domingo, 14 de abril de 2013

A Laranja Mecânica, Anthony Burgess


Opinião: Estou frustrada e cansada deste livro, e posso dizer que não vai ficar para a história. Podia ser um grande livro, mas a minha sensação é que o autor perdeu-se no que queria transmitir exactamente.

Primeiro, temos a linguagem. Acredito que a sua criação seja uma coisa muito pensada. Depois de ter acabado o livro fui procurar saber mais sobre esta linguagem no texto original e de onde vêm as suas raízes, e alguns jogos de palavras são bem giros e bem-feitos. Mas será que acho que a linguagem "nadescente" ("nadsat" em inglês) é necessária para contar a história? Não. Como leitora, dificultou-me durante todo o livro o acompanhamento da história. Fui-me habituando ao uso de algumas palavras que aparecem mais, mas praticamente até ao fim tive de ir consultar o glossário, o que corta a fluidez da leitura.

E será que a linguagem serve a história de algum modo? Se o objectivo era mostrar-nos como esta juventude está perdida, acho que os actos de violência falam por si, não precisam do nadescente. Se o objectivo é afastar o leitor dos actos de violência descritos, de modo a colocar-nos na mentalidade desligada dos actos que o Alex tem, também acho que não era preciso. O modo como o Alex descreve o que faz já é em si desconectado da (i)moralidade que preconiza.

O meu segundo problema é com o protagonista, e com o modo como o escritor no-lo apresenta. É demais pedir por um personagem que seja mau, que saiba que é mau, que reconheça que é mau, e que não peça desculpas por isso? Pelos vistos, sim. O Alex é um adolescente, sim, mas apresenta traços de psicopatia, ou o que hoje é conhecido como Transtorno de personalidade antissocial. Ele comete violência sem arrependimento, as suas vítimas são despersonalizadas (nunca têm nome, são apenas homens, mulheres, velhos, velhas), ele agride, rouba, viola, e mata, sem qualquer respeito por nada e ninguém, mas é suposto eu ter pena dele?

Detestei o modo como o autor faz passar esta ideia. Como disse, no livro as vítimas do Alex são despersonalizadas, sendo apenas "coisas" na espiral descendente de violência do Alex, mas depois a sua narração é feita num tom de "ai coitadinho de mim, sou uma vítima do sistema". Não, não e não. Este desprezo pelas vítimas em favor da compaixão pelos apuros em que o criminoso se mete é um caminho muito perigoso de se trilhar, e horrível do ponto de vista moral e ético.

A minha edição não tem o famoso "21º capítulo". Felizmente. Parece que nele o Alex se "cansa" da violência e quer ter "uma vida normal" - dando o escritor a entender que a juventude está perdida, tem actos horríveis, mas, ei, hão de crescer e ultrapassar essas manias. (A sério, Anthony? Começo a achar que tens alguma coisa contra a juventude e a adolescência em geral.) Há tanto de errado com esta ideia que nem sei por onde começar. Mas simplesmente não acho credível que uma pessoa como o Alex se cansasse da violência, acho que esta o acompanharia pela vida toda. Acho que até podia conseguir dar a aparência de uma vida normal, mas nunca a teria na verdade. (Nem sequer expressa remorsos pelos seus actos. Como, exactamente, é que ia conseguir viver em sociedade?) Sim, a adolescência é um período conturbado, e alguns fazem coisas piores do que outros, mas convenhamos, aquilo que o Alex faz está num nível muito diferente do que aquilo a que se possa chamar "rebeldia adolescente, que se ultrapassa quando se cresce".

A terceira coisa que queria abordar, o livre arbítrio. É talvez a melhor coisa feita na história, a de o autor ligar o tema do livre arbítrio a um personagem tão moralmente repugnante, porque nos dá uma dificuldade acrescida, a de defender o direito de todos à autodeterminação, quando a vontade mesmo é de ajudarmos os cientistas a submeter o Alex à terapia de aversão, já que ele teve pouca consideração pelo livre arbítrio da suas vítimas. Aquilo que rodeia a experiência/técnica de Ludovico e as suas consequências é a melhor parte da narrativa.

Primeiro, porque nos mostra um sistema governativo (e um grupo de cientistas) pouco importado com a ética e a moral, e apenas focado em resolver um problema administrativo. Ninguém, a não ser o padre, pensa nas consequências de criar uma aversão no Alex à violência, que o obriga a escolher o Bem, simplesmente porque se escolher o Mal (a violência) fica com umas náuseas fortíssimas. O resultado é que ele não pode exactamente ter uma vida normal com este condicionamento. Nada de música (que foi usada no condicionamento), nada de sexo, o mais inócuo pensamento traz as náuseas, e com os empurrões certos o condicionado pode ser levado à loucura ou à morte.

Portanto o objectivo do governo e dos cientistas - inseri-la na sociedade e torná-lo num indivíduo normal - falhou, porque ironicamente a violência faz parte do ser humano (assim como os mecanismos que temos para controlá-la, como as regras sociais e morais, e o respeito por estas), e assim o Alex torna-se na laranja mecânica titular, um ser vivo obrigado a escolhas mecânicas e pré-determinadas.

E segundo, porque gera cenas, digamos, engraçadas. Que o Alex se confronte com algumas antigas vítimas, que estas o agridam, e que ele não se possa defender (mais uma recusa do livre arbítrio), é divertido, pela ironia de "cá se fazem, cá se pagam" que transmite. O momento climático acontece quando as duas facções políticas no país tentam usar o Alex para os seus propósitos. A primeira usa o condicionamento do Alex para tentar provar um ponto, fazendo asneira. E rapidamente a segunda usa isso em seu favor, chegando no fim do capítulo 20 a prometer dar um emprego ao Alex e inseri-lo na sociedade. Acho um fim mais adequado, já que a ideia que fica é que uma sociedade podre perpetua a existência de indivíduos e comportamentos podres.

Em suma.... É um livro interessante, porque faz um argumento convincente e complexo a favor do livre arbítrio, com nuances e sentido crítico. Mas também é um livro muito confuso, que me deu a sensação que o autor não sabia muito bem o que queria fazer com ele, que os pontos fortes do livro aconteceram quase por acaso, e que o autor não tinha muito bem ideia de que o que estava a escrever era incendiário. Uma confusão pegada, e uma da qual não vou ter saudades. Sou capaz de chegar a ver o filme, porque estou intrigada acerca da maneira como a história foi adaptada; mas de resto acho que não quero voltar a pôr-lhe (à história e ao livro) a vista em cima, tendo em conta que uma boa parte da leitura foi uma tortura, graças aos pontos negativos que apontei.

Título original: A Clockwork Orange (1962)

Páginas: 160

Editora: Planeta de Agostini (a partir duma edição das Edições 70)

Tradução: José Luandino Vieira

2 comentários:

  1. TeTe.. Deixei-te um selo lá no blog.. :D

    http://diariodachris.wordpress.com/2013/04/15/desafio-bloguivismo-selo/

    ResponderEliminar