quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Manifesto de Como Ser Interessante, Holly Bourne


Opinião: Ok, este livro foi uma surpresa. Eu sei que digo isto com alguma frequência nos parágrafos iniciais das opiniões, mas é algo que me vai acontecendo bastante, felizmente. Desenvolvi um certo sexto sentido para apreciar livros quando primeiro ouço falar deles, para perceber se é coisa que me venha a agradar, e evitar coisas que não sejam a minha onda; no entanto, também tento arriscar-me um pouco, pegando em coisas que não sejam obviamente a minha cara, ou sobre as quais não consigo formar uma opinião sobre se devo ler ou não.

E tantas vezes tem-me saído a sorte grande e tenho ficado agradavelmente surpreendida; é o caso deste livro. Pela sinopse e aura que emana, achei que era mais ao estilo comédia romântica, com a protagonista a tentar inflitrar-se no grupo dos populares, a subir muito alto e a cair muito fundo, antes de aprender Uma Grande Lição e tirar Uma Grande Moral daquilo tudo.

Pois bem, nada a ver. Logo no início dá para ver que é um pouco mais sério e, bem, negro, que isso. A Bree é uma rapariga insegura, solitária, fechada em si, e tem uma auto-estima tão baixa que deixa vislumbrar outros problemas que mereciam acompanhamento.

É uma escritora aspirante, e depois do seu segundo romance ser recusado, começa a duvidar da vocação para a escrita. Alguém mais velho que ela (e numa posição de autoridade, mas mais sobre isso mais à frente) faz um comentário descuidado sobre como ela devia ser mais interessante, fazer coisas mais interessantes, que lhe permitam viver e crescer na escrita.

Ora isso desperta o bichinho na Bree, e ela lança-se numa investigação aturada de uma série de comédias românticas (aquelas que eu achava que eram o molde para este livro), e tira daí uma série de lições ou regras para se tornar mais popular e mais (na cabeça da Bree) interessante. E é tão dedicada a isso, é impressionante, a Bree esforça-se mesmo por sair da casca e fazer outras coisas, ainda que os seus objectivos e métodos sejam algo mal-orientados, e que, claro, as coisas descarrilem a certo ponto.

Gostei muito desta protagonista. A autora não se coíbe de mostrar aspectos menos agradáveis da sua personalidade e percurso, e eu gosto mais da Bree por isso. Há uma verdadeira curva de aprendizagem para ela, que compreende onde é que errou, o que fez mal, às vezes mesmo quando está a fazê-lo; gosto que a autora mostre o valor de errar e de aprender com isso, mesmo que a queda seja bem acentuada.

O percurso para se tornar interessante nem sempre é óbvio, e claro que apreciei as pequenas surpresas da história: como quando a Bree se abre a ter uma melhor relação com a mãe, ou entende que as meninas populares são pessoas como as outras, com inseguranças e dramas pessoais - apenas são melhores a escondê-los.

Tive pena que não se tivesse explorado mais a relação da Bree com o Holdo, o melhor amigo, pois eles afastam-se logo no início quando ela começa o seu projecto, e só se reaproximam no fim; tenho especialmente pena que o Holdo não tivesse sabido do que lhe aconteceu na parte final, e não tivesse podido estar lá para apoiá-la.

Há uma relação de carácter duvidoso com um professor, o tal na posição de autoridade, e achei bastante pertinente que a autora descrevesse a situação tão bem: a maneira como a Bree se lança de cabeça, sem pensar nisso, mas também deixando vislumbrar (e muito bem) as motivações por trás da figura do tal professor; a própria Bree chega lá, suspeita disso, mas descarta-o por estar embeiçada.

O comportamento desta personagem do professor nunca é de louvar, mas chega a um ponto extremamente baixo mesmo no fim: nunca imaginei alguém que se considere um adulto a portar-se de forma tão infantil, e tão cobarde. Deu-me mesmo vontade que fosse atropelado por um autocarro. Ugh.

Adorei, já disse, o modo como a autora descreveu o percurso da Bree, não fugindo a nada, e descrevendo sentimentos e modos de estar tão adolescentes e tão credíveis (o modo como a Bree se sentia em relação a uma peça de arte é tão interessante; dá vida à sua personagem duma forma tão verdadeira).

Mesmo na parte final, com os acontecimentos tão reais e actuais, apreciei ver a reacção da Bree à gravidade daquilo em que se meteu, e como ela não tencionava chegar tão longe; e gostei de a ver chegar aos poucos a um lugar de maior paz e aceitação com o estado de coisas e com quem é (e gostei do lado vingativo e tortuoso dela e do pai); aqui, a narrativa toma talvez um ligeiro tom moralista, mas nunca incómodo, e que faz perfeitamente sentido com a lógica da evolução do enredo.

Sim, portanto, como dizia, uma boa surpresa. Não seria um livro que leria se não tivesse sido publicado em português, e teria perdido uma boa leitura, algo diferente do que eu costumo ler (porque é que não publicam mais autores britânicos de YA?); por isso, fico muito contente de ter arriscado. De vez em quando gosto de o fazer, nem que seja para "votar" com o meu dinheiro e dizer àquela editora "sim, por favor, publiquem mais disto". Agora se me dessem ouvidos, era outra coisa.

Título original: The Manifesto on How to Be Interesting (2014)

Páginas: 424

Editora: Civilização

Tradução: Márcia Jesus Martins

3 comentários:

  1. Livro inteligente mas despretensioso! Prende o leitor.

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    1. É verdade, foi bastante cativante. Não estava à espera, nem de que tivesse tantos bons pontos a fazer. :)

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  2. Livro inteligente mas despretensioso! Prende o leitor.

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