quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Between the Lives, Jessica Shirvington


Opinião: Há uns tempos, estava eu a ler uma opinião num blogue, sem ter reparado sequer no título do livro, quando penso para mim "isto parece-me estranhamente familiar", Fui ver... e era o Disruption, desta mesma autora. Fiquei horrorizada. Eu que gosto tanto dela, e não me tinha dado conta que o mercado americano ia lançar mais um livro dela, e pior, eu ainda não tinha lido o anterior! Procedi a sentir-me imensamente culpada e a corrigir a situação.

É que, convenhamos, os livros anteriores dela que li, a série da Violet Eden? Suspeito que me estão tatuados no coração, ou no cérebro, ou lá onde é que me ficam os livros dos quais nunca mais me esqueço, aqueles que me ficarão sempre com um carinho especial. Há qualquer coisa na maneira como a Jessica escreve que ressoa comigo. Intensa, emocional, realista. E por isso, mea culpa. Distraí-me e de repente já tinham passado dois anos desde o lançamento deste nos EUA/Reino Unido (a minha edição é deste último).

A premissa deste livro tem, à semelhança dos livros anteriores da autora, um quê de ficção especulativa, mais a atirar para a ficção científica, mesmo, se bem que ainda assim firmemente enraizado na ficção contemporânea. Sabine é uma jovem de 18 anos que tem duas vidas. Antes da meia-noite está numa delas, depois da meia-noite, dá por si imediatamente na outra. Vive cada dia duas vezes.

Em Roxbury vive uma vida mais carenciada, revoltada com as suas circunstâncias, os pais são gerentes duma farmácia, e adora a sua irmãzinha mais nova. Em Wellesley, é duma família rica, e tudo aparentemente é perfeito - família, namorado, vida, amigos; até os pais são divorciados de forma amigável - mas a mãe é algo neurótica com a aparência, e não sente grande ligação aos dois irmãos mais velhos.

Sabine sabe desde sempre que as suas posses materiais não transferem de vida para vida; apenas o seu corpo e mente sim - e por isso, memórias e capacidades cognitivas existem nas duas vidas, e uma doença passa de uma para a outra. Só que, após o 18º aniversário, Sabine parte o braço numa das vidas. E as regras mudam. Dantes o braço partido passaria para a outra vida, mas não é isso o que acontece.

Sabine sente-se exausta de viver duas vidas, enganar toda a gente sobre a pessoa que é, e fingir muito do que é para benefício dos outros. Como vive cada dias duas vezes, tem em teoria o dobro da idade - 36 em vez de 18. E Sabine está farta. Depois de tanto tempo assim, ela só quer que acabe. E então começa a magicar sobre os efeitos da fisicalidade já não se transferir entre as duas vidas.

E se seguir essa linha de pensamento até às últimas consequências, o que ela estará a considerar é suicídio numa das vidas, para ficar a viver na outra. A inteligência da coisa é que a autora nunca deixa de sublinhar a gravidade dessa decisão, mas também faz acreditar que para a Sabine, é a única saída que ela vê numa situação que considera insuportável.

É também o que me agrada no livro: pega numa premissa de ficção científica, mas o como não é importante. O foco aqui é o impacto humano dessa premissa extraordinária; há um excelente trabalho de mostrar como algo muito fixe e aparentemente agradável a alguém, uma bênção, digamos, pode revelar-se também como uma maldição, algo insuportável para quem recebe este "dom", esta capacidade.

Também mostra que nem tudo é a preto e branco, no que toca à potencial decisão drástica da Sabine. A sinopse é redutora na exposição que faz da situação ("perfect life or perfect love"), mas realmente as vidas parecem perfilar-se nesses dois sentidos.

Em Wellesley, a vida parece perfeita, invejável. (Apesar de mais à frente a propria Sabine compreender que não, nem por isso, e ela estava a contentar-se com pouco, sabendo que podia ter melhor, sentir-se mais completa.) Em Roxbury, a vida é mais complexa, nuanceada... no meio das suas "experiências" com as duas vidas e o que transporta entre elas, Sabine é apanhada pelos pais, e conta-lhes a verdade...

... só que eles não acreditam, e internam-na, a pensar que está com um distúrbio psicológico, numa reacção bastante realista, mas também algo revoltante, pois parecem agir como se as aparências fossem mais importantes que a saúde dela. E é no hospital psiquiátrico que a Sabine, desesperada, abandonada, conhece finalmente alguém que está disposto a acreditar nela.

O Ethan, que se revela bastante intrigante, pela sua postura e atitude na vida, e pela sua inclinação para acreditar na Sabine. Há qualquer coisa nele que me faz desejar que a autora tivesse explorado mais o seu personagem, escrever umas histórias laterais no ponto de vista dele; é quase hipnótico, de fascinante que parece ser a sua personalidade.

O Ethan tem o seu próprio mistério, razões para querer acreditar; no entanto, é engenhoso, presta atenção ao que a Sabine lhe conta e apresenta-lhe testes que possam comprovar que ela diz a verdade. Eles passam uns dias fantásticos juntos; contudo, se eu pudesse fazer algo ao livro, actuaria nesta parte, que é a menos bem explorada.

Faria por desenvolver mais a relação deles; até poderia acreditar que uma semana chegou para se apaixonarem, mas teria de ver isso. Faltaram mais cenas com eles juntos, capítulos sobre o tempo que passaram juntos; em alternativa, alguns parágrafos em jeito de reflexão da Sabine já teriam sido suficientes, se mostrassem a intensidade dos momentos que passaram juntos. Faltou aprofundar esse tempo, para ser mais credível esse "perfect love" de que fala a sinopse.

De qualquer modo, é isso mesmo que faz a Sabine vacilar na sua decisão. Enquanto Wellesley parecia a clara vencedora no início, indirectamente o Ethan mostra à Sabine que tem muito por que viver na vida de Roxbury também. E ele bem tenta não influenciar a sua decisão ao máximo; sabe que se lhe revelar certas coisas sobre si mesmo, ela podia fazer tomar uma decisão precipitada, e por isso prefere não revelar uma parte de si mesmo.

É essa a verdadeira tragédia do livro. (No bom sentido.) Quando a Sabine começa a apreciar o que tem, o livro acaba. O final é agridoce, triste e com uma boa dose de esperança, e com uma pequena reviravolta que seria tão cativante, deliciosa de ver explorar. Mas a história termina aqui, em aberto, com um monte de possibilidades. Acho que é esse o objectivo, apreciar as possibilidades da vida. Mas morria se pudesse ser uma mosca e ver a cena final do livro evoluir para algo mais.

Ah, este livro não é tão perfeito como o que eu já li da autora. Merecia ter umas 50 páginas a mais, e explorar mais a fundo a sua premissa e a relação dos protagonistas. Mas é uma pequena boa surpresa. Gosto de como a autora pensa e de como decidiu explorar a premissa aqui, o ângulo que apresenta. Certamente vou continuar a lê-la.

Páginas: 336

Editora: Orchard Books (Hachette)

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