Opinião: Admitidamente, li o livro porque a adaptação do Baz Luhrmann está aí à porta, e eu prefiro ver um filme depois de ter tido a oportunidade de ler o livro. Imagino que o realizador tenha pensado em adaptar esta história porque tem um ambiente que (pelo menos a mim) lembra o dos boémios em Paris (sim, estou a pensar no Moulin Rouge), e porque pode transformá-la numa história de amor trágica (sim, ainda estou a pensar no Moulin Rouge) - apesar de isso não ser exactamente verdade, e nem sequer ser o objectivo do livro.
É uma história impressionante, não necessariamente pelo que se passa nela, mas pelo que podemos vislumbrar que o autor tinha em mente quando a escreveu. A crítica a um modo de vida (o das festas, álcool e deboche nos anos 20), a uma classe social (os ricos do "velho dinheiro"), e ao paradigma do "sonho Americano" está bem patente no livro; e espero que tenha sido catártico para o F. Scott Fitzgerald escrevê-lo, porque parece ter-se debatido muito com estas questões durante a sua vida.
O Gatsby, o personagem titular, acaba por ser fascinante de analisar, por estar inicialmente envolto em mistério e por se revelar aos poucos ao narrador (e consequentemente ao leitor). Há algo de idílico na sua jornada para se tornar merecedor daquela que ama; mas triste, ao aperceber-mo-nos de que ela não é merecedora de tanta devoção, e de que tudo o que ele atingiu cai por terra ao ser rejeitado por ela, pois foi por ela que o atingiu.
Por extensão, também se torna interessante ver o percurso do narrador, o Nick, que inicialmente se deixa fascinar por estas pessoas e por esta vida, mas que aos poucos vislumbra as suas desvantagens, e apercebe-se de que este mundo não é para ele. Quase como se o autor estivesse a escrever para o seu eu mais novo, num jeito de "cautionary tale", para o impedir de se deslumbrar com este modo de vida.
A parte final do livro é tão ominosa, e cheia de tensão, e finalmente triste e ao mesmo tempo vazia, no sentido em que nos faz pensar... vale a pena conseguir dinheiro e fama, à custa de amor, amizade, famíla, enfim, ligações pessoais significativas? É uma reflexão interessante sobre a constante luta humana para conseguir mais e melhor, sem nunca se contentar.
A prosa do autor é lírica, e bela de ler, mas também acho que é em parte inimiga do próprio livro. Porque sinto que o autor se empenhou tanto na escrita e no simbolismo que queria transmitir, que sacrificou personagens e enredo. O enredo porque o senti fragmentado, por vezes, faltando-lhe qualquer coisa. As personagens porque às vezes parecem mais arquétipos do que pessoas de carne e osso; as suas motivações e as suas emoções escondem-se atrás duma cortina e o autor não faz grande coisa para descortiná-las.
É que muito do que disse acima e do que me apercebi acerca das personagens foi feito dum modo muito cerebral, analítico (quase como se estivesse a analisar a história para uma aula), e feito posteriormente; não foi algo que me apercebi durante a história, sustentado nas emoções e problemas dos personagens. Em retrospectiva, sinto pena e tristeza com a história do Gatsby, mas não o senti quando estava a ler, porque a maneira do autor contar a história deixou-me... entorpecida. E para mim, uma história tem que me transmitir alguma emoção, seja qual for, ou está a falhar numa coisa tão fundamentalmente humana.
Uma nota à tradução, que em grande parte parece-me fazer jus à escrita. Contudo, foi feita em 1960, e nota-se que está datada. Não só nas notas do tradutor, que fazem referência ao ano, mas também na escolha de algumas palavras. E irritou-me profundamente o tradutor não saber o que havia de traduzir ou manter em inglês. Traduziu Leste (dos EUA), mas não traduziu Middle West (=Midwest dos EUA). Traduziu Lower East Side (por "baixo Lado Leste" ou algo do género, o que me deu vontade de arrancar cabelos... não se traduz, simplesmente, áreas icónicas duma cidade, caramba, toda a gente sabe o que é o Lower East Side... e se não souberem procuram, agora "baixo Lado Leste" não vai ajudar mais a perceberem o que é), mas depois não traduz West Egg ou East Egg (que admitamos, tinha piada, traduzir por "Ovo Oeste" e "Ovo Leste"). Entre outros exemplos, mas fiquei no fim a desejar ter lido outra tradução.
Título original: The Great Gatsby (1925)
Páginas: 188
Editora: Clube do Autor
Tradução: José Rodrigues Miguéis
Estou tão curiosa para ver o filme :)
ResponderEliminarAdorei o "Romeu e Julieta" com o DiCaprio e sendo o mesmo realizador… :)
Também eu. Comigo foi o Moulin Rouge do mesmo realizador que me marcou. :) Acho que o filme promete, só o Baz para adaptar uma história destas. :D
EliminarNão concordo que seja um livro que não transmite emoção...Pelo menos a mim transmitiu, só que são emoções profundamente tristes...Aquelas festas todas, um modo de vida tão desesperado e fútil, aquele vazio por trás das luzes...Ainda não li nenhum outro autor que tenha conseguido descrever isto tão bem...Mas a escrita é de facto um pouco difícil e não é fácil discernir as motivações das personagens. É daqueles livros para ser lido e relido…
ResponderEliminarCumps :)
Fico contente que o livro tenha funcionado para ti neste aspecto, infelizmente a mim não me transmitiu grande coisa ao lê-lo. É um bocado estranho de explicar, mas tudo o que sinto acerca da história veio-me após a leitura, depois de reflectir na mesma. :)
EliminarMas gostava de o reler, especialmente em inglês. ;)
Olá P7,
ResponderEliminarJá tinha lido que estamos na presença de um grande livro, a ver se o encontro na feira do livro de Lisboa numa alfarrabista e o compro.
Gostei do teu comentário e parece-me ser um livro muito interessante :)
bjs e boas leituras :)
Aproveita, sim, que vale a pena. É um livro curtinho e até tem uma história bem interessante, ainda que não usual ou sequer consensual. Se não encontrares nos alfarrabistas, tens edições de bolso relativamente baratas na Europa-América e na 11x17, que é uma editora da Bertrand. ;)
EliminarBoas leituras! :D