Opinião: Céus, quanto tempo levei eu a escrever a opinião deste livro. Acabei-o há cerca de um mês; mas é um favorito, por uma autora favorita, e isso dá-me sempre relutância em opinar. Já sei que vou passar o tempo todo a babar-me para o livro e a dizer bem.
Ainda por cima este é um caso especial: consolidou em mim a ideia que vou gostar sempre de tudo o que sair da pena desta autora, mesmo que não concorde com algumas coisas em particular que ela faça na sua história. Há poucos autores que façam o que a Sarah faz que não me ponham a resmungar por o terem feito. Acho que é isso em particular que faz dela uma autora favorita.
Este livro é marcado por uma viragem na narrativa (que tem vindo a ocorrer lentamente ao longo do últimos dois livros, e aqui se cimenta) e no modo como o mundo de fantasia presente é abordado; e isso é acompanhado pela minha observação do quanto a série evoluiu ao longo do anos. Nem parece o livro em que peguei há pouco mais de quatro anos. O Throne of Glass era bastante mais intimista na abordagem; os personagens eram mais próximos, a narrativa mais emocional. O elenco era pequeno e era muito fácil ligarmo-nos aos protagonistas.
Era o embrião de uma ideia que veio a dar frutos tão ricos. Em comparação, Empire of Storms é bem mais vasto no âmbito, no modo como aborda a narrativa e explora o mundo. É bem mais próximo da fantasia épica mais conhecida, com um elenco mais alargado de personagens (que a autora continua a conseguir caracterizar lindamente e a cativar-nos), um enredo que se divide por vários locais e personagens e converge num final intenso e emocionante, deixando o destino de um ou mais personagens em suspenso.
A evolução da autora é extraordinária; ela consegue gerir um enredo com vários pontos sem deixar cair nenhum (bem, há um particular que está obviamente ausente, mas lá chegaremos), consegue caracterizar um elenco de personagens semi-principais lindamente, fazendo-nos preocupar com cada um e com o que lhes acontece (diria que ainda foi mais divertido acompanhar os "semi" que os principais), o enredo em si cavalga sem soluços, de forma delirante e cativante até ao final, sem parecer que se perdeu ali pelo meio.
Melhor, a escrita da Sarah é absurdamente envolvente. Há algo nela que sempre me encantou e me fez sentir mesmo ligada a ela. Penso que descobri a razão, ou parte dela: a Sarah tem as mesmas referências de fantasia que eu. Há coisas nos livros dela que eu quase consigo ler como homenagem a este ou aquele livros; ela tem noção das histórias mais importantes no género, dos arquétipos e tropes prevalentes, e brinca com isso, fazendo a sua própria coisa. Isso agrada-me imenso.
Falando mais especificamente sobre o livro em si: acho que vou abordá-lo por conjuntos de personagens. As várias linhas de enredo acompanham certos personagens em grupos e será certamente mais fácil para mim comentá-los assim. (Provavelmente vai ter spoilers. Há coisas que eu não vou conseguir comentar sem spoilers. E vai ser muito longo. Temos pena. Neste caso tenho de falar de tudo. Tenho mesmo.)
Sobre a Lysandra e o Aedion: adoráveis. O Aedion é um personagem bastante interessante por si só, e tem uma posição única na vida da Aelin; mas as melhores cenas dele são com a Lysandra. Parece um cachorrinho à volta dela. Há uma cena em especial, em que ele faz um comentário sobre casamento, em que aquilo foi a coisa mais Sangue que eu li fora dum livro da Anne Bishop. (A Anne é uma das tais referências de fantasia que eu e a Sarah temos em comum, disso tenho a certeza.)
A Lysandra, particularmente, é uma personagem fascinante. A força dela não é exactamente em ser uma guerreira - ela é uma sobrevivente. E isso dá-lhe uma garra especial. É discreta, aprecia as suas capacidades, é imaginativa com elas. Há um par de cenas de acção dela que são extraordinárias, de roer as unhas e morrer de medo. A rapariga é tão resistente. E tem fibra. Aquilo que ela concorda fazer no final, no entanto, entristece-me. A Lysandra está a conhecer-se a si própria, a redescobrir-se fora das amarras que tinha, e concorda "apagar-se" para ajudar uma amiga. É nobre, mas triste. Gosto demasiado dela para a ver assim.
A Elide e o Lorcan: a Sarah basicamente deu-nos com eles algo que não sabíamos que precisávamos. A ligação relutante que eles desenvolvem é fascinante, porque são tão diferentes e trabalham tão bem juntos. O Lorcan é caracterizado duma maneira que me agrada: assim é que se escreve um Fae desconfiado, velho, descrente de tudo; é cruel até, mas é lentamente cativado pela inteligência e engenho da Elide.
A Elide é extraordinária. Tem uma baixa auto-estima pelas suas circunstâncias, mas é a prova que há vários tipos de força, e nem todos são físicos. É muito inteligente e observadora, quase retorcida até no modo como pensa. Mas gosto do modo como pensa. Adorava que ela ficasse com o trabalho de mestre espia para a corte da Aelin.
A Manon e o Dorian: outros que nunca pensaria ser possível, mas a modos que fazem sentido juntos, pelo menos nos moldes em que vimos até agora. Uma ligação relutante, formada em moldes não exactamente românticos, mas consigo vê-los a ser um par no futuro. Certamente não um daqueles pares peganhentos como outros que poderia mencionar (já lá vamos), mas creio que podiam funcionar, gosto muito da ideia.
O Dorian, bem, nunca pensei que viesse a gostar tanto dele. No início achava-o irritante por causa da mania que tinha de ser um playboy, mas a sua evolução tem sido extraordinária. O sofrimento que passou, as lutas internas que travou... isso deixou uma marca. Por um lado um Dorian mais sóbrio, mas também um mais seguro no seu poder e suas capacidades. E um Dorian talvez um pouco mais inclinado para a adrenalina e para situações que o fariam recuar no passado.
A Manon, bem, é outra personagem extraordinária. Aliás, todas as personagens femininas da Sarah são magníficas. Mas a Manon é especial. Evoluiu tanto. Desde o início que tem vindo a subverter a autoridade de maneiras discretas, mas aqui tem de dar um passo importante contra o que lhe foi ensinado desde o início, e estou tão orgulhosa dela. Tem umas cenas verdadeiramente poderosas. A amizade dela com o Abraxos e com as Thirteen é linda, de emocionar, muito cativante de acompanhar. (E um aparte: gosto de como a Sarah deixa a Manon confortável no papel de monstro, sem desculpá-la ou cortar-lhe a ferocidade.)
Agora a Aelin e o Rowan: não sei, não consigo vê-los juntos, não consigo compreendê-los juntos. Não fazem propriamente sentido para mim. A evolução deles foi demasiado abrupta: no Heir (livro 3) eram uma ode ao poder da amizade, e gostava de quão platónicos eram; nem tudo tem de ser romance. Mas depois no Queen (livro 4) já eram todos "quero saltar-te para cima", sem nunca haver uma pista de interesse romântico, e agora (livro 5) são aquele casal meloso, sempre a esfregar-se um no outro, e que dá vontade a toda a gente de os mandar encontrar um quarto para resolver o cio. (Spoiler alert: eles encontram um. Mais ou menos. Não consegui levar a cena de todo a sério. É um pouco excessiva.)
Podemos acusar-me de não gostar do Rowan porque estava investida noutro par romântico da Aelin, mas honestamente nem quero saber, por mim ela ficava sozinha que ficava muito bem. E de qualquer modo, eu sei que a Sarah é capaz de fazer uma evolução subtil de um par para outro. Eu entrei no ACoMaF determinada a detestar o Rhys, e vejam que bem que isso correu. (Spoiler alert: nadinha bem. Até estou surpreendida com o quanto a minha opinião sobre ele evoluiu.) Eh. Eu quero gostar do Rowan, mas a Sarah não me ajuda, não me facilita gostar do par Rowan + Aelin.
Coisas que não gosto neles: o esfreganço. Uma coisa é um casal ser carinhoso, outra é parecer estar sempre no cio. E não consigo acreditar neles como um casal equilibrado. O Rowan terá sempre muito mais experiência, e sinto que a presença dele diminui as capacidades extraordinárias da Aelin.
Além disso, a Sarah parece escrevê-los como wish fulfillment, como a Mary Sue das relações: são perfeitos, têm poderes infinitos, são feitos um para o outro, nada os separa. Ela dá uma volta parva para fazer deles mates. E uma volta ainda mais parva para garantir que a Aelin tem longevidade Fae, por isso, alegria! Vão ficar juntos para sempre. Falta conflito. Todas as relações, românticas ou não, são uma constante negociação de sentimentos e pensamentos, de individualidade, de todos os obstáculos que a vida coloca. Não são tudo entregue de bandeja.
Em teoria creio que poderia gostar do Rowan, mas a Sarah falha em caracterizá-lo, dar-lhe POVs para o conhecer melhor. Faz muito melhor trabalho a descrever um Fae numa posição na vida semelhante com o Lorcan. O Rowan não fala por si mesmo no texto, e isso não é bom com a importância que é suposto ter na narrativa. (Até agora, a única virtude que lhe encontrei - ter muitos primos. Eh. Coisa importante para a batalha final.)
Não sei, acho que ela estava a tentar fazer do Rowan um Daemon, mas até ele e a Jaenelle tinham os seus problemas (para já, a longevidade curta dela, sem falar nas suas capacidades extraordinárias, e bem, salvarem o mundo e tal). Creio que o Rowan me soaria melhor como um Saetan, tal como o Aedion é claramente um Lucivar. (Muitas referências às Jóias Negras da Anne Bishop. Para quem ainda me está a ler, e não sabe o que é, shame on you.)
Quanto à Aelin, bem, continuo a gostar muito dela. Não é perfeita, faz asneiras. Mas esforça-se. Sabe-me melhor assim. Há uma clara evolução desde o primeiro livro, e só tenho saudades porque adorava a fedelha irritante que era a Celaena Sardothien. A lata dela! Felizmente, vemos um bocadinho disso numa certa cena. Gosto de como é corajosa e se arrisca, de como cai e volta à luta, de como não desiste. É arrogante, e não diz as coisas às pessoas, o que é perigoso, mas faz o sacrifício mais extraordinário, certificando-se antes que tudo fica alinhado para garantir a vitória aos seus. A Celaena não era capaz de tal presciência e sacrifício.
Quanto ao Chaol... bem, como disse, não me aborreço propriamente que ele e a Aelin não sejam um casal. Mas faz-me imensa confusão que o corte tenha sido abrupto, e que eles nunca tenham posto as coisas em pratos limpos, falado sobre o que os separa. Para pessoas que são supostamente amigas depois de tudo o que aconteceu... houve demasiadas discussões não resolvidas no início do livro anterior para eu acreditar nisso. Acho que na pressa de passar as atenções românticas da Aelin para o Rowan, a Sarah nunca foi capaz de resolver convenientemente estes dois.
O que mais me desaponta no meio disto tudo é que, pronto, ele não aparece de todo neste livro. De um dos três protagonistas no primeiro livro, passa a nota de rodapé neste quinto livro. A sério, ela mete três ou quatro comentários de outros personagens a pensar que ele está no sul, e que esperam que traga uma frota assim e assado, e pronto. Passamos ao assunto seguinte. Que balde de água fria.
Suspeito que haveria cenas com ele no livro na fase de edição, mas era tão longo que foram cortadas. Foi anunciada uma novela com ele, e calculo que as contenha. De certo modo, até percebo. Provavelmente o ritmo do enredo não resultaria tão bem. Mas custa-me ver um personagem importante assim cortado.
Além disso, a Sarah enterrou-se num canto com ele. É basicamente o equivalente do nosso mundo de um personagem com uma deficiência física, e ela não pode curá-lo magicamente sem isso ser bastante ofensivo. Mas se ela não o tentar fazer, a história dele ainda pode vir a dar boas surpresas, acho. Adorava que depois deste livro e dos acontecimentos dele, ele fosse parar a Wendlyn e mostrar que ainda tem muito para dar à história.
Mais coisas que gostei de ver: a louca da Maeve. Um cheirinho de Terrasen, se bem que não o suficiente. O modo como a mitologia expandiu e cresceu outra vez. A "surpresa" que a Elena tinha reservada. O modo como eu já sei (ou bem, tenho uma ideia jeitosa da coisa) como essa surpresa vai ser resolvida. Encontrar velhos conhecidos. As cenas de Pirate's Bay. (Menos uma delas... eh.) As cenas nos pântanos e como levam ao final.
Por falar no final... caramba, a Sarah quer que eu fique sem unhas de tanto as roer. Gosto de como acontece no seguimento das acções anteriores. Gosto de como a Aelin preparou tudo com tanta antecedência, deixando todas as ferramentas necessárias às pessoas que a acompanham. É épico na maneira como se desenrola, assustador, estranhamente credível a dar a ideia que está tudo perdido. É de partir o coração.
A única coisa que não me agrada nele é que deixa a Aelin numa posição de damsel in distress, de precisar de ser salva, e isso não é coisa que eu goste de ver associada a esta personagem extraordinária. Até estava a vê-lo acontecer, previ-o muitas páginas antes. Continuo a não ser fã.
E pronto, chegamos ao fim desta minha opinião muito longa. Bem precisava de pôr tudo isto por escrito. Para o ano vou precisar de me lembrar de tudo. E quão longo ele vai ser...
Portanto, este é um excelente exemplo de como eu posso não gostar nada de um certo ponto de um livro, e ainda assim adorá-lo e à sua autora. É claramente um livro 5 estrelas para mim, há tanto que me agrada e vai de encontro aos meus gostos que não podia deixar de ser. Apenas contém algo também de que não sou fã, e gosto da ideia de poder amar uma coisa e ainda assim apontar-lhe os defeitos, as coisas que menos me agradam. Estou confortável no meu adorar desta série, e por isso posso dizer o que bem me apetece. Agora vou voltar ali para o meu cantinho e sofrer pelo último livro da série durante mais um ano.
Páginas: 704
Editora: Bloomsbury