quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Every Word, Ellie Marney


Opinião: Wattscroft, estão proibidos, ouviram bem, PROIBIDOS, de voltar a fazer-me passar por uma destas! Isso inclui-te a ti, Ellie, criadora e gestora de tanto stress pelo destino dos nossos personagens, sua malvada.

...

Oh pá, quem é que eu estou a enganar? Adoro isto. E já estabelecemos que sou uma leitora masoquista, por isso têm permissão para continuar a torturar-me, seus desgraçados.

Every Word começa algumas semanas depois do livro anterior, o primeiro da série. Aparentemente as coisas estabilizaram, mas um crime ocorrido em Londres, com circunstâncias bem semelhantes àquele que lhe levou os pais, leva James Mycroft a atravessar meio mundo sem dizer água vai. É claro que a Rachel Watts fica furiosa, primeiro, pelo subterfúgio, e depois preocupadíssima, sem saber como ele vai reagir a estar tão próximo de um acontecimento, uma época e um local que lhe trazem tanto sofrimento - e larga ela também para Londres, num repente de decisão e engenho como poucos.

Oh, céus. Passei uma semana a obcecar com o que iria dizer deste livro. Nos primeiros dias nem conseguia formular um pensamento coerente. (A não ser que coerente seja agora uma torrente histérica de fangirlismo, melhor dizendo.) Tive que me obrigar a afastar, a começar a ler outros livros, porque parece-me que hoje em dia só isso me permite a clareza de espírito para, bem, conseguir um mínimo de coerência depois de ter lido um livro que me encha particularmente as medidas.

Creio que o que eu gostaria de destacar mais, acima de tudo, é que amo a maneira como a Ellie Marney escreve as suas personagens. Se eu alguma vez escrevesse um livro, gostava de o fazer como ela, com o nível de realismo e credibilidade que lhes imprime.

É que os nossos protagonistas são adolescentes, e fazem todo o tipo de acções impensadas, e alimentadas a hormonas que qualquer pessoa da sua idade faria. Mas também... não são tontinhos nenhuns. Às vezes parece que os adolescentes de livros contemporâneos são um cliché, ou patetas irracionais, ou demasiado infantis ou assim. Parecem uma caricatura do que as pessoas pensam saber sobre adolescentes. (Digo dos adultos que escrevem, que geralmente já passaram por isso há algum tempo, e a sua memória deve ser selectiva o suficiente para os levar a isto - afinal, quem é que quer lembrar-se de toda a sua adolescência? O horror.)

Com isto quero dizer que a Rachel e o James são também relativamente maduros em algumas decisões que tomam, são relativamente razoáveis e racionais nas suas acções, e o seu processamento de emoções está próximo da idade adulta. Faltando-lhes só um bocadinho assim, um pouco mais de experiência e amadurecimento para poderem entrar nessa idade mística e elusiva que é a vida adulta. Oh, não sei se estou a fazer sentido, mas acho-os brutalmente credíveis, nunca infantis, é muito fácil empatizar com eles, e compreender o que fazem e porque fazem. Só lhes falta aquele bocadinho assim, que é o bocadinho que lhes permite ainda fazer uns disparates de vez em quando.

A outra coisa que eu adoro, e que acho que a Ellie faz fantasticamente bem, é escrevê-los como equipa e como casal. Há um equilíbrio nas atitudes deles, e entre as mesmas, que simplesmente faz sentido. A Rachel vai para Londres apoiar o James, mas nunca o deixa ser palerma com ela e nunca o apaparica. O James tem, compreensivelmente e merecidamente, momentos de tristeza e desespero em que tenta afastar a Rachel, por não se achar merecedor de coisas boas, mas nunca resvala para terreno de idiota paspalhão. Acho mesmo que tem um "spideysense" para nunca chegar a ser palerma. Podia ser tão facilmente o bad boy com uma bagagem que dava para encher um avião e que chega a ser mau para com a protagonista. Mas não é, há um pouco mais de nuance que isso. (Já disse que te adoro, Ellie?)

Oh, e como equipa detetivesca são fantásticos. As suas capacidades e formas de pensar complementam-se, e os mistérios que resolvem são complexos o suficiente, mas não impossíveis. Chegam lá com deduções, estudando as provas e testando teorias; e ainda, com uma sorte ou azar inenarráveis para se meterem no pior sarilho possível. (Mais sobre isso mais à frente.)

Acho que a Rachel tem uns desafios interessantes que lhe são colocados, como pessoa. Primeiro a reacção dos pais a ela basicamente fugir do país atrás do namorado, que compreensivelmente não será a melhor. Não que a Rachel não venha a ter razão, ao perceber muito cedo que as coisas podiam ter ficado mesmo más, mas podia haver melhores maneiras de lidar com a situação.

Depois porque os acontecimentos da parte final têm um efeito muito pesado sobre ela, e já conseguimos ver vislumbres disso. É uma questão que estou interessada em ver explorada no terceiro livro, porque ninguém passa pelo que eles passaram, pelo que ela passou, e sai sem marcas. Vai ser curioso, até agora o torturadinho era o James, mas penso que agora a Rachel tem direito a vestir um pouco esse papel.

Além disso, ela reconhece no final que algo mudou, que não consegue falar com os pais da mesma maneira, e isso é tanto um reconhecimento do como eles têm direito a estar zangados, como de que as suas experiências a mudaram. Que talvez esteja um pouco mais perto da idade adulta.

O James, oh bolas, coitado do rapaz, aquela cabeça está uma confusão. (És tão má, Ellie, com o rapaz.) A história dele é pesada e trágica, mas mais merecedor de atenção e compaixão é o que esse acontecimento fez a um rapazinho de dez anos que cresceu para se tornar um jovem de dezassete muito determinado e focado na área criminal e forense, precisamente por causa dessa tragédia - mas também cresceu para alguém que tem dificuldade em se determinar para além dessa tragédia, que não se sente merecedor de querer e esperar melhor, não enquanto não se resolver, e não resolver esse mistério. Certas cenas em que ele se expõe e revela são de arrancar o coração do peito.

A investigação ganha tracção na segunda parte, e eu nem queria acreditar que íamos passar o último terço do livro numa espécie de clímax da história, por encontrarmos o vilão do livro. Mas funciona. E adoro mais daquelas pequenas referências ao cânone sherlockiano. Como o Coronel, claramente um Sebastian Moran. Tão divertido na sua concepção, e tão assustador. Também há uma Irina Addington (Irene Adler, duh), e ela aqui tem um pequeno papel, tão pequeno que me pergunto se não aparecerá no terceiro livro, talvez com maior destaque. Talvez para fazer o mesmo que esta personagem faz em Elementary? (Ideia que eu adoro, já agora, mas aqui talvez não funcione tão bem.)

Esta recta final é cheia de emoção, e oh, tantas cenas deliciosas da equipa Wattscroft. O reencontro deles, a razão para se reencontrarem, o que passam naquele armazém, as confissões do Mycroft - que só tenho pena que a Watts não estivesse em condições de registar tudo, porque o que apanhamos é adorável. Oh, e a coisa da explosão, tão assustadora, e o retorno abastecido a adrenalina, e as reacções da Rachel a tudo. Que intensidade de acção, e que certeza me dão que vai tudo deixar sequelas.

Apreciei bastante a mudança de cenário, porque Londres é uma cidade fantástica para se dar a conhecer, e as descrições são vívidas o suficiente para evocar as cenas. Também gosto da ideia de toda a gente falar com sotaque britânico ou australiano. Adoraria ler/ouvir o audiolivro disto.

Gostei bastante da Alicia, porque foi um bom apoio para a Rachel, quando precisava, e uma boa conselheira, sem se impor. O Professor Walsh também foi alguém que se revelou interessante, e muito preocupado e interessado no futuro do James, sem ser condescendente. Senti falta da Mai e do Gus, que só vemos na cena inicial (a do roller derby, que soou muito fixe).

Também senti falta do Detective Pickup, que preferia realmente que Wattscroft parassem de se meter em sarilhos, portando-se como "adolescentes normais", mas que por trás se vê que se preocupa. Tem um pequeno papel recompensador nos últimos capítulos. Oh, e o director Conroy! Cheguei à conclusão que o imagino como o director da escola da Veronica Mars, e que imagino que o exaspero deste com ela é o mesmo do Conroy com o Mycroft.

E por fim, aquele tipo chamado Mr. Cole disse uma coisa tão intrigante no último capítulo, que eu simplesmente sei que tem de ser explorada. É sumarenta. Além disso, certas coisas anunciam um pretenso Moriarty para o nosso par de detectives, e a coisa promete. Estou a morrer de curiosidade. Venha lá o próximo livro. (Daqui a um muito longo ano, isto é.)

Páginas: 352

Editora: Tundra Books (Penguin Random House)

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