domingo, 28 de julho de 2013

Dracula, Bram Stoker


Opinião: Esta é uma leitura curiosa e algo ingrata para se fazer no século XXI, em que pedaços da história e da sua mitologia transbordaram para a cultura popular. Qualquer pessoa que leia o livro vai ter um século e meio de ideias e preconceitos sobre a figura do vampiro para colorir a leitura, e é capaz de ser difícil separar as águas.

Tendo dito isto, achei francamente divertido estar na posição de leitor conhecedor, que à medida que o relato do Jonathan Harker avança, sabe, com um sorrisinho sobranceiro, o que realmente se está a passar. Reconhecer os sinais ("oh, ele não aparece no espelho? nem aparece durante o dia? e tem uma reacção bizarra ao teu sangue e ao crucifixo? hmmmm") e saber o que significam, quando o Jonathan está às aranhas, a tentar perceber o que se passa, é uma sensação estranha. Mas consegui ler tendo em mente o quão este livro era uma novidade na altura em que foi publicado, e acho que consegui separar as coisas e apreciá-lo das duas perspectivas: a novidade e o livro com quase 150 anos que já gerou muita bagagem desde então.

O livro está escrito numa forma epistolar, cheio de entradas de diários, memorandos, notas, mensagens, telegramas, recortes de jornal e sei lá mais o quê. Agrada-me este formato. É um formato que abranda o ritmo de leitura e do enredo, mas é mais intimista e permite "entrar" na cabeça dos personagens. E a história tem mesmo um ritmo lento, mas não me custou que o fosse. Avancei devagar pelo livro, é verdade, mas isso também se deveu à falta de tempo. (Levei uma semana para ler o livro! Uma semana!)

E também é um pouco pelo inglês. Ler em inglês do século XIX é algo de extraordinário. O modo elaborado como o Bram Stoker escreve também pede atenção. (A chegada do Dracula a Inglaterra, no navio amaldiçoado, é algo de fabuloso.) O modo como o professor Van Helsing fala, sendo holandês, é algo atravessado. E temos a transcrição fonética de um par de personagens secundárias, cuja falas têm mesmo de ser lidas em voz alta para se perceber o que estão a dizer.

Apesar de ser um personagem que está ausente uma boa parte da história, a sombra do Dracula estende-se por toda a narrativa, criando uma atmosfera ominosa e influenciando acontecimentos mesmo quando não está presente. Gostei imenso quando as duas linhas narrativas (a do Jonathan e a da Lucy) se juntaram e quando *finalmente* os personagens começam a deslindar as coisas. O aspecto religioso é prevalente durante a narrativa, mas faz sentido, tendo em conta o período em que foi escrita, e transmite a questão mais geral do bem contra o mal, e da natureza do mal.

Como pontos fracos, posso apontar algo que também é um produto da época em que o livro foi escrito. A atitude machista e vitoriana, degradante das mulheres, e inerente em grande parte da história pôs-me a revirar os olhinhos sempre que podia. Podia apontar o subtexto da Lucy voluptuosa vs. obediente, e em como a primeira é a vampira maléfica sugadora de sangue e a segunda é a que recebe três pedidos de casamento no mesmo dia, a que tem a alma pura e que merece ir para o céu.

Ou o facto de estarem a apontar sempre a Mina como corajosa e inteligente e louvável (como se fosse algo de extraordinário! uma mulher inteligente, valham-nos os céus!), mas depois terem aquela ideia parva de a deixar de fora para a "proteger", o que, era óbvio, ia dar asneira. Se bem que a maneira como ela ignorou certos sinais, que àquele ponto, sabendo o que eles sabiam, eram óbvios, me deixou de pé atrás. É no que dá a política da compartimentalização, que ainda por cima aqueles palermas tentam aplicar uma segunda vez. (E que felizmente é varrida para baixo do tapete rapidamente.)

Entre os vários personagens, fiquei intrigada com o Renfield, um dos pacientes do Dr. Seward, e vítima do Dracula. A obsessão dele com consumir vida, derivada daquilo que o Dracula faz, é muito interessante. Também gostei de seguir a narrativa do Dr. Seward, acho que é um bom personagem. O professor Van Helsing traz uma perspectiva interessante, já conhecedor do mal que enfrentam, mas desejava que não tivesse mantido durante tanto tempo o segredo do que estavam a enfrentar, porque acho que não ajudou nada. Também gostei de seguir as entradas do diário da Mina, porque apesar do que apontei, acho que ela faz o melhor que pode dadas as suas circunstâncias.

Quanto ao fim, pode ser algo anticlimático, mas para mim funcionou. Apesar de todo o poder do Dracula, e da sua capacidade para o mal, há uma certa vulnerabilidade na personagem, devido aos limites do que pode fazer. E o fim explora isso. E dá a esperança que um grupo de pessoas a tentar fazer o bem consiga enfrentar o mal e vencer. O fim é algo moral, nesse aspecto, especialmente pelo sacrifício que exige.

Páginas: 368

Editora: Canterbury Classics

3 comentários:

  1. Tenho muita curiosidade em ler este livro..

    Indiqui-te numa Tag lá no blog gostava muito que respondesses.. beijinhos*

    http://diariodachris.wordpress.com/2013/07/30/tag-verao-com-leituras-original/

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  2. Olá p7. :)

    Infelizmente ainda não tive a possibilidade de ler este clássico, do qual já ouvi falar tão bem. :) Gostei da forma como descreveste a obra e da forma como a obra está disposta, como referes por recortes, pedaços de diários, parece bastante original e "intimista", como ressalvas. Penso que nos permitirá apreciar a obra de uma forma ainda mais especial. Se tal poderia ser possível, fiquei ainda mais desejosa de experimentar a obra. :D

    Beijinhos e boas leituras*

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  3. Quando tiverem oportunidade de ler, meninas, espero que gostem. ;) É um clássico que vale a pena. ^-^

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