quarta-feira, 25 de março de 2015

Contagem Decrescente, Bruno Franco


Opinião: Para efeitos de full disclosure, li este livro a convite do autor e recebi-o por parte dele e da editora. O que não influenciou em nada a minha opinião, porque a) não é do meu feitio que eu deixe isso acontecer e porque b) eu não conseguiria escrever algo sobre um livro que não fosse aquilo que eu senti durante a leitura. Portanto, aqui vai a minha opinião honesta sobre a mesma.

Contagem Descrescente é um policial que segue o protagonista Rodrigo Tavares na investigação de uma série de crimes que estão marginalmente relacionados com uma sua investigação anterior. (Relatada no livro anterior do autor, O Novo Membro.) O bom da coisa é que a informação relevante do livro anterior é relatada neste, e portanto o leitor consegue perfeitamente seguir o enredo sem se perder. Os acontecimentos e motivações dos personagens que vêm dessa história anterior são bastante claros e permitem uma continuidade, ao mesmo tempo que alguém poderia começar com este livro sem confusões.

Entre as coisas que eu mais gostei no livro, destacaria a maneira como se lê. Pode parecer ter muitas páginas, mas o tipo de letra, o tamanho do livro e as margens são generosos, e a escrita e a história fluem muito bem, e num instante se chega ao fim. Não custa nada a ler, e passei um bom tempo a ler.

A maneira como a trama se desenrola também capta o interesse, especialmente no que toca aos vilões envolvidos no enredo, às suas motivações e ao modo como executam os crimes. Além disso, gostei de ver como o autor fez alguma pesquisa e a introduziu na narrativa. Como o Rei D. Sebastião e a sua vida (e Camões e Pessoa, também, indirectamente) são importantes para a evolução da história e como são apresentados de forma a que o leitor fique a conhecer um pouco sobre ele(s).

O principal ponto negativo, e que neste caso afecta o gozo que se pode tirar da leitura, porque é algo que permeia toda a história, é algo que tem vários factores e que pode ser condensado e resumido naquilo que me parece ser uma certa falta de experiência e falta de maturidade por parte da escrita.

Isto traduz-se, por exemplo, numa certa sensação que tive por todo o livro, de irrealidade e de incredibilidade. Passei muito tempo a pensar "isto não me soa a como uma pessoa normal falaria/reagiria", porque havia sempre essa aura de aquilo não me parecer real. E por isso creio que é algo que pode ser conseguido com a maturidade da escrita. Um escritor com experiência vai conseguir transmitir essa aura de realidade e credibilidade.

A parte da credibilidade implica também que a informação e situações descritas sejam verdadeiras, e de acordo com a vida real. O que não me pareceu propriamente acontecer com a descrição da vida de detective da PJ do Rodrigo. Quero dizer, eu espero mesmo que os detectives da PJ não façam o que ele faz, ou não se resolviam crimes neste país.

É que temos a questão do Rodrigo trabalhar sempre sozinho, sem nunca ir à sede, nem dar parte a superiores do que está a acontecer na investigação. Temos a questão de ele começar a trabalhar nesta investigação sozinho, sem ela lhe ser atribuida, sem dar parte de que está a trabalhar nela. Tudo o que vemos da organização geral desta polícia é o chamar do técnico do local do crime, e é feito duma maneira tão pouco oficial que me pergunto se as provas seriam admissíveis. Temos também o Fábio, o parceiro do Rodrigo, que é demasiado infantil para alguém daquela idade, quanto mais alguém daquela idade que conseguiu entrar na PJ.

Temos ainda a questão do que aconteceu com o assassino da Sandra (e falo do que sabemos inicialmente), porque nunca na vida aquilo poderia ter acontecido assim, há jurisdições a cumprir, e mesmo que pudesse, a quantidade de gente que era preciso subornar para executar as coisas daquela maneira é impensável. E temos também o problema de o Rodrigo trabalhar praticamente sempre sozinho ou com o seu grupinho, mesmo em situações em que seria realista chamar reforços, como os casos do terceiro e do quarto crimes.

Também falta às vezes uma certa lógica interna na história. O Rodrigo é supostamente superinteligente, mas raramente se vê provas disso. Que ele tenha acreditado que as coisas se passaram como lhe foi dito com o assassino da Sandra, é risível, porque com a experiência dele com o sistema isso não seria possível. E que ele tenha achado boa ideia ir sem reforços para os locais do terceiro e quarto crimes (especialmente o quarto, tendo a experiência que teve com o terceiro), bem, isso é ridículo. Até eu estava a ver que ia dar asneira.

Portanto, em suma, há bastante a melhorar, mas foi maioritariamente uma leitura satisfatória. Acho que a escrita e o enredo estão construídos duma maneira que pelo menos fazem fluir bem a leitura, porque a maior parte dos pontos negativos não me incomodou durante a mesma, ou pelo menos foi uma coisa menor.

Suponho que isso em si é um ponto positivo, porque noutro livro, as coisas menos boas deste ter-me-iam bulido com os nervos. Assim, são coisas que eu ao reflectir sobre a leitura consigo destacar como não tendo gostado, mas consigo pensar nelas sem irritação, apenas com a noção do que faz e não faz uma boa história, e sabendo que se fossem melhores, esta seria uma história melhor.

Páginas: 532

Editora: Chiado Editora

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