terça-feira, 5 de maio de 2015

Cruel Beauty, Rosamund Hodge


Opinião: A sério, eu estava inteiramente preparada para gostar deste livro. Aprecio ler retellings, encontrar os paralelos entre o original e a história que tenho entre mãos. Gosto muito do conto original, da Bela e o Monstro. E quando faço a lista das coisas que este livro tem, em teoria gosto muito de muitas delas. O problema é... a execução é na sua maioria fraca, levando a que a história falhasse em me cativar, tendo mesmo conseguido irritar-me em partes, e nunca conseguiu melhorar ou redimir-se.

Nem sei bem por onde começar... mas comecemos pela heroína, Nyx. No papel, eu gostaria muito dela. Tem uma certa garra derivada do seu percurso, pois foi treinada pelo pai para ser sacrificada num casamento com o Gentle Lord, o ser que domina a sua terra, fazendo acordos demoníacos com as pessoas. Nyx foi treinada para o destruir, sentindo-se preterida em relação à irmã, e nunca amada.

E adoro personagens com esse tipo de raiva, porque faz personagens mais interessantes, e porque os faz tomar acções e as rédeas da sua vida. De certa maneira, a Nyx lembrou-me a Ismae do Grave Mercy, que canalizou a sua raiva e desilusão com o mundo para ser uma assassina excelente. A diferença entre as duas... é que a Ismae é capaz de comer ao pequeno-almoço lingrinhas como a Nyx se veio a revelar.

Porque se a Nyx começa uma personalidade forte, torna-se num pudim tremelão mal entra na mansão do Gentle Lord. Ela entra com um objectivo muito claro - descobrir como derrotar o Gentle Lord -, mas mal o conhece e ao seu, er, "prisioneiro" isso vai pelo cano abaixo e perde metade do livro a oscilar entre os dois e a suspirar pelos dois. *facepalm*

O que me leva ao ponto mais controverso da história: o triângulo amoroso da história. Que, digo já, não é um triângulo amoroso no sentido estrito da palavra. Não é um triângulo de todo, mesmo. Só que é desenvolvido como um triângulo durante 80 ou 90% do livro, é irritante como um triângulo, fez-me sofrer com a sua parvoíce como se fosse um triângulo, e por isso para mim é um triângulo. Apesar de não o ser.

Sim, eu sei que isto não faz sentido nenhum. Mas é isto ou estragar a revelação da história.

Revelação essa que eu vi a milhas, já agora. Basicamente desde que os intervenientes apareceram. Mas não, a Nyx conhece o Shade e salta logo para a explicação mais convoluta que pode arranjar. Às vezes, menos é mais, e aqui a explicação mais simples era a correcta. E por isso, aqui encontrei mais um problema. Não consigo respeitar protagonistas que teimam em ser estúpidos.

Mais problemas com o triângulo: a oscilação da Nyx entre os dois, e o quão palerma soa durante o desenvolvimento da sua relação com eles. Primeiro, conhece o Shade, e apesar de ter sido treinada para desconfiar de tudo naquela casa, alapa-se logo a ele, dá-lhe um beijo na primeira tarde em que se conhecem, e passados uns dias está a pensar "ai demos um beijo, é como se ele me tivesse dito que me amava, coitadinho dele, é um prisioneiro do Ignifex mau, uhhh". *facedesk*

E isto tudo enquanto desenvolve um igual insta-love pelo Ignifex, começando por pensar em como ele parece atraente, e resvalando rapidamente para um "gosto dele! não! gosto do outro! não! o outro fez-me mal, gosto deste! mas não! este é mau, tenho de o derrotar, não importa que o ame!". Oh, céus. Alguém me mate para eu não ter de aturar tanta parvoíce.

No papel, eu gostaria muito de uma relação como a da Nyx e do Ignifex. Os diálogos entre eles são deliciosos e super-divertidos de acompanhar- Só que estão embrulhados no drama amoroso, e portanto nunca conseguiram cativar-me inteiramente. Acho que posso aqui atribuir um pouco as culpas à escrita da autora, que também nunca me conseguiu cativar no todo.

É claro que o enredo sofre por todo este drama. Passamos metade do livro embrulhados no drama amoroso, e o objectivo principal, derrotar o Gentle Lord e salvar Arcadia, fica assim um bocado de lado. A autora parece que só se lembra que tem de resolver o dilema de Arcadia quando já vamos a dois terços do livro, o que o torna bastante mal equilibrado. (Eu cortaria todo o drama do Shade, que não contribui nada para a história, e desenvolveria a relação da Nyx e do Ignifex, que é a verdadeira estrela em potencial da narrativa. Mas eu não mando nada aqui, infelizmente.)

O problema com o enredo é também que os grandes avanços no objectivo da Nyx são-lhe dados de bandeja. Sempre que encontra os Hearts, são-lhe mostrados pelo Shade ou pelo Ignifex, nunca é nada feito derivado de uma iniciativa dela, e por isso é muito desapontador ver aquela miúda com garra do início, aquela leoa, revelar-se um gatinho inofensivo.

Sobre o worldbuilding, há no todo coisas que gosto muito. Gosto dos traços da Bela e o Monstro que vemos na narrativa, e os pedaços de outros contos e lendas. Gosto que a história inclua elementos de vários personagens sobrenaturais. Gosto da casa misteriosa e labiríntica, e da questão dos acordos demoníacos. Até gosto do uso da mitologia grega em toda a coisa. A ideia do mix de todas as coisas é tão interessante.

E mesmo assim, ficou um pouco aquém das expectativas. Sinto que faltou um bocadinho de alicerce para isto tudo. Está bem, a sociedade tem influências claras greco-romanas, mas como é que isto começou? Como se desenvolveu? O isolamento de Arcadia teve influência nisso? Não é claro, e gostava que tivesse sido explorado.

A relação da Nyx com a família é fascinante, porque vê os defeitos e feitios dos seus com uma boa clareza, e a fúria em relação a como foi tratada durante toda a sua vida fá-la ter umas reacções e pensamentos fantásticos de acompanhar. Adorei a cena em que a Nyx se vira contra a irmã. Não foi bonita, mas foi genuína.

E falando da Astraia, achei tão interessante observar que enquanto que a vida familiar delas tornou a Nyx numa furiosa, tornou a Astraia numa fanática. De certo modo, também foi abandonada quando o pai se dedicou ao treino da Nyx, e vimos só uma fracção do que isso fez pela sua personalidade.

Quanto ao final, tenho sentimentos mistos. Afasta-se um bom bocado do tom do resto do livro; e em combinação com isso, as dificuldades com tive com o livro fizeram-me não ter grande vontade de torcer pelos protagonistas. Por outro lado, gosto muito do capítulo de, er, "historia alternativa", e do que isso implica, e da questão dos acordos e da aparição dos Kindly Ones (que me fizeram pensar em Fae, curiosamente). Gosto de como o conflito presente foi resolvido.

Bem... não sei mesmo como classificar este livro. Como disse muitas vezes por esta opinião fora, gostei da ideia de certos aspectos, no papel parecem-me perfeitos... mas depois falharam em cativar-me. Tenho a sensação que a escrita da autora não é cá das minhas, porque nunca me consegui apegar a ela ou à história, quando tinha tudo para isso.

Além disso, sinto que o livro precisava de mais trabalho, mais afinamento, para ser uma coisa bem melhor, e isso é tão frustrante, porque a minha experiência de leitura foi condicionada com o constante exaspero com a execução de determinados pontos da narrativa... e continuo a dizer, isto tudo quando eu estava inteiramente preparada para gostar do livro.

Páginas: Duração: cerca de 11 horas

Editora: HarperCollins

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