajaram metade do mundo, e ambas sem factura ou recibo ou coisa parecida.
E até a Amazon costuma meter um papelito com o valor dos produtos... estes sites não têm a dimensão deles, mas são bastante conhecidos dentro da sua área, por isso não sei o porquê da não-inclusão da factura. Não era um papelito que ia aumentar dramaticamente o peso da encomenda e os portes.
E pronto, aqui termina a minha aventura com a alfândega, duas vezes num mês, tendo eu passado seis anos a encomendar coisas internacionalmente sem nunca ter sido apanhada. Gostava de voltar a encomendar nos sites que encomendei, porque gostei dos produtos deles, mas se for para voltar a repetir a piada... vou à falência.