sexta-feira, 27 de março de 2015

Vermelho como o Sangue, Salla Simukka


Opinião: Este é o momento em que eu percebo que estou demasiado habituada a calhamaços. A sério, tinha as minhas dúvidas que um livro com meras 200 páginas me enchesse as medidas, mas a verdade é que este volume foi bastante satisfatório, com uma história com início, meio e fim, com uma protagonista bem delineada, e um enredo relativamente envolvente.

Vermelho como o Sangue segue Lumikki Andersson, uma jovem solitária que se vê quase contra a sua vontade envolvida na investigação de um crime. Alguns colegas da escola vêem-se metidos em algo bem mais perigoso do que imaginavam, e a Lumikki, mesmo prezando a sua independência e os seus hábitos solitários, não consegue dizer que não quando lhe pedem ajuda.

É um pouco estranho ver o marketing deste livro anunciar a próxima Lisbeth Salander (dos livros do Stieg Larsson), ou a Lisbeth versão YA. Principalmente porque apesar de tudo as personagens não têm nada a ver. Quero dizer, consigo ver a influência duma personagem tão marcante como a Lisbeth na criação da Lumikki, porque a ideia será, parece-me, criar uma personagem igualmente única e marcante, mas depois o retrato de ambas é tão diferente que é desconcertante.

É surpreendente a quantidade de coisas que a autora consegue fazer com tão pouco espaço. Consegue traçar um retrato psicológico da Lumikki, apresentar algumas questões do seu passado que a puseram no local onde está hoje, mostrar uma miúda madura para a sua idade. O retrato não é extremo, é razoável para alguém daquela idade com as experiências que teve. Talvez a autora se esforce um pouco demais para torná-la singular, demasiado "sou demasiado fixe para esta cena", mas é a única coisa que não me agradou tanto na sua caracterização. 

O próprio enredo decorre com um bom ritmo. Tem a aparência de calmo e pausado, o que acho que tem a ver com o tipo de escrita (até de cultura, talvez), mas comporta imensa coisa. Acaba por ter uma certa dinâmica, porque está sempre algo a acontecer, mesmo nos momentos parados, mesmo nos flashbacks. A escrita é, como mencionei, algo calma e domada (nunca houve assim um pico na acção, nem partes particularmente excitantes), mas exprime umas ideias interessantes, bem giras, e até bonitas.

Por falar nisso, a tradução pareceu-me geralmente boa (foi uma óptima ideia traduzir do finlandês directamente), mas tinha ocasionalmente algum fraseamento um pouco estranho. Alguns casos posso atribuir à possibilidade de as estruturas frásicas em finlandês serem diferentes, mas também houve casos em que havia uma tentativa de usar expressões equivalentes mais portuguesas, e que caíam ao lado da expressão correcta.

O final fecha bem a história, mas ao mesmo tempo deixou-me tremendamente curiosa. Uma das situações em torno da Lumikki é revelada, mas pelo menos outras duas ficam em suspenso, e quero mesmo descobrir o que se passou.

Foi definitivamente um livro atípico, provavelmente por vir de uma cultura diferente, e no entanto conseguiu cativar-me e manter o meu interesse. Em poucas páginas conseguiu contar uma história, o que já é raro, e só por isso já merece louvores.

Título original: Punainen kuin veri (2013)

Páginas: 216

Editora: Presença

Tradução: Anna Toivola Câmara Leme

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