terça-feira, 17 de junho de 2014

Uma imagem vale mil palavras: Maleficent (2014)

Gosto de retellings. Gosto da ideia de recontar uma história sob o ponto de vista de outra pessoa, e rever aquilo que sabemos, talvez encontrar uma surpresa ou duas pelo caminho. Uma história contada por pessoas diferentes há de ter versões diferentes, e é muito apelativo examinar essas versões e comparar o modo como divergem.

Portanto, acho que posso dizer que estava curiosa em ver como este filme ia abordar uma nova versão duma história tão conhecida como a Bela Adormecida. Um pouco relutante, talvez, também, em ver como iam lidar com uma personagem tão má, que acaba a amaldiçoar um bebé, e um reino inteiro por arrasto.

Fiquei dividida. Por um lado, o filme apresenta uma série de coisas que me agradam, faz funcionar uma parte do retelling bem, e mostra ter tanto potencial... por outro, não cumpre exactamente esse potencial, e em termos de escrita tem umas falhas mais lá para o fim que acabam por diminuir o significado do que tinha sido contado para trás, tornando a história mais fraca por isso.

Começando pelas partes que me agradaram, e que na verdade constituem assim qualquer coisa como 80 ou 90% do filme - portanto, pode-se dizer que são as partes mais significativas. Adorei o visual do filme, muito bonito, em particular as cenas em Moors, e algumas cenas que remetem para o filme da Bela Adormecida. Só me faltou bater palminhas de felicidade ao ver a Maleficent usar magia, porque pareciam mesmo as cenas originais, ou a piada visual com o bolo que as fadas criam.

Em geral, gostei da readaptação da história que conhecemos. A Maleficent é apresentada como uma personagem simpática, que protege o seu mundo, e que tem uma boa razão para agir como uma bruxa malvada pelo resto do filme. (Com grande excepção para a maldição posta numa bebé indefesa que não lhe fez mal nenhum. O que se fosse bem trabalhado, poderia levar a uma hipótese de redenção. Mas note-se que eu disse se, e não quando. Já falo disso daqui a pouco.) Não gosto da ideia de ela ficar vulnerável às mãos dum palhaço como o Stefan, mas compreendo que isso encaixe com o tipo de pessoa que ele é.

Gosto muito da ideia da relação que se desenvolve entre a Maleficent e a Aurora. É enternecedor ver o interesse que ela desenvolve pela menina, deixando-se encantar pela bebé (quem é que podia resistir?), e aproveitando para trollar as fadas que cuidavam da Aurora sempre que podia. De forma muito relutante, toma a posição de uma espécie de guardiã e amiga da jovem, e as cenas delas estão cheias de potencial, ainda que não totalmente realizado. (Gostava de ter visto mais cenas delas em Moors, a cimentarem a sua aproximação.)


Ainda na questão de potencial não realizado, acho que fiquei desapontada com a utilização dos personagens do Diaval e do Príncipe Phillip. O filme tem uns tons feministas que me soariam bem, não fosse o facto de se basearem em não haver personagens masculinos fortes. (O Stefan não conta, que é a modos que um vilão.) O Phillip é um patetazinho que para ali anda, sem rumo nenhum, que só serve para nos rirmos dele. E o Diaval é um personagem engraçado, o sidekick perfeito... mas é um personagem tão interessante que merecia mais tempo de antena.

Chegamos ao meu maior problema: o fim. O filme é uma boa adaptação da história original, com pequenas e grandes reviravoltas que funcionam muito bem dentro da história que conhecemos - incluindo a cena do beijo, que é uma ideia fantástica.

Agora o fim... não faz sentido, não encaixa tematicamente com a história que foi contada no filme, e não encaixa logicamente com a história que conhecemos do conto. É demasiado... cor-de-rosa. Se formos com a premissa que o filme apregoa, que "a história que nos foi contada não é bem assim", temos de considerar que parte dos eventos do que realmente aconteceu são semelhantes ou ecoam o que está no conto. E até à cena do beijo, são-no.


E depois vem o fim do filme, que é completamente oposto ao conto. Acho que faria mais sentido um final mais trágico, que envolvesse a morte da protagonista, e em que o rei sobrevivia. São os vencedores que escrevem a História, e faria mais sentido que o conto acabasse como o conhecemos com este cenário, em que o rei pode contar a sua versão (distorcida), mas a Maleficent não.

A outra razão pela qual acho que o final devia ter sido mais trágico... a Maleficent nunca se redimiu do que fez, ao amaldiçoar a bebé Aurora. Uma espécie de sacrifício teria sido uma boa maneira de obter redenção, e encaixaria suficientemente bem com o conto para me satisfazer.

Portanto, é como disse no início - um filme bastante decente, bem giro durante 85% do tempo... e depois vem o final e borra a pintura toda. Nas mãos de um argumentista mais talentoso (ou talvez um que não estivesse tanto a tentar lamber as botas à Angelina), isto podia ter sido tão melhor.

4 comentários:

  1. Um final trágico, credo! Estás tão dark! Já não chega até hoje (e para sempre!!) ser uma pessoa traumatizada com a morte da mãe do Bambi e do Mufasa?? A Disney está proibida de me destabilizar mais na vida, as memórias chegam D':

    Ainda por cima este filme não é exactamente um retelling, é uma reinvention, como eles dizem, por isso tudo vale. Acho que faz sentido aquela coisa d' "a história que nos foi contada não é bem assim" porque é mais romântico ser o principe a acordar a princesa, e afinal as histórias ao longo do tempo vão ficando cada vez mais distorcidas, contadas da maneira que as pessoas mais querem ouvir, e neste caso, só a Aurora, que estava a narrar, sabia a verdade.

    Mas opá adorei a Maleficent! (Aquelas asa! <3) Podiam fazer uma sequela, e já se podia saber mais sobre o Diaval---ele em forma de corvo foi o que me divertiu mais durante o filme todo. Quando saí do cinema não me conseguia parar de rir porque só via ele com a patinha a embalar a Aurora enquanto as 3 incompetentes dormiam xD

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    1. Eu nunca vi o Bambi, e a morte do Mufasa nunca me traumatizou, por isso... :P

      Mesmo sendo uma reinvention, que honestamente parece-me que vai dar tudo ao mesmo, é só outra palavra para a mesma coisa... desde quando é que um final cor-de-rosa faz sentido? Nunca viste a Maleficent redimir-se, ou sequer arrepender-se do que fez à miúda, uma coisa que podia ter corrido muito, muito mal. A sorte dela é que correu bem. A única vez em que a vês tentar resolver as coisas é quando tenta levantar a maldição, e nem aí vejo arrependimento. (Se bem que aqui admito que possa ser culpa da actriz.)

      Eu nem preciso duma morte a sério, bastava-me uma morte ou sacrifício metafóricos, que mostrassem que a Maleficent se sentia culpada pela maldição. Porque nos dizem que ela gosta da menina, mas às vezes são muito maus a mostrar isso.

      Além disso, agora que penso nisso, este final cor-de-rosa ignora muitos problemas que surgiriam da morte do rei. Por um lado, se a Aurora quisesse assumir o trono, haveriam problemas em reconhecê-la como herdeira, por ter vivido toda a vida fora do castelo... se não o quisesse e ficasse apenas em Moors, a guerra não acabaria. Porque basicamente o rei deles morreu às mãos duma habitante de Moors, e parece-me que as pessoas do castelo, sem ninguém para os liderar, iriam procurar vingança.

      De que maneira for, fico com a sensação que o final cor-de-rosa foi feito só para termos um final cor-de-rosa, e não porque a história e os personagens tivessem feito por merecê-lo. :/ O que é pena, porque o resto da história é boa.

      Eu diverti-me imenso com o Diaval a queixar-se de ela o ter transformado num lobo. xD Gostava de ter visto a reacção dele a transformar-se num dragão... :P É o personagem mais underrated do filme todo... ;)

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    2. Nem vejas! PESADELOS.

      Ora bem, a meu ver ela redimiu-se durante os anos todos, ao criar a menina, mesmo de longe, não estou a ver a Aurora bebé a sobreviver uma semana com aquelas 3 malucas. Acho que no fundo ela via-se na Aurora, tão inocente, tão feliz, a dar-se com todas as criaturas da floresta, e pronto foi percebendo que a miúda era mais uma vítima na história. Mas é verdade, se calhar podiam ter mostrado isso melhor no filme. Ainda por cima o pai nem queria saber dela, não faz sentido nenhum mandá-la para longe para ser criada por estranhos durante anos.

      Suponho que ela ia ser reconhecida como a herdeira quando chegasse ao castelo com as fadas madrinhas, mas não sei, há vários plot holes deste género na história.
      Olha por exemplo, quando a Maleficent chega ao castelo no dia do batizado, os súbditos todos viram que o rei mentiu ao dizer que a tinha matado, e ninguém disse nada, e até esse dia acho que ela nunca tinha tentado nada contra a população, ela só queria mesmo vingar-se da traição e das asas roubadas. Também não percebi bem o medo dos outros habitantes das Moors em relação à Maleficent, ela nunca lhes fez nada, só os protegia, tipo...oh totós porque é que têm medo?? Mais um plot hole.

      O fim pode ter sido cor-de-rosa, mas foi bem traumatizante ali a meio quando aquele animal arranca as asas à Maleficent.

      Ah sim, mas o Diaval no fim até parece que ficou todo contente por ser o cavalo e o dragão, era só a forma de cão/lobo que o irritava, que injustiça para os cães! xD

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    3. Bem, se pensarmos nisso, o próprio conto tem uns buracos estranhos. Não precisavam de mandar a miúda embora, bastava colocá-la numa redoma de vidro até depois dos 16 anos. xD E a lógica de voltar no dia dos anos é nula, devia voltar no dia seguinte, depois do perigo passar. Aqui no Maleficent ainda tentaram abordar isso, uma das fadas achava que era para voltar no dia seguinte.

      Oh, ele é o rei, o que é que interessa se ele mentiu? Quem o sugerisse ainda perdia a cabeça. (Literalmente.)

      Sim, a relutância de alguns habitantes dos Moors em relação a ela era estranho... especialmente porque outros a adoravam desde miúda. :S

      Fiquei a pensar porque é que não deixaram a fada verde dar o seu dom... no filme da Bela Adormecida, serve para que a fada verde faça com que o dom seja uma atenuação da maldição; mas aqui, a própria Maleficent faz essa atenuação, por isso a fada ser interrompida não serviu para nada. :S

      Eu achei que ele ia fazer pior que tirar as asas... ainda acho que é capaz de o ter feito. :/

      Bem, pelos vistos são mesmo os seres caninos, que como ele diz, são inimigos dos pássaros. xD Ele a queixar-se era tão divertido! :D

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