Sinopse: Continuando a saga mais ambiciosa e imaginativa desde O Senhor dos Anéis, As Crónicas de Gelo e Fogo prosseguem após o violento triunfo dos traidores.
Enquanto os senhores do Norte lutam incessantemente uns contra os outros e os Homens de Ferro estão prestes a emergir como uma força implacável, a rainha regente Cersei tenta manter intacta a força dos leões em Porto Real.
Os jovens lobos, sedentos por vingança, estão dispersos pela terra, cada um envolvido no perigoso jogo dos tronos. Arya abandonou Westeros rumo a Bravos, Bran desapareceu na vastidão enigmática para além da Muralha, Sansa está nas mãos do ambicioso e maquiavélico Mindinho, Jon Snow foi proclamado comandante da Muralha mas tem que enfrentar a vontade férrea do rei Stannis e, no meio de toda a intriga, começam a surgir histórias do outro lado do mar sobre dragões vivos e fogo...
Opinião: Pensei que tinha perdido a minha queda para os calhamaços depois da desgraça que foi ler A Lenda do Cisne, mas felizmente o senhor Martin curou-me facilmente disso. Isto dito, cuidado com o texto que se segue, pois deverá estar pejado de spoilers para praticamente todos os livros da série.
Este livro corresponde à primeira parte do original, A Feast for Crows [AFfC]. É um livro com uma tarefa difícil, pois segue-se ao que é considerado o melhor da saga até agora (A Storm of Swords [ASoS], em português divididos em A Tormenta da Espadas e A Glória dos Traidores); por outro lado, é o livro que marca um certo desnortear da história por parte do autor. Pelo que percebi, originalmente o autor tencionava que o livro a seguir ao ASoS se passasse cronologicamente cinco anos mais tarde; depois abandonou esse plano pois teria de fazer muitos flahsbacks e coisas do género; então parece que aquilo que estava a preparar após o ASoS acabou por ser dividido em dois livros, este [AFfC], e o A Dance with Dragons [ADwD], em que o autor iria dividir mais ou menos os capítulos dos personagens entre um e outro geograficamente. Parece-me que também já terá deixado para trás este plano, pois passaram-se cinco anos desde a publicação do AFfC... Muitos fãs queixam-se da demora, e alvitram que o senhor terá perdido o fio à meada.
Apesar de me desgostar ter de esperar sabe-se lá mais quantos anos pelo próximo livro, consigo compreender se tal desnorte tiver acontecido. A série tem uma miríade de personagens, e conquanto no primeiro livro os capítulos eram quase todos no ponto de vista de membros da família Stark, entretanto isto tem vindo a mudar, tanto por o raio do homem ter matado uma data deles, como pela separação destes personagens, como pela entrada no verdadeiro "Jogo de Tronos", que acaba por ter mais jogadores que uma pessoa poderia prever no início da série. Isso implicará, suponho, que alguns personagens muito queridos não apareçam e outros aparentemente sem importância tenham um capítulo sob o seu ponto de vista [POV].
No primeiro caso, temos Tyrion Lannister, que está completamente desaparecido, tal como Varys, devido ao envolvimento de ambos na morte de Tywin Lannister. Quem me dera ser mosca para descobrir onde estas duas almas estão! Varys, descobrimos neste livro, devia empolar a sua importância, pois um ex-meistre, Qyburn, toma o seu lugar, e os "passarinhos" que sussurravam a Varys sussurram agora a Qyburn. Tyrion, cujos capítulos eram sempre muito interessantes de seguir, era para ir de barco até às Cidades Livres, mas com o prémio pela sua cabeça pergunto-me se terá ido para aí. Quem sabe se não terá fugido ainda mais para Oriente, e a esta altura do campeonato estou a vê-lo a cruzar-se com a Daenerys Targaryen (cujos POVs também não aparecem neste livro, e ainda bem, já que não a suporto) no próximo livro [ADwD].
No segundo caso, aparecem POVs de persongaens pouco importantes, o que poderia ser evitado nalguns casos usando personagens mais importantes - caso neste livro dos capítulos O Capitão dos Guardas ou O Cavaleiro Maculado. Alguns dos capítulos dos personagens nas ilhas de ferro (família Greyjoy) também me deixam algumas dúvidas sobre a sua importância, mas vou avaliá-la depois de ler O Mar de Ferro. No entanto, estes personagens das ilhas de ferro divertem-me e são algo interessantes, pois estão enrolados numa disputa pelo trono. O Aeron com aquela coisa toda do respeito e temor ao Deus Afogado parece-me um fanático religioso; quanto à Asha, gostava de a conhecer melhor, pois uma mulher que prova que pode fazer tudo o que um homem faz (lutar, conquistar e quem sabe reinar) merece mais um tempinho de antena.
Os capítulos da Brienne irritaram-me um bocado, porque ela anda numa demanda inútil (encontrar Sansa Stark), dum lado para o outro, sem fazer nada de especial (a não ser procurar inutilmente Sansa Stark), e os capítulos dela parece que estão a encher chouriços. Até gosto da personagem, também por ser uma mulher a tentar afirmar-se num mundo de homens, mas é tão boa pessoa que ainda se vai meter em sarilhos. A Sansa era das minhas personagens menos favoritas, pois era uma florzinha de estufa, mas este novo rumo promete. Aprender uns truques do jogo de tronos com o Mindinho pode ser o que esta rapariga precisa; ela encarna tão bem a personagem que lhe foi atribuída (filha bastarda do Mindinho) que o segundo capítulo dela já aparece com o nome dessa personagem (Alayne). O Mindinho é um personagem que salvo erro nunca teve um capítulo; se o autor quer pô-lo a ser um jogador importante devia dar-lhe um capítulo ou outro para nos esclarecer sobre os seus motivos e intenções.
Samwell "Sam" Tarly tem um par de capítulos que eu li sem tanto gosto como alguns outros; o ponto alto é quando ele está no navio em que partiram da Muralha e descobre a identidade verdadeira do bebé que Gilly traz; outro ponto alto é quando ele se cruza em Bravos com uma personagem que penso que será a Arya Stark (já agora, este rapaz passa a vida a cruzar-se com membros dos Stark sem poder dizer que os viu ou sem os [re]conhecer). Esta, por sua vez, tem sempre uns capítulos que são sempre uma delícia de ler. Em Bravos, é acolhida na Casa do Preto e Branco, onde será iniciada na Guilda dos Homens Sem Rosto; para isso, terá de descartar a sua personalidade, e todos os nomes que já terá assumido, e iniciar-se na arte de assumir uma personagem e personalidade inventadas - a que ela assume, a Cat, é a que se cruza com o Sam. Ao ler os capítulos da Arya, é fácil esquecer que esta rapariga tem 10 ou 11 anos, tanto devido às situações por que passa como devido ao seu ponto de vista único.
Jaime Lannister, depois de perder a mão direita, ficou diferente; creio que gosto mais de como está agora do que como era apresentado, sendo simplesmente o Regicida; no entanto os seus capítulos de ASoS eram melhores. Tem no entanto uma visão única e que vai evoluindo sobre os que o rodeiam, especialmente a sua irmã gémea, Cersei. Apesar de serem apaixonados incestuosamente desde miúdos, Jaime tem-se vindo a afastar emocionalmente da irmã. E creio que o compreendo. Cersei pode parecer uma mulher forte, a tentar afirmar-se num mundo de homens, mas passa por tola, é casmurra, e muitas vezes parece um daqueles cavalos com palas nos olhos - só vê o que tem imediatamente à frente. Acho que ela acredita mesmo que é uma magnífica jogadora no jogo de tronos, mas reage demasiado a quente, levada muitas vezes pela raiva, e confia demasiado na sua beleza, sem desenvolver outros aspectos que lhe poderão dar vantagem. Ora a beleza irá um dia desaparecer; que fará então?
Cersei podia também usar a sua beleza de uma forma mais inteligente do que usar homens pouco importantes para lhe fazer um favorzinho enquanto lhes promente sexo; uma verdadeira jogadora usaria outros jogadores mais importantes para lhe fazer as vontades. O que me leva à raiva - ela age muito por raiva ao irmão Tyrion, mas este jogava muito mais subtilmente o jogo de tronos e tinha uma combinação de carisma e lábia para levar a sua avante; achei que tinha estabelecido bases muito mais fortes no controlo de Porto Real enquanto foi Mão do que o controlo que Cersei tem. Está tão obececada em afastar aqueles que entende como inimigos (todos os que possam estar relacionados com os Tyrell; até Jaime ela começa a ver como inimigo) que se esquece duma máxima: mantém os teus amigos perto, mas os inimigos ainda mais perto. É no jogo de cedências com inimigos, seja de posições ou de refens importantes, que se ganha vantagens sobre o inimigo; alienando-o, creio eu, nada conseguirá. É neste momento a personagem que mais me irrita, mas cujos capítulos acabo por devorar.
Bem, fiz aqui quase um raio-x psicológico aos personagens, pois a verdade é que esta série continua muito apaixonante e cheia de intriga, com personagens que podemos adorar ou adorar odiar, com um enredo complexo e ao mesmo tempo cativante, e com promessa de muito mais. Espero que os próximos livros cumpram o prometido.
POVs: Prólogo (Pate, aprendiz de Meistre) - O Profeta (Aeron Greyjoy) - O Capitão dos Guardas (Aero Hotah, em Dorne) - Cersei - Brienne - Samwell - Arya - Cersei - Jaime - Brienne - Sansa - A Filha da Lula Gigante (Asha Greyjoy) - Cersei - O Cavaleiro Maculado (Arys Oakheart) - Brienne - Samwell - Jaime - Cersei - O Capitão de Ferro (Victarion Greyjoy) - O Afogado (Aeron Greyjoy) - Brienne - A Fazedora de Rainhas (Arianne Martell) - Arya - Alayne (Sansa Stark) - Cersei - Brienne - Samwell
Título original: A Feast for Crows (2005) [1ª metade do original]
Páginas: 448
Editora: Saída de Emergência
Tradutor: Jorge Candeias