sábado, 9 de março de 2013

Em Parte Incerta, Gillian Flynn

Sinopse

Opinião: ... pois. Tanta coisa e eu dei por mim completamente frustrada pela leitura. Tentei gostar genuinamente da história, e intelectualmente reconheço algumas coisas bem feitas à autora, mas emocionalmente deu comigo em doida, e passei o tempo todo a ranger os dentes por causa da própria história, em geral, e dos personagens, em particular.

Começou com aquela pequena coisinha em que a autora é parva o suficiente para dar de mão beijada ao leitor a grande reviravolta do enredo antes da página 40 - a autora põe na boca do Nick algo como "oh, a Amy gosta de jogos psicológicos". A SÉRIO? ESTÁS A TENTAR SER SUBTIL, OU É IMPRESSÃO MINHA? Eu geralmente sou um bocado tapada a perceber pistas em livros com um mistério subjacente, por isso acredito que se percebi esta, é porque é MESMO óbvia.

Depois achei desde o início que havia algo de errado com estes personagens e com o ainda se manterem casados, o que acabou por levar a não ter tanto impacto quando a história nos dá a perceber com todas as letras que sim, são completamente doidinhos da silva, e não há nada a fazer por eles.

E por fim, derivado de eu desconfiar deles desde o início, não os levei tanto a sério e ao que lhes saía da boca. Tendo em conta que a credibilidade de um deles como narrador e a perda dessa credibilidade faz parte de uma das reviravoltas da narrativa, lá se foi o factor "uau" de grande parte da história para mim. (Para não falar de que a primeira metade do livro tem muita palha. Mesmo. Do género estarmos no presente a investigar o desaparecimento de Amy e o Nick fazer um flashback a toda a hora, de cada vez que alguém lhe diz alguma coisa que o faz lembrar doutra.)

E oh bolas, o Nick e a Amy são tão, tão danificados, e de todas as pessoas do mundo tinham de acabar um com o outro. O Nick é um idiota e banana de primeira, para não falar de mentiroso compulsivo (estava sempre, sempre a mentir à Polícia em coisas mesmo parvas, e depois admirava-se de estar em sarilhos) e ligeiramente narcisista, além de ser obcecado em não deixar ninguém zangado com ele. A Amy é simplesmente uma psicopata altamente inteligente.

E é interessante, é um dos aspectos que reconheço como bons na história, o do retrato psicológico vívido e em certa medida fascinante dos personagens. Mas também é sufocante, porque isto não é sobre um casamento, é sobre duas pessoas que parecem decididas a destruírem-se uma à outra. O facto de estarem casadas é meramente coincidental.

Se não estivessem casados arranjavam maneira de causar confusão à mesma, só que por um motivo diferente. Por isso acho que o ênfase na casamento e no "acha mesmo que conhece a pessoa que dorme ao seu lado?" é excessivo; sim, sei que nunca conhecemos completamente a outra pessoa, e de loucos temos todos um pouco, mas raramente a outra pessoa é um psicopata, quanto mais ambos os membros do casal terem graves problemas.

Acho que o peso excessivo em criar as reviravoltas e em revelar aos poucos o carácter cada vez pior dos personagens apenas me tirou parte do gozo que podia tirar da história, porque a certa altura a minha reacção era algo do género: "a sério? já não chega? o que falta mais revelar? *bocejo*" /fim do falso entusiasmo.

O peso no quão avariados ambos os protagonistas são também é exagerado, de modo a levar-me a ficar exasperada com eles. Eu não preciso de gostar dos personagens, não preciso que eles sejam bons no espectro moral, mas preciso que sejam credíveis, e que façam sentido nas suas motivações, e acho que a autora foi um pouco longe demais às vezes nesse ponto.

É que tirando isso, a ideia do enredo é muito interessante. Aquilo que realmente acontece faria um bom thriller, consigo imaginá-lo em filme até, deixando-nos em suspense a cada cena. O desaparecimento de Amy, o envolvimento da polícia, dos media, e do resto do país, a suspeita sobre o marido e como é possível a opinião pública mudar em segundos.

Sabem o que acho? Que isto estava a tentar ser um thriller/mistério e um retrato psicológico ao mesmo tempo, e não o conseguiu. Penso que tinha resultado melhor apenas como um deles. Ou as reviravoltas ou o mostrar-nos o quão maluquinhos eles são, Gillian. Não podes ter os dois.

Pessoalmente, preferia que houvesse mais peso no retrato psicológico. Adorava ter visto e percebido melhor como é que a Amy funcionava, porque há um método e uma lógica naquilo que ela faz, e é fascinante ler a sua perspectiva. Há falhas na sua construção como personagem, mas se o livro tivesse sido construído doutra maneira talvez estas não existissem. Ela teve momentos brilhantes, mesmo, na história, mas depois a autora ia e esfregava-nos a psicopatia dela na cara.

O fim arrancou-me um grande LOL. Literalmente. Estava mais ou menos à espera dele, mas mesmo assim fiquei "hmm, é bem feita, amanhem-se".

Uma nota para a tradução. PAREM DE TRADUZIR SCALPEL POR ESCALPELO. Nunca ouviram falar dum bisturi, caramba? Já vi isto noutros livros, e a ideia com que fico sempre é que foram ao tradutor do Google. E grilled cheese são tostas de queijo, meu Deus, não é queijo grelhado. Quem é que grelha o queijo sozinho? Já que gostam tanto do Google ponham "grilled cheese" na pesquisa das imagens e vejam lá o que aparece. E depois se forem ao tradutor do Google o que é que aparece? Pois. É por isso que temos tanta gente a queixar-se das traduções em Portugal. Um bocadinho a menos de Google translator nem sabem o bem que lhes fazia, senhores tradutores.

Outra nota para a capa, que é em parte nojenta e profética. Achei bizarro, antes de ler, ter para ali uns cabelos, mas é genial, tendo em conta a importância que uns meros cabelos vêm a ter na história.

Portanto, recomendo? *encolhe os ombros* Acho que este tipo de história pode agradar a algumas pessoas, e desagradar a outras. Há muitas opiniões boas, e muitas más. Eu estive desde o início consciente de algumas coisas que me impediram o gozo da leitura, erros que considero graves por parte da autora. Reconheço-lhe a ambição, e em parte a execução, mas há toda uma lista de coisas que me aborreceram. Suponho que para quem goste do género valha a pena ver por si próprio.

Título original: Gone Girl (2012)

Páginas: 520

Editora: Bertrand

Tradução: Fernanda Oliveira

18 comentários:

  1. Respostas
    1. Sim, aquelas linhas amarelas (na imagem parecem ... brancas?) por trás do título e do nome da autora são cabelos. Ao vivo vê-se bem melhor. ;)

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  2. Eu volta e meia encontro esse erro do grilled cheese...Por exemplo nos livros da Picoult as personagens passam a vida a comer queijo grelhado...lol. Sem noção mesmo.

    cumps

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    1. É que é mesmo daquelas coisas... bolas, irritantes. Se leitoras como nós, leigas em tradução, conseguem detectar e perceber o erro que foi feito, era obrigação do tradutor conhecer e usar uma expressão mais adequada.

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  3. Oh noes! pensei que este valia a pena!

    Escalpelo? come again?? xD

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    1. Bem, suponho que depende da pessoa, este parece ser um livro que divide as pessoas... mas para mim não funcionou lá muito bem. :/

      Ai, se eu tiver de ver a palavra escalpelo num livro mais uma vez... xD

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  4. Tipo que já comprei e agora vou ler... mas daqui a 1 ano ou 2 quando me esquecer da tua opinião, boa?
    *Just kidding*, mas mantenho a máxima de não criar expectativas ou vou acabar por me desiludir sempre. Boa opinião, já agora.

    Beijinho* Bom domingo*

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    1. Sorry! Não te queria matar a a vontade de ler. :P Espero que ao menos a minha opinião tenha contribuído para teres essas expectativas em baixo, assim quem sabe a tua experiência pode ser muito diferente. ;)

      Obrigada, e bom domingo! (Bem, agora é mais uma boa semana. ;)

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  5. A pensar que ainda bem que já não estava virada para a leitura loool

    P.S. Cabelos??? A sério????o.O

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    1. Lol, e eu dei mais um empurrãozinho, não? xD Para quem não lê muito neste género, acho que também não era este que recomendava.

      P.S.: Sério, sério. Só lendo para perceber a importância duns míseros cabelos. xD

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  6. Por acaso eu adorei a história, acho que existem bastantes pessoas por este mundo fora completamente loucas, narcisistas e mentirosas e foi isso que me fez prender à história. Apesar de se prever quem é o mais maluco da relação, acho que o final surpreendeu porque realmente há pessoas que conseguem sempre o que querem e acabar impunes!Que há mentes distorcidas isso há!

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    1. Eu acredito que hajam muitos como estes por aí, só que fiquei bastante incrédula quanto a estas circunstâncias em particular... houve algo que não me soou bem desde o início. :/

      Ah, o fim... quase redimia o livro. (Palavra-chave: quase. xD)

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  7. Essa dos cabelos é boa! Eu tb pensei o mesmo. lol
    As capas são parte da alma do livro e às vezes não nos dizem nadica de nada.
    Excelente opinião.
    bj

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    1. Ehehe, esta capa é mesmo enigmática, sem ter lido uma pessoa pergunta-se de onde vieram os cabelos, mas tendo lido até têm uma certa piada. ;)
      Obrigada!
      Bj

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  8. Escapelo? Oh, não suposto ser profissionais a traduzir? Fiquei parva. Quanto ao livro, não me interessa muito. A campanha de marketing em torno dele soou-me a falsa.

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    1. Pois, também fico a duvidar disso às vezes. A palavra até existe, mas quando há uma alternativa mais usada e conhecida em português, não vejo porque é que se têm de armar em esquisitos. :/

      Eu até tendo a desconfiar de livros que têm muito burburinho atrás, mas como é dum género que não leio muito, achei que valia a pena... enfim, não foi tudo mau, pelo menos tirei a dúvida, havia de ficar sempre curiosa.

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  9. Eu li o livro e até me prendeu até ao final; fiquei á espera de uma grande surpresa e no fim... pft... nada de novo!
    Será que me escapou algo? Não entendi o grande final?!
    Podes explicar "O fim arrancou-me um grande LOL. Literalmente."???

    Envia por favor a resposta para marcia.gonzalez@apg.pt para não desvendar tudo aqui...

    Obrigada e parabéns pelo blog.

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    1. Não é preciso, não vou ser muito específica, para quem não leu fica na mesma.

      Apenas queria dizer que, como tu, estava à espera dum final grandioso, ou pelo menos que trouxesse algum sentido de justiça. Senti-me defraudada nesse aspecto, mas por outro lado senti-me, hmm, vingada, porque o final a que temos direito é irónico e estranhamente adequado para os personagens. Aqueles dois passaram o livro todo a torturar-se (e a torturar-me a mim), e parabéns meus queridos! agora podem passar o resto da vida a fazer o mesmo, mas felizmente eu não tenho que vos aturar. xD

      Obrigada, e obrigada pelo comentário. :D

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