Opinião: Sou uma totó. Ando a arrastar os pés para escrever esta opinião há que tempos, raios. Tenho tido uma certa dificuldade em deixar este mundo, que se revelou tão imersivo para mim, em deixar estes personagens apaixonantes e um enredo tão envolvente. Sei que a série vai continuar de alguma forma, mas não se sabe como, e por isso este é o fim da trilogia, por agora.
Digamos que estou de luto por uma série favorita ter terminado; há uma continuação a 16 meses de distância, mas isso é como se faltasse uma vida inteira. No entanto, essa perspectiva também me anima. A Sarah conseguiu fechar bem a história - a certa altura, até eu duvidava, parecia que ainda faltava tanto que fazer -, mas tem montes de pontas soltas e pedacinhos de história por onde pegar, e que quero ver desenvolvidos.
Primeira coisa que quero abordar na história: as referências, a mitologia, o worldbuilding. Este cresce explosivamente, apresentando tantas personagens e bocados do mundo por explorar; e adoro que ela tenha incorporado tantos pedaços de mitologia conhecida. O mapa de Prythian é um paralelo óbvio à Grã-Bretanha e à Irlanda e ao Norte da Europa; por isso é mais do que adequado que a história se revele passar numa espécie de mundo paralelo/alternativo à Europa medieval que conhecemos.
Adorei vislumbrar pedacinhos de mitologia judaico-cristã (a história da Amren fez-me saltar do lugar), grega, ou russa. E como já tenho mencionado noutras opiniões, sei que a autora é fã de Anne Bishop, e esta trilogia parece ser um tributo particular à sua saga das Jóias Negras. Pequenas coisas nesta trilogia lembram-me dessa série, como uma homenagem subtil e bem-feita. E adoro sentir essa nostalgia.
Quanto a enredo: suponho que seria exequível escrever uma história mais curta e tocar nos mesmos pontos principais do enredo. Mas não era a mesma coisa. É por ser um livro tão longo que é riquíssimo no que inclui; e honestamente, consegue empacotar muito mais que 700 páginas de história. Souberam-me tão bem os pontos altos como os pontos baixos da acção; deu para saborear a história e deliciar-me com os novos detalhes apresentados. A derrota de Hybern é incrivelmente complexa, mas as peças mexem-se de forma irrepreensível e de forma a que me parece que nunca podia ser contada doutra maneira.
Coisas interessantes no desenvolver da história: primeiro, como a Feyre causa o caos na Spring Court no início, em jeito de vingança, e como isso volta para a lixar. Foi uma má decisão no grande esquema, mas uma necessária e bem compreensível naquele momento. O conselho de Fae e das High Courts foi hilariante, por todos os egos e dramas a decorrerem. Os detalhes que vemos das outras cortes (como os animais na Winter Court) são fascinantes. Oh, e alguns personagens a reter e que gostaria de conhecer melhor: Vassa, Jurian, Miryam e Drakon.
Gosto de como a história apresenta uma variedade de gente que foi quebrada e destruída de diversas maneiras, e de como se reconstroem e se curam de formas tão diferentes. É uma descrição de trauma tão credível e tão reconfortante: ver que o trauma não define os personagens, e que há vida para lá dele.
Gosto também de ver uma descrição tão positiva de certos aspectos da vida sob o ponto de vista de uma mulher: as amizades entre mulheres são inspiradoras, e também o é ver estas personagens femininas a lutar pelo que merecem, a não se contentar com menos, a serem assertivas e doces e duras e a imporem-se sem o mundo a fazê-las pedir desculpa por isso. Precisamos de mais livros assim.
Sobre os vários personagens... bem, a Elain acaba por ser discreta, está a recuperar, e gostava de a ver mais, mas tem um momento brutal no final. O Azriel também é discreto por natureza, mas a sua natureza bondosa mostra-se, e adorava ver mais do seu mundo interior. Ele e a Elain dão-se bem, e gostava de ver os dois juntos, talvez. Seria uma maneira curiosa de explorar personagens para além do mating bond.
A Amren continua a ser assustadora e indomável, e adoro como toda a gente tem medo dela, mas lá muito no fundo, ela é uma fofa. A sua história passada é super interessante e vou querer saber mais. O Lucien tem alguns momentos que esperava, outros nem tanto... uma revelação foi extraordinária, mas estava a reler a minha opinião do primeiro livro e talvez já aí a Sarah estivesse a plantar pistas disso. Coisas muito interessantes o esperam.
O Cassian é amoroso e tão despreocupado; já a Nesta é tão cativante, por ter um feitio tão retorcido. As coisas são muito difíceis para ela - pelo menos, de as deitar cá para fora -, e temo o dia em que ela expluda e leve tudo à frente. Estes dois juntos são tão engraçados; mas acho que o Cassian precisa de puxar mais por ela, ou ninguém vai a lado nenhum. Sinto que a Nesta precisa de ser provocada para sair da casca; mas ao mesmo tempo, o final parece ter deixado marcas nela. A coragem tremenda que foi necessária para fazer algo daquele calibre... uau.
A Mor... bem, é um pouco frustrante. Adoro saber um pouco mais da história dela, e adoro que seja uma tentativa concertada da Sarah para dar mais diversidade ao elenco - acho que ela está a aprender a fazer mais e melhor nesse aspecto. Mas não achei especialmente credível ter alguém enfiado no armário mais de 500 anos porque tem medo do papá. Percebo o instinto dela de proteger a sua vida do mal que a parte retorcida da Night Court lhe pode fazer, mas em todos os outros aspectos a Mor parece ter recuperado do mal que passou nas mãos deles. Seria de esperar que neste tempo todo tivesse aceite que pode ser ela própria e que procurasse a sua felicidade. Mata-me que no meio disto tudo um amigo viva pendurado da indecisão dela, que nem é capaz de ser honesta com ele. De novo, 500 e tal anos é demasiado tempo para arrastar a situação.
Sobre o Tamlin - eu já gostei dele, eu já o detestei, e não fui particularmente fã da maneira como as minhas emoções foram manipuladas em relação a ele. Gosto mais da sua caracterização aqui, é mais nuanceada. Tomou muitas decisões questionáveis, mas entendo porque achou que era o melhor para si e para os seus. Continua agarrado ao ódio e com uma perspectiva retorcida das coisas, mas tem um fundo bom e mostra-se à altura da ocasião, sabendo manter-se um líder estratega e lutando pelo que está certo. Tem espaço para curar e melhorar.
Deixei o melhor para o fim. Tenho gostado imenso de seguir a Feyre ao longo da trilogia. Tem um crescimento extraordinário; e os momentos que passou no início, os sentimentos e emoções que conhecia, retorcidos por vezes, foram fundidos e reformados num molde melhor. Está confortável na sua pele, luta pelos seus, é destemida e esforçada e determinada a enfrentar o seu pior e o seu melhor para ajudar os que a rodeiam, não se satisfazendo até conseguir o melhor para eles e para ela.
O Rhys tem sido uma surpresa ao longo da trilogia, uma acerca da qual eu ainda estou parva como foi tão bem desenvolvida e como me deu tão bem a volta. É muito cativante ver o seu instinto para continuar a sacrificar-se, a dar tudo pelos outros. De certo modo gostava de ler mais sob o seu ponto de vista, porque há ali um equilíbrio entre o líder experiente, a fachada de não se importar com o que as outras cortes pensam dele, e a pessoa que passou a sua quota-parte de trauma. Este último é algo pouco reconhecido e discutido pelos personagens, sendo a Feyre a pessoa que entende e reconhece directamente, mas uma discussão com tacto do assunto seria tão interessante.
Os dois juntos: gosto tanto, e nunca pensaria que isso viria a acontecer. Funcionam como uma unidade, mas tomam as suas decisões por si, são independentes mas uma frente unida na forma como cuidam dos seus e defendem a sua corte. A primeira vez que se revêem neste livro é amorosa, vão esconder-se para um canto a conversar e a dar festinhas um ao outro.
É difícil encontrar o equilíbrio entre ter um casal junto e não resvalar para o drama, mas ela consegue fazê-lo. Pontos bónus, porque gosto de ler livros em que o casal já é um casal a sério. E também aprecio o reconhecer de que o amor não resolve tudo: estas pessoas ainda têm um passado, um sofrimento que carregam e com o qual têm de lidar todos os dias; mas é simpático ver que ter alguém com quem partilhar os bons e os maus momentos traz conforto.
E numa opinião já muito longa, vamos ao final: terrível, dramático, de roer as unhas. A fasquia estava elevadíssima, algumas pessoas pagam o preço, tudo vai para o inferno, e o meu coração ia tendo uma síncope, que aconteceram coisas que eu não queria que acontecessem, apesar de tudo se ter resolvido pelo melhor. O bom do final é que traz uma série de gente que eu queria (re)ver, e adorei algumas pequenas surpresas.
E pronto, chegámos ao fim (da opinião). No fim de contas, acho que este e o A Court of Mist and Fury (o segundo) são os meus favoritos dela. Também tenho favoritos dela na outra série, mas estes ainda ficam um furo ou dois acima dos melhores dessa série. Vai ser tão doloroso esperar pelos livros previstos neste mundo, ainda mais porque nada se sabe deles - mas adoraria que fossem livros para explorar este mundo e as pontas que ficaram por atar. (E se fossem ao estilo romance paranormal, cada um dedicado a um casal enquanto explora o arco de história da série, melhor.) Também adoraria ler uma prequela: há eventos mencionados que seriam interessantes de ver descritos. Mas isso, agora, é alimento para uma futura opinião. Mal posso esperar.
Páginas: 720
Editora: Bloomsbury