quarta-feira, 4 de março de 2015

Uma imagem vale mil palavras: Fifty Shades of Grey (2015)

Portanto, eu estava relutante em ir ver isto porque não me apetecia particularmente dar para este peditório. Já li o livro e bastou-me. Mas a minha irmã tem problemas de memória, aparentemente, que estava com bem mais vontade de ir ver o filme; e bem, comprei um DVD que trazia uma oferta de um bilhete na compra de outro, e vá, fiz o frete.

Começando por duas ou três coisas que se podem dizer positivas. Uma, o filme não tem a escrita atroz da E.L. James, nem a narração choninhas e bizarra da Anastasia. O que quer dizer que fui poupada a coisas palermas como a deusa interior da Anastasia. E sem a narração parva da Anastasia no livro, temos direito a ver a rapariga portar-se como uma pessoa normal. Caramba, ela até parece assertiva em certos pontos da história, o que é uma pequena mudança bem vinda.

Outra coisa bem-vinda: a banda sonora. Normalmente até nem reparo muito nas bandas sonoras enquanto estou a ver um filme, mas seja porque tem alguns artistas conhecidos, ou porque no ecrã não se estava a passar nada de interessante (heh), nesta reparei.

Terceira coisa boa: a equipa envolvida na produção do filme. Porque eu acredito que pessoas como a realizadora ou a argumentista fizeram o melhor que sabiam, e mais importante, o melhor que podiam, tendo em conta que pelos vistos tiveram a chata da E.L. James a chagar o juízo às pessoas durante a produção. É sempre fixe, quando temos uma pessoa a achar que sabe fazer o nosso trabalho melhor que nós. (NOT)

De qualquer modo, dizia eu, fiquei com a sensação que em termos de produção do filme se tomaram algumas opções interessantes. É se calhar dos poucos filmes em que eu reparei tanto nos valores de produção, possivelmente porque o conteúdo não tem o condão de me cativar. E sobre certos conflitos criativos que li (exemplo aqui), bem, tendo em conta o contexto da história, inclino-me para a interpretação das pessoas que fizeram o filme. Mas isso se calhar é porque não confio nadinha na capacidade da James para contar uma boa história. (Heh, isso é coisa que lhe passa ao lado.)

A principal coisa negativa do filme, e que deriva da coisa positiva número um... sem a escrita da James para me irritar, tenho mais espaço para me focar na história, e para ficar arrepiada com o que tenho à frente. Caramba, a primeira meia-hora do filme, da maneira como as coisas decorrem, podia ser o início dum filme completamente diferente: um thriller em que a protagonista ingénua se vê cativada por um tipo bonzão, só para descobrir que ele é um psicopata e está obcecado com ela. O que geralmente não termina bem.

Enfim. Há pequenas mudanças quanto ao livro, mas não as suficientes para diminuirem o fator arrepiante. O Christian continua a aparecer do nada na loja em que a Ana trabalha. O Christian contunua a aparecer do nada no bar. Não é dito que localizou o telemóvel dela, como no livro, e o irmão dele aparece por ali nos braços da Kate duma maneira inexplicável, o que tudo junto não me deixa confortável. E por favor, alguém que me tocasse no carro, por muito a cair de podre que estivesse, morria.

Há alguns certos momentos de humor, como na tal primeira meia-hora, em que o Christian Grey faz comentários sugestivos, e esta espectadora largou uma risadinha de hiena, porque a ingénua da Anastasia, pobrezinha, não sabe o que aí vem. A cena do contrato, talvez por não me obrigar a ler a bendita da coisa toda, até tem uma certa piada e química, pela veemência com que a Ana diz certas coisas (lá está, uma certa assertividade da miúda; é como se eu nem te conhecesse, Ana Steele).

As cenas de sexo, meh, já vi ou li coisas mais excitantes. Para acreditar nelas eu tinha de acreditar na suposta história de amor que é suposto termos à frente, creio eu. Tenho as minhas dúvidas que este pessoal estivesse a fazer aquilo sem uma boa dose de relutância. A única cena que me parece relativamente genuína é a final, quando a Ana lhe pede que mostre "quão mau pode ser". Fiquei com a sensação que o ar de relutância, quase repulsa, que o Jamie tem na cara na cena é puramente dele, mas acaba por encaixar bem.

Numa história normal, com um desenvolvimento de personagens normal, esta era a altura em que o personagem masculino se arrependia daquilo que estava a fazer, porque percebia que aquilo que a protagonista feminina pedia não era o que queria ou precisava. Era a altura em que parava e resistia a continuar a ter um tal comportamento destrutivo.

Contudo, parte disto já sou eu a projectar sobre a história aquilo que eu queria que ela fosse, e não aquilo que ela é. Costumo dizer muitas vezes em opiniões que "nas mãos dum escritor mais talentoso, isto podia ser bem melhor", e este livro é capaz de ser o detentor original do epíteto. Podia ser tão melhor, se escrito por outra pessoa, uma consciente do seu conteúdo problemático. Se, se, se. Parte dessa minha projecção sobre a história vem provavelmente do trabalho das pessoas envolvidas no filme, mas estou cansada de pensar sobre uma coisa que não me merece tanto espaço mental, e já chega.

Em jeito de parágrafo final, posso comentar uma ou duas anedotas sobre as pessoas que estavam na minha sessão de cinema. Um senhor ao meu lado passou uma boa parte do tempo a fazer um ruído semelhante a um ressonar (heh), e quando o filme terminou largou um "então já acabou?". Já os senhores de trás entretiveram-se a comentar sobre a adequação de usar chávenas de chá para beber champanhe. (E isso agora é o mais importante, meus amigos?) A minha irmã, essa, já se estava a arrepender ao intervalo de ter querido ir ver o filme.

Bem. Estou em crer que quem gostou do livro, vai gostar do filme; quem não gostou, não é aqui que vai gostar mais. Há alguns pontos de luz no meio da confusão, mas no todo é por demais mau para eu ter tirado realmente algum gozo da coisa. Que se feche este capítulo e que eu não tenha de aturar mais parvoíce. (Pelo menos, até o próximo filme estrear e eu ter de revirar os olhos até ficar com um músculo do olho torcido.)

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