sábado, 22 de abril de 2017

Hunted, Meagan Spooner


Opinião: Estou a chegar à conclusão que esta é uma opinião difícil de escrever. Mais uma. Tenho tido muita sorte, porque continuam a cair-me no colo bons livros, livros que se tornam favoritos. Sinto-me muito contente por isso. (E grata pela minha intuição ao escolhê-los.)

Ao meditar sobre esta leitura, dei por mim a pensar no Cruel Beauty. Uma amiga estava a lê-lo recentemente e sentiu-se acerca dele exactamente como eu na altura, e senti-me vindicada por não gostar dele ao contrário da opinião geral. E isto é relevante porquê? Porque Hunted é tudo o que eu esperava que Cruel Beauty fosse e acabou por não ser. Preencheu-me a alma de leitora, e abordou uma história querida duma forma nova e fascinante.

Hunted é um retelling de A Bela e o Monstro (e não só, contendo fragmentos de outros contos, incluindo um de origem eslávica que dita parte dos acontecimentos); e uma das suas melhores facetas é precisamente o tom e a linguagem, pois de algum modo Meagan Spooner consegue recapturar esta sensação de estarmos a ler um conto de fadas, com criaturas fantásticas, maldições mágicas e regras curiosas sobre como o mundo funciona.

A história começa duma forma que segue muitos dos recontares da lenda em foco: Yeva é a mais nova de três irmãs, e a família vive em sociedade (numa Rússia rural medievalista) até o pai tomar as decisões erradas nos negócios, precipitando uma queda de graça da família.

A diferença aqui prende-se com Yeva e a sua personalidade: ela até fica meio contente pela queda de graça. Eles têm de se mudar para uma antiga cabana de caça que o pai (ainda) possui. Sem paciência para o dia-a-dia em sociedade, Yeva prefere passar o dia na floresta, a caçar, habilidade que lhe foi ensinada pelo pai em pequena, e apenas abandonada por ter crescido e estar à beira de se tornar numa "senhorinha".

Há algo de fascinante na personalidade de Yeva, algo com o que podemos identificar: a sua insatisfação. Yeva não se quer contentar com a vida em sociedade, não se satisfaz com o que tem. Quer algo mais, ainda que não saiba exactamente o quê. Soa refrescante; ainda que o recontar da Disney já tivesse parte destes elementos, Hunted explora essa sensação de procurar algo mais de forma mais completa. (É um bom contraponto à mensagem original do conto, que poderá ter sido escrito para sugerir às donzelas para se satisfazerem com o marido que lhes calhasse na rifa, ainda que fosse um monstro - poderiam domá-lo e fazê-lo amá-las.)

Adorei ler sobre a relação familiar no centro da história: Yeva adora o pai e ama as irmãs. A relação fraternal é forte e amorosa e é também refrescante ler sobre isso. (Outras versões do conto não são tão caridosas para as irmãs da Beauty.) Até adorei ler sobre o Albe, que é uma espécie de irmão adoptado da família; mesmo na queda de graça, não os abandona. Foi bonito ler sobre a dedicação de Yeva à sua família, ao mesmo tempo que ama a floresta e a caçada; é provavelmente a razão pela qual ela não procurou confrontar a sua insatisfação mais cedo.

Ainda tenho de falar do Solmir. É uma figura Gaston-like, no sentido em que procura a mão da nossa Beauty; a diferença é que o Solmir é inteiramente uma boa pessoa. A posição dele na história é curiosa: a Yeva sente uma pressão societal para o aceitar - a família está a passar um mau bocado e ele podia ajudar com isso. Além disso, se espera manter um pé na sociedade ele é o mais próximo de liberdade que podia ter - compreende em parte o amor dela pela caça e seria um marido que não se oporia a que ela mantivesse esse interesse.

Mas "perfeito no papel" e "o melhor que se pode arranjar" não são propriamente recomendações brilhantes, e Yeva sabe desde o início o quão errado ele é para ela. Atrevo-me a dizer que o rapaz esteve sempre firmemente na friendzone; no início do livro quando lhe falam dele e do suposto interesse dele por ela a Yeva fica com uma atitude do género "porque é que me estão a falar deste tipo, só quero é ir para casa e meter-me na floresta".

E isto é só o início. Ainda não falei da parte principal da história, mas esta sabe melhor sendo descoberta. O que é preciso saber é que o pai da Yeva desaparece na floresta, e sem saber o que aconteceu, Yeva parte à aventura para encontrá-lo. Descobre uma besta na floresta, uma que a captura e a leva para o castelo.

O que acontece a partir daí é semelhante e ao mesmo tempo bastante diferente do que conhecemos. Digamos que a história lida bem com os temas do conto original que mencionei ali em cima. Aborda-os, e dá-lhes a volta; e desenvolve a relação da Bela e o Monstro duma forma bastante satisfatória evitando os seus aspectos problemáticos - ou melhor entendendo-os, e escrevendo duma forma em que podemos apoiar os personagens juntos sem duvidar do porquê de estarem juntos.

A história em si é pouco romântica, no sentido em que não temos muitos momentos para suspirar de quão amorosos são os intervenientes do par protagonista. Mas isso não quer dizer que a sua relação não é desenvolvida; pelo contrário. As partes da história no castelo são calmas e sossegadas por isso mesmo. Estas duas, erm, pessoas têm objectivos que chocam um com o outro, mas desenvolvem umas tréguas ao encontrarem um objectivo mais ou menos partilhado.

Acho que a melhor parte de os ver juntos é que a sua história começa opondo-os como inimigos, e a aproximação é tão gradual que é fácil de nos passar despercebida até estar mesmo à frente do nariz. E mesmo quando é óbvio, isso não resolve os problemas de ninguém. Gosto que seja um reconhecimento da vida real: nada é simples, as coisas vão continuar a vir e tentar destruir-nos. A nossa atitude é que faz a diferença.

Gosto que os dois juntos se tornem um encontro de iguais: pessoas com os mesmos anseios e desejos que reconhecem no outro uma visão semelhante da vida. Disse que a história era pouco romântica? Perdão, isto parece-me romântico o suficiente.

Um recontar de A Bela e o Monstro nada era sem uma maldição, certo? Aqui o objectivo da mesma não é bem aquele que conhecemos; tem a ver com o recontar duma lenda eslávica relacionada com o Firebird. O melhor mesmo é vê-la desenrolar-se aos nossos olhos. Aprecio a mensagem: não há algo que resolva tudo e nos traga felicidade eterna. Nada nos completará magicamente. Lutamos por cada pedaço de felicidade e por aquilo que queremos, e só podemos esperar nunca nos perdermos no caminho.

O fim é fofinho, adorável, suponho, mas deixou-me com o raio duma insatisfação. Queria mais. Vá lá, sabemos que estes dois vão ter mais aventuras. Bem podemos ficar a sonhar com elas.

Páginas: 384

Editora: HarperTeen (HarperCollins)

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