sábado, 20 de julho de 2013

Watchmen, Alan Moore, Dave Gibbons


Opinião: Não costumo opinar BD num post isolado, pois comento-a há demasiado pouco tempo para me sentir à vontade a fazer um texto longo sobre a mesma, e de qualquer modo o que tenho a dizer geralmente não é o suficiente para preencher um post. Mas suponho que esta é a excepção à regra. Este livro tem tantas facetas que dão vontade de comentar, e merece um post próprio.

Escrito e publicado nos anos 80, Watchmen é claramente um produto do seu tempo, que nos apresenta um mundo alternativo e algo distópico - os EUA ganharam a guerra do Vietname, Nixon é o presidente dos EUA, e algo semelhante à Guerra Fria existe, mas com algumas diferenças cruciais. E o que provocou esta mudança?

A existência de super-heróis vigilantes (acho que vou usar mais esta palavra, que é uma aproximação e tradução melhor do original) na vida real, pois desde os anos 40 que pessoas normais pegaram em máscaras e se dedicaram a combater o crime. E a partir desta premissa, os autores apresentam um mundo muito convincente em que o aparecimento destes vigilantes foi o motor de mudança.

Os super-heróis de BD como os conhecemos têm uma função catártica e inspiradora, mas neste mundo são pessoas reais, com defeitos e feitios, e essa acessibilidade, e desilusão, por parte do público fez com que a BD de super-heróis não tomasse a preponderância que tem no mercado americano. Essa função é tomada pela BD com... piratas, que é em si uma noção bastante divertida. (Quase consigo imaginar a conversa entre os autores.) Mais tarde, os vigilantes perdem o mediatismo e o apoio do público, que sente que estão a roubar trabalho à polícia, e são banidos por lei. Os únicos que se mantêm activos são os sancionados pelo governo. (E um doido varrido que não consegue largar o vigilantismo.)

Watchmen apresenta-nos uma visão negativa mas lúcida acerca do tipo de pessoa que veste uma máscara para combater o crime. Estes vigilantes não são pessoas que inspiram pelo exemplo. São pessoas comuns, tremendamente humanas e complexas, com os seus problemas e neuroses, e os seus motivos particulares para se tornarem vigilantes (motivos esses raramente altruístas). É difícil a identificação com qualquer dos personagens por esta razão. Por se mostrarem em toda a sua imperfeição. O que torna fascinante este estudo psicológico dos personagens.

É muito curioso ver a evolução dos personagens na história. Um, com capacidades extraordinárias e uma posição privilegiada, deixa-se levar por um complexo de Deus e tenta resolver aquilo os problemas do mundo num esquema tão imperfeito que até dá vontade de rir. Outro, devido ao que é capaz de fazer, afasta-se cada vez mais da humanidade e perde o sentido do que é ser humano. Outro ainda tem uma moralidade distorcida, e vê as coisas apenas a preto-e-branco (falhando em ver os tons de cinzento), é violento, paranóico e a tender para o psicopata, mas é aquele que termina a história com a posição mais íntegra de todos.

O enredo avança lentamente, pois a história está cheia de pequenos detalhes deliciosos com ligação entre si e dedica um capítulo a muitos dos personagens principais e a explorar o seu passado. Adorei ler o livro aos poucos e descobri-lo aos bocadinhos. Os textos entre capítulos são tão bons, porque complementam a história do livro e mostram mais algumas das suas facetas. Contudo, nem todos os detalhes me convenceram. Estou ciente da importância e do significado do segmento dos piratas para a história principal. E seria uma coisa interessante de ler, se feita à parte. Mas dei por mim a resmungar cada vez que isto interrompia ou intercalava com a história principal.

A arte não me pareceu nada de especial, mas as cores e a evolução dos planos (que, ao que percebi ao ler por aí, é responsabilidade do Alan Moore e não do desenhador Dave Gibbons) dão um dinamismo particular à história.

Uma das críticas que tenho a fazer é o modo como certos assuntos são desenvolvidos, particularmente a caracterização das mulheres, que me pareceu fraca. A ler opiniões no Goodreads, li alguém a mencionar que o Alan Moore não estava à vontade naquela altura a escrever personagens mulheres. O que não é desculpa, temos pena. As mulheres não são um bicho raro, e não estão tão indisponíveis como uma tribo amazónica. Não é impossível passar um tempinho com elas, para conhecê-las ou para lhes pedir a opinião sobre como são retratadas. Ridículo.

O fim... bem, eu já vi o filme, e por isso tinha uma ideia do que acontecia. Não é igual (mas no filme, de qualquer modo, parece-me que resultou melhor aquilo que fizeram, porque tenho a sensação que o que acontece no livro ficaria ridículo no grande ecrã). É um fim desconcertante e desconsolador, e acho que é capaz de não vir a ter o efeito desejado. Tem algo de bizarro na sua concepção, mas a ideia base deixou-me curiosa. Apenas franzi a testa a ter o vilão a fazer o seu discurso "muahahah sou tão esperto", porque é tremendamente expositivo - e não poderia esta informação ser apresentada ao leitor de forma mais subtil?

Tal como o Kick-Ass faz a reflexão sobre vigilantismo no século XXI, com as redes sociais e a preocupação com os números de seguidores e em dar mais espectáculo, este contextualiza-o nos anos 80, com o que de negativismo estes comportam. É uma obra interessante, que vale a pena ler, e que dá muito que pensar.

Páginas: 416

Editora: DC Comics

3 comentários:

  1. Comigo foi o contrário, eu vibrava sempre que surgiam os piratas, sentia-me um rapazinho, eheh

    Eu vi o filme depois do livro e na altura achei que o filme está melhor e fazia mais sentido. Talvez fizeram-no mais acessível, é que realmente o livro tem tanto detalhe e densidade.

    O Alan Moore começou a carreira como desenhador, daí que não tem problemas em esquematizar as cenas, mas calculo que o Dave Gibbons ainda teve que desenhar de raíz.
    Há diferentes argumentistas, num extremo está aquele que apenas diz onde as personagens estão e o que dizem, noutro temos o argumentista que visualiza as páginas com tanta clareza que indica "timtim por timtim"

    Nunca reparei nisso da caracterização das mulheres, pareceu-me que elas estavam bem representadas e com o tempo de exposição como um dos outros.
    Há a cena entre a Silk Spectre e o Nite Owl, mas também aí não me pareceu mal...

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    1. Lol, compreendo o sentimento. Mas estava tão embrenhada na história principal que senti a história dos piratas mais como uma interrupção, apesar de perceber o que estavam a tentar fazer com a sua inclusão. ;)

      A minha experiência foi ao contrário, primeiro filme e depois aqui o livro. Mas pelo que me lembro do filme, está bastante próximo... hei de ver outra vez para comentar aqui. :)

      Oh, a minha queixa tem a ver com o tipo de história que é atribuído aos personagens. O Manhattan tem o ângulo do quase-Deus que cada vez mais está afastado da humanidade, o Rorschach a investigação e a moralidade duvidosa com que executa as coisas, o Ozymandias, bem, é spoiler. Pelo contrário, o destaque na história da Sally é o ela ter sido violada, e na história da Laurie é que ela é uma "kept woman", primeiro, e depois cai nos braços do Dan. Ou seja, as histórias delas andam à volta dos homens na vida delas, como se fossem apêndices da história destes homens, e não personagens de direito próprio. :/

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    2. Em retrospectiva, tens toda a razão. Lembro-me dos papéis de cada um, o Nite Owl é o Batman (as ferramentas), por exemplo. Mas mesmo a muito custo não me lembro qual o "super-poder" dela, para começar.

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