terça-feira, 10 de março de 2015

Entre o Agora e o Sempre, J.A. Redmerski


Opinião: Esta é uma opinião estranha e complicada de fazer. Gostei muito do primeiro livro. Foi uma história cativante, com uma escrita absorvente e realista, que me fez virar as páginas vorazmente. No entanto, um certo desenvolvimento no final fez-me comichão. Para uma história tão realista, sobre quebrar com o que é esperado que se faça, acabou por tomar a via convencional, usou o cliché. Esticou um bocado a corda nesse aspecto. Além disso, a sinopse deste livro sempre me fez pensar que esse desenvolvimento seria desfeito, o que me fez na altura questionar ainda mais a sua presença.

O que tenho a dizer é que este último sentimento se estendeu a boa parte desta leitura. Oh, continuo a gostar muito da J.A. Redmerski e da sua escrita, de como ela escreve a sua história e os seus personagens, e posso dizer que apreciei voltar a acompanhar a Camryn e o Andrew. Apenas... questiono a existência deste livro. Não sei se trouxe algo de novo, e dentro da história que conta podia ter inovado. Assim, parece mais do mesmo, em partes. (Irónico se tomarmos em atenção que os personagens neste livro se tornam quase doutrinários ao falar de não fazer o esperado. Não era preciso tanta veemência para depois dar um tiro no pé.)

É que depois da "tragédia", a Camryn e o Andrew voltam à estrada, para se "reencontrarem", e os caminhos que percorrem são diferentes do livro anterior, mas a viagem é feita nos mesmos moldes. A certo ponto voltam a New Orleans, e a Camryn comenta, ao fim de um dia de visita, que devem partir, porque em NO só vão tentar reviver as emoções fortes da visita anterior, em vez de recordá-las e fazer novas memórias.

Curioso, foi assim que me senti durante boa parte do livro, especialmente nesta fase da viagem. A Camryn e o Andrew falam de viajar para fora, ver o mundo, e eventualmente acabam por fazê-lo mais à frente, noutro contexto, mas pergunto-me se viajar pelo mundo não teria sido uma boa aposta para esta viagem principal deles no livro. Seria uma inovação em relação ao livro anterior, e poderia servir o mesmo propósito.

Uma coisa que me deixa na dúvida são os saltos temporais. O fascínio do primeiro livro consistia em viver o momento, sem interrupções. Neste livro, há alguns saltos no tempo. Durante a viagem principal, e a parte inicial do livro, até fazem sentido; não precisamos de ver tudo, apenas os destaques. Mas mais tarde o par protagonista chega a viajar pelo mundo, e com um novo elemento presente, e adorava poder ter visto mais disso. Teria sido verdadeiramente interessante de acompanhar, é um novo desafio para eles.

Outra coisa que me desanimou é o contexto em que os saltos temporais são feitos na parte final do livro: para nos mostrar flashes da vida futura da Camryn e do Andrew, e nessa medida são bastante convencionais, parecem feitos para satisfazer a autora e os leitores, não porque a história os pedia. Claro, é muito bom ver o que lhes aconteceu, mas como não são mais preenchidos, não sinto que a história necessitasse mesmo deles. A certa altura dei por mim cansada, porque o livro nunca mais acabava, e sentia a repetição.

O capítulo final, com uma nova personagem, não é particularmente importante, porque não tivemos oportunidade de a conhecer, saber quem é como pessoa, preocupar-mo-nos com o que lhe acontece. Só lá está pela relação que tem com o casal protagonista. Gostava mesmo que a autora me tivesse feito ficar mais investida na personagem.

Nem tudo é mau, no entanto. Na verdade, se tivesse de o classificar, daria a este livro uma boa nota. A única razão para me queixar tanto é porque me sinto frustrada por não lhe poder dar uma nota excelente, como teria dado ao primeiro livro. Porque as coisas de que gostei anteriormente estão lá. Uma escrita emocionante e emocional. Personagens realistas e que dá gosto conhecer e acompanhar. Uma história que cativa e apela ao bichinho viajante dentro de todos nós.

Passei muitos bons momentos com estes personagens anteriormente, e por isso dá um gozo enorme voltar a estar com eles, saber o que lhes aconteceu, encantar-me e emocionar-me com o que enfrentam, divertir-me com as suas peripécias ao viajar. A noção das mudanças na sua vida neste livro é bem intrigante e gosto bastante da ideia de os ver neste novo papel.

Enfim. Continua a ser um bom livro, e uma autora fantástica, e uns óptimos personagens. Apesar de todas as lamúrias, posso genuinamente dizer que passei um bom bocado com a leitura; só me sinto frustrada porque queria e esperava mais e melhor, o que creio que a autora é capaz de fazer.

Uma nota para a tradução. Há uma palavra que é usada ao longo da história e descreve a situação da Camryn e do Andrew, mas que não posso dizer qual é por ser um spoiler. O meu problema é a palavra que a tradutora usa em português para ela - é uma palavra tão antiquada, dos tempos da minha avó. Parece-me que ninguém da geração da Camryn e do Andrew a usa, por isso gostava de saber porque raios é que a tradutora a foi usar, esquecendo-se da audiência-alvo do livro. Bolas, é que é um termo tão arcaico e inadequado, e dei por mim a ranger os dentes cada vez que tropeçava nela.

Título original: The Edge of Always (2013)

Páginas: 400

Editora: Presença

Tradução: Fátima Andrade

domingo, 8 de março de 2015

Uma imagem vale mil palavras: Once Upon a Time Temporada 1 (2011-2012)

Era uma vez uma série de televisão, que estreou no seu país de origem, os EUA, há qualquer coisa como três anos e meio, tanto tempo como aquele em que eu tenho vindo a ouvir falar dela. Coisa que é uma bênção e uma maldição. Sim, porque depois de tanto tempo existem expectativas e ideias pré-concebidas, e se umas me podem preparar para o que viria a ter à frente, outras podiam dar uma ideia completamente errada da coisa e deixar-me completamente confusa.

Digo isto porque ao começar a ver a primeira temporada, e mesmo depois de a ter terminado, tenho uma sensação de... estranheza. Acho que esperava algo completamente diferente, ou pelo menos com uma dinâmica diferente. Não é necessariamente mau, apenas estranho por me obrigar a ajustar as minhas expectativas e ideias. Talvez um pouco desconcertante. De qualquer modo, é por esta razão que eu odeio ter expectativas sobre coisas, e ainda detesto mais o fenómeno de hype sobre algo, e fujo disso como se não houvesse amanhã.

Once Upon a Time explora um mundo de contos de fadas partilhado que é roubado a si mesmo pela Rainha Má da Branca de Neve, numa maldição que transporta os seus habitantes para uma cidade (Storybrooke) do mundo real, o nosso mundo, mas que também os rouba das suas memórias (e por extensão, das suas personalidades), e os mantém congelados no tempo. Pelo menos, até um salvador profético quebrar a maldição.

Acho que a coisa que mais me cativou e acabou por puxar para a série foi o conceito de os contos de fadas existirem no mesmo espaço e (mais ou menos) mesmo tempo. Há uma interligação entre as histórias e os personagens que é demasiado boa para ser ignorada. Vá lá, a Branca de Neve e a Capuchinho Vermelho a serem amigas? A lenda do Rumplestiltskin a cruzar-se com a Cinderela e a Bela e o Monstro? É quase demasiado bom para ser verdade. E é muito fixe ver todas as pequenas conexões a serem feitas.

Intercalada com as histórias de vários personagens de contos relativamente bem conhecidos, temos o desenvolvimento da história da Branca de Neve e do Príncipe Encantado (eles são a modos que os protagonistas, e é contra eles, ou pelo menos contra a Branca, que a Rainha Má tem um problema).

E os escritores aproveitaram muito bem os espaços no conto original para criar a sua própria história, muito mais rica, e deliciosa de explorar. Os vários pedaços dela são apresentados durante a temporada, nem sempre por ordem, e por isso foi tão bom tentar montar o puzzle. Aliás, no fim disto tudo eu adorava ver uma montagem da história deles e dos outros personagens por ordem cronologica, porque está tudo interligado e tenho a sensação que me escaparam coisas, de certeza.

Entretanto, em quase todos os episódios, a exploração dos flashbacks a mostrar-nos quem estas pessoas eram estão intercalados com cenas em Storybrooke, no presente, a mostrar-nos quem estas pessoas são. Acabou por se revelar interessante, porque as cenas do presente são em parte uma reflexão das cenas do passado, e também porque mostra o impacto que a maldição tem neles.

Sem as suas memórias, muita gente porta-se duma maneira diferente, ainda que reminiscente, do que era na terra dos contos de fadas. O Grilo Falante (sim, ele é um personagem) tem alguma dificuldade em manter-se uma bússola moral; a Branca de Neve, a maior visada na vingança da Rainha Má, vê o seu espírito destemido castrado pela maldição, apesar de manter um bom sentido moral; e o Príncipe Encantado, bem, nem sei se hei de ter pena dele ou vontade de lhe dar um abanão.

Foto de família? Heh.
Essencialmente esteve 28 anos em coma, e quando acorda nem sequer tem memórias fabricadas pela Rainha Má como os outros personagens, o que provoca um grande vazio moral e mental (de certo modo, é como uma criança) que o leva a meter a pata na poça durante boa parte da temporada. Grande parte das vezes em que isso acontece deu-me vontade de bater com a cabeça nas paredes, mas pronto, tentei manter em mente o efeito da maldição para não me saltar a tampa. De qualquer modo, dá um bocado de pena vê-lo tão avariado.

O arco narrativo principal da temporada foca-se na maldição e em como pode vir a ser quebrada, e o papel que o salvador profético, a Emma, virá a ter nela. É que a Emma é a filha da Branca de Neve e do Príncipe Encantado, nascida pouco antes da maldição ser lançada, e enviada para este mundo com o potencial de vir a quebrar a maldição. E a Emma cresceu no mundo real, e tem agora 28 anos, enquanto que os pais estiveram presos este tempo todo em Storybrooke, sempre com a mesma idade. O que quer dizer que por esta altura a Emma tem a idade deles, ou até pode ser mais velha, nunca se sabe. Uma noção deveras bizarra, mas que pode vir a dar umas cenas engraçadas.

Parte da piada de acompanhar a série passa também pelas maquinações da Rainha Má e do Rumplestiltskin, que às vezes parecem estar a jogar um jogo de xadrez completamente à parte, enquanto toda a gente ainda está a jogar à cabra cega. São simplesmente deliciosos de acompanhar, e acho que gostava de rever a temporada para apanhar algumas coisas sobre eles e sobre o que sabiam e quando o sabiam. (Isto aplica-se ao todo da série e dos personagens, na verdade.) Em retrospectiva, há coisas que começaram a ser planeadas com muita antecedência e acabaram por acontecer como pelo menos um deles esperava, por isso é de louvar o nível de planeamento que este tipo de coisa envolveu.

A série tem algumas reviravoltas que são engraçadas de descobrir, mesmo quando já tinha adivinhado algumas delas - adivinhei pelo menos a do Capuchinho Vermelho e a do August Booth. Enfim, se estou a ver uma série sobre contos de fadas à espera de reviravoltas, é certo que vou tropeçar nalgumas antes de tempo. Não me fez diferença saber de antemão.

Sobre o elenco, já mencionei alguns personagens que gostei de acompanhar; posso mencionar também a Capuchinho/Ruby, cuja personalidade é fantástica; a Emma, pelo seu cepticismo e pelo crescimento ao longo da temporada; e já agora o xerife, por duas coisas. Uma, porque tive pena que desaparecesse tão cedo, já que achei que podia ter mais coisas a contar. Duas, porque é interpretado pelo Jamie Dornan, e se tivessem aguentado mais o personagem talvez ele ainda andasse por ali hoje. Isso quereria dizer que hoje se calhar ele não era o Christian Grey, e eu teria sido poupada a piadas sobre algemas por parte da minha irmã (ela tem queda para piadas parvas) durante a extensão das suas aparições na série. Enfim, não se pode ter tudo.

Há tanta coisa mais, tantos pequenos detalhes, que eu gostava de comentar (os vestidos! ahhhh morri e fui para o céu quando vi os vestidos da Belle), mas podia ficar aqui o resto do mês a enumerá-los, o que não é propriamente prático. Resta-me dizer que apesar de ter estranhado a princípio, acabei por entranhar e ficar cativada pela história (apesar de não ser fã do ritmo do enredo, também não vejo como poderia ser feito de outra maneira), e estou bastante curiosa para ver o que se segue para os personagens. Não vou a correr ver, mas gostava de ver brevemente, para não me esquecer do que vi.

sábado, 7 de março de 2015

Sete Minutos Depois da Meia-Noite, Patrick Ness, Siobhan Dowd, Jim Kay


Opinião: É um pouco difícil explicar este livro. O tema central é algo que é extremamente subjectivo, dependendo muito das experiências pessoais de cada leitor, que hão de colorir a sua percepção da história. No entanto, acredito que é uma história com a capacidade de cativar e comover, e que vale a pena apostar nela, pela abordagem única que faz.

Recomendaria Sete Minutos Depois da Meia-Noite porque a maneira como é escrito e contado lembra-me um conto de fadas, daqueles à antiga. No sentido daquelas histórias sombrias e cruas, que falam de verdades terríveis que carregamos cá dentro. Aquele tipo de coisas que não nos atrevemos a verbalizar, e por isso criamos histórias, como esses contos de fadas, para tentar lidar com isso.

O protagonista Conor é um miúdo de (apenas) 13 anos. E no entanto, as circunstâncias obrigaram-no a crescer. Um pai ausente e absorvido pela nova família. Uma avó distante e dura. Uma mãe fragilizada pela sua condição. Uns miúdos da escola que se metem com ele.

Diria que a mais-valia deste livro é que Patrick Ness escreve honestamente. Não infantiliza o Conor. Por vezes é demasiado fácil esquecer do rico mundo interior que uma criança porta; eles compreendem mais do que lhes damos crédito, apenas não tiveram a oportunidade de desenvolver mecanismos para se protegerem de realidades terríveis, do sofrimento e do luto, e o que parece inocência e desconhecimento pode esconder uma forma de tentar lidar com a questão.

Adorei ler o percurso do Conor na história, passei o tempo com o coração a espremer-se de aflição, de impotência por não poder ajudá-lo e protegê-lo, porque ninguém merece passar por este tipo de experiência, apesar de eventualmente nos acontecer a todos. Só que ele é tão novo, e a noção de que isto ia marcá-lo pelos seus anos formativos é aflitiva.

Achei tão interessante a presença do monstro, a transfiguração do teixo que Conor e a mãe vêem da janela da cozinha. Gostei muito da dúvida que deixa sobre a sua natureza, mas ainda mais sobre como é um reflexo e uma manifestação dos problemas e dúvidas interiores que Conor enfrenta, e como lhe permite exteriorizar (nem sempre de maneira saudável, mas ao menos está a deitar cá para fora) tudo o que sente.

O fim, bem, podia dizer que é perfeito, mas soa-me mal, tendo em conta o conteúdo, por isso vou dizer que é adequado tendo em conta o desenvolvimento do enredo até aí. É triste, mas também é catártico, e nesse aspecto quase que deixa um bocadinho de esperança.

È verdadeiramente trágico que Siobhan Dowd não tenho podido desenvolver a história que desejava antes de morrer, mas espero que fosse algo como isto. (A ideia original é dela, mas depois da sua morte a ideia foi apresentada a Patrick Ness para desenvolver numa história.) Por outro lado, vale muito a pena destacar o trabalho de Jim Kay nas ilustrações, cruas, primitivas, mas belas e fascinantes, e acompanhando perfeitamente a história.

Uma última menção à edição portuguesa. Comprei porque queria ler o livro, e porque ainda vou acreditando às vezes em comprar em português para incitar as editoras em publicar mais coisas do género da que estou a adquirir. Contudo, gostava mesmo que a edição fosse um pouco melhor. O papel é daquele brilhante/de toque avernizado (nunca sei como se chama) - o que já é bom, não terem tentado imprimir as ilustrações no papel normal que a editora usa.

Só que esse papel também tem uma gramagem maior, fazendo o livro bem mais pesado que alguns com o dobro do tamanho. Sinto que o livro precisava de uma encadernação melhor, de algo que suportasse melhor o papel. Nem badanas tem! Além disso, dei por mim com muito medo de abrir bem o livro nas ilustrações em dupla página. Não por não querer dobrar a lombada, mas achei que o livro era frágil o suficiente para estar em perigo de se desfazer nas minhas mãos se o tentasse abrir mais.

Acabei por ficar a desejar ter comprado em inglês em hardcover, porque com esse eu teria toda a confiança para abrir o livro à vontade. É uma pena, porque merecia uma edição das boas. Além disso, que raios é aquela tralha toda na capa? A citação do John Green é completamente desnecessária (podia ser relegada para a contracapa), e as bolinhas azuis dos prémios só entopem e ajudam a distrair da arte de Jim Kay (again, deviam estar na contracapa). Que péssimo trabalho de design.

Por outro lado, apesar de ter torcido inicialmente o nariz a terem mudado o título, acabei por ficar a gostar bastante dele, especialmente depois de compreender o seu significado - é bastante adequado. E em nota final, louvo o pequeno extra que o livro traz, um poster com uma das ilustrações de Jim Kay. Muito bom.

Título original: A Monster Calls (2011)

Páginas: 216

Editora: Presença

Tradução: Ana Cristina Pais

quarta-feira, 4 de março de 2015

Uma imagem vale mil palavras: Fifty Shades of Grey (2015)

Portanto, eu estava relutante em ir ver isto porque não me apetecia particularmente dar para este peditório. Já li o livro e bastou-me. Mas a minha irmã tem problemas de memória, aparentemente, que estava com bem mais vontade de ir ver o filme; e bem, comprei um DVD que trazia uma oferta de um bilhete na compra de outro, e vá, fiz o frete.

Começando por duas ou três coisas que se podem dizer positivas. Uma, o filme não tem a escrita atroz da E.L. James, nem a narração choninhas e bizarra da Anastasia. O que quer dizer que fui poupada a coisas palermas como a deusa interior da Anastasia. E sem a narração parva da Anastasia no livro, temos direito a ver a rapariga portar-se como uma pessoa normal. Caramba, ela até parece assertiva em certos pontos da história, o que é uma pequena mudança bem vinda.

Outra coisa bem-vinda: a banda sonora. Normalmente até nem reparo muito nas bandas sonoras enquanto estou a ver um filme, mas seja porque tem alguns artistas conhecidos, ou porque no ecrã não se estava a passar nada de interessante (heh), nesta reparei.

Terceira coisa boa: a equipa envolvida na produção do filme. Porque eu acredito que pessoas como a realizadora ou a argumentista fizeram o melhor que sabiam, e mais importante, o melhor que podiam, tendo em conta que pelos vistos tiveram a chata da E.L. James a chagar o juízo às pessoas durante a produção. É sempre fixe, quando temos uma pessoa a achar que sabe fazer o nosso trabalho melhor que nós. (NOT)

De qualquer modo, dizia eu, fiquei com a sensação que em termos de produção do filme se tomaram algumas opções interessantes. É se calhar dos poucos filmes em que eu reparei tanto nos valores de produção, possivelmente porque o conteúdo não tem o condão de me cativar. E sobre certos conflitos criativos que li (exemplo aqui), bem, tendo em conta o contexto da história, inclino-me para a interpretação das pessoas que fizeram o filme. Mas isso se calhar é porque não confio nadinha na capacidade da James para contar uma boa história. (Heh, isso é coisa que lhe passa ao lado.)

A principal coisa negativa do filme, e que deriva da coisa positiva número um... sem a escrita da James para me irritar, tenho mais espaço para me focar na história, e para ficar arrepiada com o que tenho à frente. Caramba, a primeira meia-hora do filme, da maneira como as coisas decorrem, podia ser o início dum filme completamente diferente: um thriller em que a protagonista ingénua se vê cativada por um tipo bonzão, só para descobrir que ele é um psicopata e está obcecado com ela. O que geralmente não termina bem.

Enfim. Há pequenas mudanças quanto ao livro, mas não as suficientes para diminuirem o fator arrepiante. O Christian continua a aparecer do nada na loja em que a Ana trabalha. O Christian contunua a aparecer do nada no bar. Não é dito que localizou o telemóvel dela, como no livro, e o irmão dele aparece por ali nos braços da Kate duma maneira inexplicável, o que tudo junto não me deixa confortável. E por favor, alguém que me tocasse no carro, por muito a cair de podre que estivesse, morria.

Há alguns certos momentos de humor, como na tal primeira meia-hora, em que o Christian Grey faz comentários sugestivos, e esta espectadora largou uma risadinha de hiena, porque a ingénua da Anastasia, pobrezinha, não sabe o que aí vem. A cena do contrato, talvez por não me obrigar a ler a bendita da coisa toda, até tem uma certa piada e química, pela veemência com que a Ana diz certas coisas (lá está, uma certa assertividade da miúda; é como se eu nem te conhecesse, Ana Steele).

As cenas de sexo, meh, já vi ou li coisas mais excitantes. Para acreditar nelas eu tinha de acreditar na suposta história de amor que é suposto termos à frente, creio eu. Tenho as minhas dúvidas que este pessoal estivesse a fazer aquilo sem uma boa dose de relutância. A única cena que me parece relativamente genuína é a final, quando a Ana lhe pede que mostre "quão mau pode ser". Fiquei com a sensação que o ar de relutância, quase repulsa, que o Jamie tem na cara na cena é puramente dele, mas acaba por encaixar bem.

Numa história normal, com um desenvolvimento de personagens normal, esta era a altura em que o personagem masculino se arrependia daquilo que estava a fazer, porque percebia que aquilo que a protagonista feminina pedia não era o que queria ou precisava. Era a altura em que parava e resistia a continuar a ter um tal comportamento destrutivo.

Contudo, parte disto já sou eu a projectar sobre a história aquilo que eu queria que ela fosse, e não aquilo que ela é. Costumo dizer muitas vezes em opiniões que "nas mãos dum escritor mais talentoso, isto podia ser bem melhor", e este livro é capaz de ser o detentor original do epíteto. Podia ser tão melhor, se escrito por outra pessoa, uma consciente do seu conteúdo problemático. Se, se, se. Parte dessa minha projecção sobre a história vem provavelmente do trabalho das pessoas envolvidas no filme, mas estou cansada de pensar sobre uma coisa que não me merece tanto espaço mental, e já chega.

Em jeito de parágrafo final, posso comentar uma ou duas anedotas sobre as pessoas que estavam na minha sessão de cinema. Um senhor ao meu lado passou uma boa parte do tempo a fazer um ruído semelhante a um ressonar (heh), e quando o filme terminou largou um "então já acabou?". Já os senhores de trás entretiveram-se a comentar sobre a adequação de usar chávenas de chá para beber champanhe. (E isso agora é o mais importante, meus amigos?) A minha irmã, essa, já se estava a arrepender ao intervalo de ter querido ir ver o filme.

Bem. Estou em crer que quem gostou do livro, vai gostar do filme; quem não gostou, não é aqui que vai gostar mais. Há alguns pontos de luz no meio da confusão, mas no todo é por demais mau para eu ter tirado realmente algum gozo da coisa. Que se feche este capítulo e que eu não tenha de aturar mais parvoíce. (Pelo menos, até o próximo filme estrear e eu ter de revirar os olhos até ficar com um músculo do olho torcido.)

segunda-feira, 2 de março de 2015

Curtas: Capitão America, Thor, Avengers Arena, The Fearless Defenders

Captain America vol. 2: Castaway in Dimension Z, Rick Remender, John Romita Jr.
Li o primeiro volume desta aventura através das edições em revista que a Panini fez aqui em Portugal o ano passado, da linha Marvel Now!; era uma revista, não tinha ISBN, e por isso não contei como livro lido, mas como agora estou a ler alguns livros Marvel via serviço Marvel Unlimited, estou a contar como livros lidos, e a comentar brevemente a história. Suponho que vou aproveitar para comentar as duas partes da história, porque uma condiciona a outra, apesar de já ter lido a primeira há algum tempo, e poder não me lembrar de todos os pormenores.

A primeira coisa que tenho a comentar, tendo lido desde então O Soldado do Inverno, é que sou capaz de preferir o Capitão América nesse tipo de histórias: thriller, espionagem, enredo político. Quando li o primeiro volume desta história lembro-me de ter estranhado, porque a minha cabeça não associava o Capitão de todo com outras dimensões e ficção científica algo bizarra.

Este segundo volume melhora, porque no todo e combinando com os flashbacks do anterior, pinta uma imagem da personalidade do Capitão muito interessante, e que até se tornou cativante, pela sua relação com os pais, e em como toma um lugar de progenitor para um rapazinho que está preso na Dimensão Z com ele. Os sentimentos de Steve nestes pontos estão bem explorados.

Em contraponto, o arco emocional de outros personagens podia estar melhor explorado. Há uma personagem que muda de lado, e não é credível que mude de ideias (precisava de melhor desenvolvimento); e outra que faz um sacrifício que não tem quase impacto emocional na maneira como está escrito.

Fico um pouco curiosa para ver como é que o Capitão se readaptará ao mundo normal depois de descobrirmos a verdade sobre a Dimensão Z, e gostava de saber mais sobre a mesma, e como é que funciona, como é que tudo se processou.

Thor: God of Thunder vol. 2: Godbomb, Jason Aaron, Esad Ribić, Butch Guice
Este também não é um livro que tenha achado extraordinário na leitura do primeiro volume, mas que conseguiu cativar-me mais no segundo. Portanto, acho que podemos concluir daqui que os livros, comigo, ganham é com a distância temporal, já que se não me lembrar bem que não achei grande piada ao primeiro, acabo por achar mais piada ao segundo. Ou isso, ou a evolução na segunda parte do arco de história compensa largamente a primeira parte.

De qualquer modo, dei-me contra que gostei bastante do conceito de termos um vilão, Gorr, que detesta os deuses, e quer destruí-los. A sua motivação é explorada no primeiro número deste volume, e acaba por fazer algum sentido - um vilão é sempre alguém que leva as suas motivações ao extremo. O interesse da coisa centra-se no extermínio de deuses pelo universo e pelos tempos fora, mas também na extensão a que Gorr leva os seus planos, ao ponto de se poder vir a tornar naquilo que mais detesta - um deus.

Também adoro a ideia de termos três Thors a trabalhar em conjunto - um jovem, antes de ganhar o direito a brandir o Mjolnir, o seu martelo; um dos tempos actuais; e um mais velho, rei de Asgard por ter sucedido a Odin, e que passou quase um milénio a lutar contra as forças de Gorr. O contraste que os três fazem é bastante engraçado, e as trocas verbais entre os três são divertidíssimas.

Aliás, um dos pontos altos deste livro é ser mesmo divertido. Um bom sentido de humor cativa-me sempre, e aqui faz o bom trabalho de contrabalançar os temas mais pesados da história. Já como ponto negativo, posso apontar o final, que foi algo confuso, e até desnecessário, porque faz uma coisa que a seguir desfaz. (Contudo, foi impressionante ver o Thor a lutar com dois Mjolnir.)

Avengers Arena vol. 1: Kill or Die, Dennis Hopeless, Kev Walker, Alessandro Vitti
Este livro tem admitidamente uma premissa inspirada em The Hunger Games (a capa do número 3 é uma homenagem ao poster do primeiro filme), e em O Senhor das Moscas (a capa do número 2 é semelhante a esta edição do livro).

O que quer dizer que é uma premissa um bocadinho difícil de navegar, por ser tão explorada na cultura popular e ser difícil acrescentar algo de novo, e por ser complexa de executar num universo como o da Marvel. Essencialmente, estes miúdos são jovens super-heróis, raptados da suas escolas de super-heróis - que não devem ter alta segurança nem nada -, e presos num espaço limitado, no qual o vilão exige que eles lutem até à morte, até restar um. (O vilão até diz que se inspirou nuns "livros de miúdos". Heh.)

O que me custa mais a acreditar é a parte em que, sei lá, ninguém dá por nada? Ou se dão, não vemos ninguém a preocupar-se e a procurar pelos miúdos? Eu até acredito que isto se esteja a passar nos bastidores, mas custa-me que narrativamente os criadores não apresentem nem um bocadinho disto nos primeiros seis números da revista, que já é tempo suficiente para nos deixar sem respostas.

Se eu ignorar isso, a história até resulta bastante bem para mim. Não há assim tantas mortes no início, só um par delas provocadas pelo vilão para mostrar que fala a sério, e depois os miúdos são largados neste mundo, e juntam-se em grupos para o explorar e tentar perceber o que fazer a seguir.

Essa foi a parte que gostei de ler, o formar e desformar de alianças, de como os grupos se mantêm unidos ou não, de como aceitam novos membros, e de como as acções de um elemento misterioso que está a atacar os vários grupos os provoca em certas direcções.

Cada número vai explorando as coisas da perspectiva de um personagem diferente, o que se tornou bastante cativante de seguir. Gostei de conhecer a Ryker/Death Locket, uma miúda que viu implantada em si a tecnologia Deathlok, porque a sua história é triste, e ainda mais porque a pobre de miúda não é capaz de fazer mal a uma mosca (se excluírmos a tecnologia Deathlok).

Outros miúdos que foram interessantes de seguir são os da academia Braddock, criados de propósito para esta série *cof*carneparacanhão*cof*, porque fiquei interessada na dinâmica entre estes miúdos. Fora isso, gosto sempre de seguir a X-23, os miúdos dos Runaways (série que nunca li) pareceram-me meritórios da minha atenção, e talvez a Cammi. Detestei a Hazmat, que parece uma drama queen. Quero dizer, ela tem razão para ficar nervosinha, porque logo no início perde alguém, mas não é razão para ser uma idiota com toda a gente, parece-me.

O livro termina com um cliffhanger dos bons, o que geralmente eu detestaria, mas é uma situação que me intriga, por me fazer perguntar que virá a seguir. Até fiquei com vontade de continuar.

Já não sei o que me fez ler este livro, porque não conheço propriamente nenhuma das protagonistas, mas ainda bem que o fiz, porque acabou por me deixar bastante satisfeita por ter arriscado. A Valkyrie tinha a missão de juntar um novo grupo de shieldmaidens (as outras foram destruídas ou algo do género) a partir das heroínas da Terra, mas parece que foi demasiado exigente, porque nenhuma lhe agradou, não reuniu nenhum grupo, e acabou por se perder no ócio da Terra.

E parte da razão porque achei tanta piada a isto é porque vejo totalmente o Thor a ter o mesmo comportamento se estivesse na mesma situação. Adiante, o vazio que as shieldmaidens deixaram tem de ser preenchido, o que deixa espaço para a vilã tentar acordar as Doom Maidens, que já foram shieldmaidens, só que foram corrompidas e se tornararm em versões distorcidas delas mesmas, o que lhes valeu serem destruídas por Odin.

Acho que o que mais apreciei na história foi o reunir de pessoas e personalidades tão diferentes, o que deu um gozo maior ao seguir a história. Adorei conhecer a Misty Knight, e rever a Dani Moonstar, que lá por ter perdido os poderes mutantes não quer dizer que seja incapaz; e a adição muito humana da Dra. Annabelle, que é uma personagem tão gira e que mantém as coisas reais na história, na perspectiva do comum mortal.

Apreciei a mitologia, e em como isso condiciona o desenvolvimento do enredo e dos personagens, particularmente no que toca à Valkyrie. A parte final foi bastante excitante, com a participação de uma série de personagens femininas do universo Marvel, a maior parte bastante conhecidas.

Contudo, o final também traz um momento que não gostei. Faz sentido dentro da história, mas retira um elemento que tinha gostado de acompanhar, o que foi triste. O arco termina com uma atitude bastante razoável da Valkyrie depois dos acontecimentos, mas não creio que as coisas fiquem assim. Especialmente quando tantas das heroínas presentes parecem ter potencial para shieldmaidens.