domingo, 18 de junho de 2017

Era uma vez...: Lady Midnight, Cassandra Clare


Opinião: Já passou um ano? MEU DEUS, JÁ PASSOU UM ANO??? (Tecnicamente, passou um ano, dois meses, duas semanas e quatro dias desde que terminei este livro. Não que esteja a contar.) Passei o dia de hoje a folhear este mesmo livro, a rever as minhas notas amorosamente escritas em post-its e coladas nas páginas (em 10% nem consegui decifrar exactamente o que tinha escrito, mas pronto), e a rever as minhas notas finais, escritas num bloco.

Terminei essas notas desesperada com a perspectiva de esperar um ano, mas é claro que esse ano passou, e só tenho pena de não ter escrito a minha opinião na altura, mas às vezes os livros são tão bons que temos de os guardar para nós um bocadinho. Nem sempre me é fácil ganhar coragem para desbobinar tudo e mais alguma coisa sobre o que achei do livro, sabendo que vou discorrer por milhentos parágrafos. (Mas agora até não estou a ter dificuldade nenhuma, tendo o livro refrescado e tão presente na minha mente.)

Um ano passado, o que posso dizer principalmente é isto: estou impressionada. Muito bem impressionada. A Cassandra Clare tem evoluído como escritora; estes já não são aqueles simples livros de fantasia urbana (nunca foram, para mim), a complexidade das histórias, do mundo, do enredo tem crescido fabulosamente; os desafios que ela se tem proposto têm aumentado e a maturidade com que ela aborda certas coisas é bem maior.

Além disso: esta série tem tudo para ser a minha favorita dela, não só pela complexidade que se adivinha. Entre todas, esta é uma carta de amor aos que não encaixam. Os que são diferentes, os que perderam e foram quebrados e se reconstruíram a si próprios. Os desamparados, e os que não deixaram que a tragédia os definisse. Toda a gente do elenco principal tem uma vulnerabilidade por não encaixarem na norma ou não poderem pedir ajuda quando se vêem assoberbados, e por vezes é de partir o coração.

No centro disto: a família Blackthorn. Parecem ter já uma longa relação de desconfiança para com a Clave (veja-se o seu motto, "uma má lei não é lei nenhuma"), mas na geração actual, uau, quão traídos foram pela Clave. O Mark e a Helen estão afastados da família pela desconfiança para com os faerie, perderam a mãe e depois o pai na Dark War, a família está como que abandonada, quase exilada em Los Angeles. Pior, ninguém deu conta que estas crianças estão sozinhas e desamparadas. Ninguém se importa. Pelo modo como a Clave opera, frio e impessoal, esta família viu-se encurralada, levados a extremos para sobreviver.

Esse isolamento não os impediu de florescer, no entanto. A desconfiança para com a Clave e o mundo Shadowhunter significa que usam tecnologia humana/mundana, como computadores e carros, o que faz deles pessoas melhor preparadas para interagir com o mundo actual. E são uma pequena grande família às vezes triste, às vezes disfuncional, mas que se adora e se protege mutuamente, e cada momento em família também pode ser divertido, como só as famílias conseguem ser.

Dentro e fora da família, há tanta gente que poderá ter um estatuto de outsider... temos a Diana - cujo segredo eu já sei, porque o Buzzfeed fez o favor de me spoilar ao publicar um artigo com a autora sem avisar que tinha spoilers para o livro mais recente... -, e bem, só fico contente de saber o segredo em questão porque dá uma dimensão diferente ao seu comportamento e às menções veladas que a autora faz. Ainda não sei o porquê de tudo, mas saber que cuida dos Blackthorns como pode tendo os seus próprios problemas... gosto ainda mais dela.

Temos a Cristina, que vem para Los Angeles para lidar com um coração partido... e adoro a Cristina pela sua fé, e por ser uma guerreira, e por ser inabalável e firme e uma pessoa em que se pode confiar para gerir uma crise. E por ser compassiva e querer fazer do seu mundo um lugar melhor. E temos o Malcolm Fade, que usa uma cara de desastrado e inconsequente e benevolente para esconder um desgosto inabalável.

No meio dos Blackthorns, destaque para duas pessoas. Uma é o Ty, que tem uma caracterização fantástica e respeitosa, parece-me, do que o mundo é para ele, de como se relaciona com o mesmo, e de como isso não o diminui nem às suas capacidades. A vida será sempre um bocadinho mais difícil para ele, especialmente no seio dos Shadowhunters, mas ele cresceu amado, e teve sempre quem o tentasse entender e facilitar o seu crescimento e entrosamento com o mundo.

Outra é o Mark. O seu retorno é doloroso. Passou tempo com os faerie, e isso mudou-o. Passou muito às mãos deles, e isso mudou-o também. O reajustar a esta vida é difícil para ele (também tem os seus momentos divertidos), não entende nada do mundo moderno, nem das convenções sociais humanas. Não está num lugar em que possa ser o responsável, apesar de tecnicamente ser o mais velho. Mas tem uma personalidade fantástica, e o seu lugar único traz-lhe desafios que vou gostar de acompanhar.

Quanto à nossa protagonista: ah, a Emma é uma delícia. Uma herdeira natural do sentido de humor (e até um pouco do feitio) do Jace e do Will. Mas a Emma é muito mais que isso. Determinada a resolver o assassinato dos pais, pois não acredita na história oficial; a Emma dedicou-se a treinar e treinar e treinar... pode não ter sangue angélico como o Jace, mas ela vai ser a melhor Shadowhunter que pode, e que ninguém se atreva a dizer-lhe que não pode. O melhor dela é que tem um feitio muito menos torturado; a Emma é orfã mas cresceu parte duma família, os Blackthorn, e isso permitiu-lhe sentir-se amada, parte de algo. Gosto bastante da sua leveza. Oh, e adoro a sua amizade com a Cristina. Adoro ver amizades femininas fortes, e que parecem quase sem esforço. Estas duas são capazes de levar tudo à frente, mas apoiam-se mutuamente.

Quanto ao Julian: oh, céus. Se tivesse de escolher um favorito entre todos, tinha de ser ele. Há uma complexidade incrível na maneira como o Julian compartimentaliza as coisas. É o Shadowhunter guerreiro que se espera dele. Mas também é o rapaz gentil e aquele que assumiu o papel de cuidador da família, e é de partir o coração, entender que um rapazito de 12 anos assumiu um fardo bem mais pesado do que alguma vez se deva pedir a alguém da sua idade. E ele fá-lo com um sorriso no rosto para toda a gente, raramente se vendo o quanto lhe custa, negar-se a si próprio. E tem ainda uma faceta, que é deliciosa e aterradora para alguém com 17 anos - o estratega, a mente cheia de artimanhas e astúcias, que aprendeu ao longo de anos a enganar gente bem mais velha que ele. Aquilo que ele faz no final? Brilhante, e de mestre.

Quanto aos dois juntos: é muito interessante ver a sua relação. Neste caso, é pré-existente, ao contrário das séries anteriores da autora. Cresceram com uma posição de responsabilidade quanto aos mais novos, e a relação de amizade e de parabatai que se construiu está cheia de cumplicidade e piadas partilhadas e de conforto na companhia um do outro. Mas é claro que há outros sentimentos... "engarrafados", e quando explodem... uau. O Julian está ciente disso há muito, mas a Emma, pobre alma abstraída e obcecada com ser a melhor guerreira, só agora está a aperceber-se da coisa... é claro que sendo um livro da Cassandra, há um impedimento. A ligação parabatai. Mas sendo a Cassandra, sei que ela vai encontrar uma forma de desatar o nó que deu. Depois de, muito apropriadamente, nos partir o coração de caminho, vezes sem conta. Claro.

Temas deste livro (para além do que já falei) que gostaria de destacar: como os Shadowhunters tratam a diferença. Os nossos personagens estão dolorosamente cientes disso, infelizmente. A Clave está numa trajectória de mostrar cada vez mais a sua face, a sua intolerância e intransigência e injustiça, e por mais que tentem, uns poucos indivíduos a pensar de modo diferente não conseguem milagres da noite para o dia. A Clave não aprende nada com a história, seja a humana, seja a deles, e a "Guerra Fria" com as fadas só vai escalar até explodir.

Há maneiras novas de ver os parabatai e - para além da óbvia - apreciei ver a relação da Livvy e do Ty e de como se sentem em relação a assumir esse passo. (Há menção a uma relação parabatai e amorosa no passado, e raios, que curiosa que eu estou.) Além disso, há a exploração do amor familiar e fraternal, e da vida familiar e caseira, e achei isso interessante também, a mundaneidade misturada com a acção e as reviravoltas no enredo.

Ah... sinto que este livro empacota tanta coisa. Tanto acontece no enredo, coisas mais simples e caseiras, e mais grandiosas e explosivas... a caracterização está no topo, e como disse, a narrativa é incrivelmente complexa a vários níveis. O livro tem 700 páginas, é certo, mas parece que tem muito mais lá dentro. É difícil de explicar. Mas gosto.

Questões para o futuro: as injustiças cometidas ao longo do tempo contra Blackthorns, e como isso terá a ver com o enredo da outra trilogia planeada pela autora, The Last Hours, decorrendo (salvo erro), em 1903. Mais coisas sobre o elo dos parabatai, obviamente. A doença de Arthur Blackthorn, e como os faerie agem nas suas cortes. Um pequeno grande segredo que a Seelie Queen pode estar a esconder (havia uma teoria entre os fãs muito curiosa). Oh, e vai a Cassandra continuar a torturar-me com os seus pares amorosos???

Ah. Que tonta que eu sou. É claro que sim.

Enfim... estou um passo mais perto de poder ler o Lord of Shadows, o segundo livro. Não queria lê-lo sem escrever isto, e tenciono lê-lo até ao fim do mês. Mas agora até tenho medo. Sei que ela me vai torturar, e sei que vou ter de esperar algo como dois anos para ler o fim da trilogia. Essa noção é um pouco assustadora, mesmo que signifique que no meio vamos poder ler um livro da outra trilogia, The Last Hours, sobre a qual tenho muita curiosidade. Bem, eu sempre fui masoquista no que toca às minhas leituras favoritas...

Páginas: 704

Editora: Margaret K. McElderry Books (Simon & Schuster)

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