sábado, 27 de junho de 2015

Curtas (mais ou menos): Calvin & Hobbes


Estou quase, quase a atingir o meu objectivo de ter na minha biblioteca e (re)ler tudo de Calvin & Hobbes. O meu único obstáculo neste momento é a própria editora, a Gradiva. Começaram o ano passado a fazer reedições dos livros que estavam esgotados, mas o furor editorial parece ter morrido, e há um par de livros da colecção que ainda estão esgotados.

O primeiro é Plácidos Domingos (colecção das tiras de Domingo, habitualmente mais elaboradas e a cores, e que neste momento no site da editora está apontado para "brevemente"), e É um Mundo Mágico, que é a última colecção de tiras dos personagens, e que por isso é uma vergonha que esteja ainda por reeditar (e no site da Gradiva diz apenas "esgotado", no momento em que escrevo).

Enfim. Vou tentar viver com a decepção por mais um bocadinho. Mas lá que é aborrecido, é. Fiquei com a sensação que a Gradiva queria resolver o problema dos livros esgotados e respectivas reedições antes do Verão do ano passado, pois até tinham um calendário mês a mês do que pretendiam reeditar, mas já passou um ano desde então e ainda há livros esgotados. Por favor, é Calvin & Hobbes, tem 20 anos de edição em Portugal e continua a pedir que se faça reedições, não me podem vir dizer que não vende.


Adiante. Foi uma experiência engraçada, ler estes livros fora de ordem e de momentos tão diferentes na vida da tira, porque deu para observar as diferenças e evolução da mesma ao longo do tempo, e apreciar o trabalho de Bill Watterson na mesma. O Calvin do início era bem mais anguloso (é desconcertante, prefiro o Calvin mais do fim), e o Hobbes também passou por algumas mudanças estilísticas (nas patas, por exemplo).

Aprecio que o autor nunca tenha tido medo de fazer uma tira com personagens verbosos, porque às vezes as verborreias do Calvin são das melhores coisas de se ler. Um miúdo precoce a dizer coisas com que podemos facilmente concordar, a apontar as ironias da vida, a filosofar, a criticar o estado da sociedade e as coisas da vida... permite ao autor uma liberdade fantástica em termos de texto, e usou dela sempre que pôde.

Outro ponto mesmo interessante de observar é a evolução das tiras de domingo (Calvin & Hobbes: Páginas de Domingo 1985-1995 mostra bem isso). É conhecida a luta do autor por quebrar as regras altamente rígidas das tiras para jornais, os esquemas que eram obrigatórios seguir, para permitir mais flexibilidade ao artista e brincar com o espaço bem maior que tinha à disposição...

... e o livro em questão é tão recompensador de ler por isso mesmo. Nele (um catálogo de uma exposição das tiras dominicais), podemos ver as pranchas originais, os erros (a tinta era corrigida com fita correctora, o que é fascinante); e podemos ver como o autor ainda antes de expressar a sua frustração com o formato já tentava pintar fora da linha e fazer coisas inovadoras.

É impressionante uma tira em que ele fá-la funcionar colocando o texto e imagens importantes na metade de baixo da tira, para precaver cortes nos jornais que costumavam adaptar a tira, e mesmo assim, observando o todo, a parte de cima não parece supérflua, parece preencher melhor a imagem. Além disso, adorei (re)ver algumas tiras sequenciais, em que ele conta uma história fragmentada, muitas vezes sem palavras, de um modo soberbo.

Entre alguns dos meus enredos favoritos na tira, não posso deixar de mencionar sempre que o Calvin fazia bonecos de neve bizarros; quando no Natal se debatia entre ser um bom menino e receber presentes, ou lançar mais uma bola de neve; quando se debatia na escola para manter a imaginação sob controlo, ou resistia a mais um teste; ou qualquer interacção com a Susie, incluindo as partes do clube Livra-te das Raparigas Peganhentas (LRP). Mas também os momentos de introspecção, sozinho com o Hobbes, que é particularmente sarcástico e subtil, e eu adoro isso.

Entre os livros de Calvin &; Hobbes que li o ano passado, e estes, posso dizer que reencontrei uma tira que tinha gostado de ler quando era mais nova; e que adorei ler com um olhar mais atento, reinterpretar e perceber melhor aquilo que era dito (e o que não era dito). Ganhei um respeito renovado pela tira, e pelo trabalho do seu autor, porque entendo porque é que ele lutou para fazer as coisas como achava que era necessário fazer, em nome da sua arte.

É algo irónico ver notícias como esta, porque o autor nunca teve interesse em licenciar qualquer produto sobre os personagens para além dos livros, como está no seu direito de criador de um produto artístico. E quando aparecem notícias fofinhas como esta, e é um pouco estranho lê-las com a noção de que um peluche do Hobbes vai exactamente contra a vontade do autor, ainda mais porque a relação de um rapazinho com o seu peluche é precisamente a coisa explorada nas tiras, ainda que a verdadeira natureza do Hobbes seja deixada em aberto.

Ainda voltando às edições dos livros, não gosto nada que tenham decidido chamar A Última Antologia a um dos livros. Pode ser a última que publicaram em Portugal, mas na ordem original dos livros não o é, e tal palavra não consta do título em inglês. Nem faz sentido que a tenham publicado em último, porque está fora de ordem.

A outra coisa que não gosto nestas edições é que as capas são lindas, frequentemente com um detalhe e cores brutais, e a Gradiva nem no próprio site divulga as capas na página do livro respectivo com um tamanho decente para se apreciar. (E para usar em opiniões como esta. Foi um horror arranjar as capas para este post, são minúsculas ou estão cheias das tralhas de marca-de-água da Wook - que eu nem compreendo porque é que existem, porque os livros e suas capas não são deles para terem direito a fazer marca-de-água em cima -, e nem sequer pude fazer uma digitalização, como costumo quando não encontro uma imagem de capa decente, porque os livros são bem maiores que o tamanho A4 da impressora/scanner. Grrr.)

2 comentários:

  1. Adoro o Calvin e Hobbes!
    É uma das leituras da minha infância, quase que lembro-me de mim em pequeno a ler os livros. Gosto mais quanto mais envelheço. Um misto de nostalgia, claro, e de assombro.

    E estou parvo em saber que faltou à Gradiva reeditar alguns livros...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também os li quando era mais nova! Abençoada biblioteca da terra, permitiu-me ler tanta BD quando era miúda. :) E pronto, agora estou numa onda revivalista. Adoro poder reler com outros olhos, e entender melhor o que sai da boca do Calvin e do Hobbes. ^_^

      Pois é! O Plácidos Domingos não tem (ou não devia ter) prioridade, é um reeditar das tiras de domingo, de material já presente noutros livros... agora o É Um Mundo Mágico, o livro final? Não percebo a demora. :/

      Eliminar