Desta vez, a leitura escolhida pela Patrícia do Chaise Longue para eu ler para esta rubrica foi Transformar-se em Maria Antonieta, de Juliet Grey. Uma leitura inusitada, para mim; é raro ler ficção histórica desta maneira, pegando em personagens reais, em acontecimentos reais, e ficcionando à volta deles. Foi curioso, para mim, manter a distância e lembrar-me que esta é uma interpretação dos acontecimentos, feita pela autora, e não a verdade verdadinha tal como aconteceu. Ainda assim, pareceu-me uma interpretação plausível, e foi uma bela leitura, muito cativante.
Em Agosto, eu e a Patrícia vamos fazer uma pausa, e retomamos a rubrica em Setembro. Entretanto, podem ler as impressões da Patrícia sobre o livro que escolhi para ela, The Winner's Curse de Marie Rutkoski, aqui.
Maria Antonieta, princesa odiada ou menina esquecida: muito se tem dito e falado sobre esta rainha. Envolta em controvérsia, é talvez das mais odiadas da História. O que achaste do retrato que Juliet Grey nos dá?
É um retrato curioso, algo benigno, mas que tenta explicar como é que a sua educação e circunstâncias levaram-na ao fim que conhecemos. É um pouco triste, até. Quase a última filha numa grande (muito grande) família, dá-me a sensação de ter sido negligenciada, particularmente na sua educação; e então quando de repente acalentam grandes esperanças e querem que ela seja muito mais do que é, as coisas complicam-se. Ela não parece ter um espírito forte, decidido, mas se a mãe tivesse tido mão na educação dela, preparando-a para navegar nas águas traiçoeiras da intriga palaciana, talvez ela não tivesse cometido tanta asneira, e não tivesse tido tanta dificuldade em se integrar na corte francesa.
Acho que o que me desanima é ver potencial desperdiçado, e há momentos na corte em que se vê que ela consegue ser inteligente e ultrapassar desafios. E por outro lado, seria fantástico se a mãe dela, a imperatriz Maria Teresa, de facto se decidisse pelo que quer. A miúda estava a receber sinais mistos sobre os desejos da mãe, do que era esperado dela como austríaca, mas ao mesmo tempo ela também já não o era, tinha renunciado ao seu país com o casamento, e o apego à Áustria poderá ter complicado a integração em França.
Como pessoa, a protagonista parece ter bom fundo, boas intenções, ainda que nem sempre bem orientadas. Acho interessante a sua relação com o marido, com o qual a consumação do casamento ainda levou um bom bocado a acontecer (passam-se quatro anos depois do casamento neste livro e nada! vamos lá ver no próximo). São apenas dois miúdos, nada preparados para casar, e a falta de comunicação entre ambos, e com as pessoas mais próximas, para esclarecerem questões de intimidade, levou a um arrasto ridículo de tal situação.
Luís Augusto, o delfim idealista mas influenciável: um fraco para a História mas neste livro temos uma perspectiva mais pessoal dele. Era assim que o imaginavas?
Acho que não o imaginava, de todo. Geralmente fala-se tanto da Maria Antonieta, que ele fica para segundo plano. Mas não fiquei muito bem impressionada. Quero dizer, até acho interessante que ele não se deixe embarcar nas intrigas e frivolidades da corte... mas também é cego ao que é preciso ser mudado, e está demasiado interessado em comer e caçar para se dedicar ao que é exigido do seu papel. No geral, parece um bocado palerma.
Tal como a Maria Antonieta, parece ter um espírito fraco, pouco decidido, bastante influenciável, especialmente no que toca ao seu tutor. Bem, só se estragou uma casa, no que toca a este casal, mas gostava que pelo menos um deles tivesse tido uma boa cabeça para enfrentarem os problemas que os esperavam. É que assim é bastante claro que eles estavam amaldiçoados a falhar, desde o início, como monarcas, o que é tão triste, porque é um desperdício. Tinham uma oportuniade real de mudar as coisas em França, mas não o conseguiram, e bem, todos sabemos como é que isto acaba.
Sendo ficção histórica, este livro apresenta-nos personagens que existiram. Pensas que a autora conseguiu trazê-las a vida realisticamente?
Definitivamente. Consegue dar pequenos detalhes, pequenas idiossincrasias a todos, de modo que parecem reais para mim. O que são, só que aqui me pareceram personagens tão reais que eu me ponho a falar deles, as suas motivações e feitios, como se fossem apenas isso, personagens de um livro. O que, depois lembro-me, não são. E custa separar as águas, entre as pessoas reais e os personagens ficcionados que me parecem reais, graças à descrição da autora. É um pouco bizarro, falar de pessoas que existiram como personagens de um livro. Uma experiência fascinante, diria também.
Qual foi a personagem que mais te marcou? E aquela que te mexeu com os nervos?
Quase que podia responder "a imperatriz Maria Teresa" às duas. A mãe de Maria Antonieta parece uma pessoa impressionante, pronta a levar tudo e todos à frente, com uma ambição formídável, e parece uma pessoa que seria interessante conhecer. Mas por outro lado, bule-me com os nervos a maneira como ela espera que a Maria Antonieta se transforme nesta consorte ideal para o delfim de França, da noite para o dia, por artes mágicas; e a maneira como diz à filha para fazer uma coisa, e a seguir outra completamente diferente, é positivamente ridícula. Portanto, mexe-me definitivamente com os nervos.
Quanto à personagem que marcou, vou escolher a Maria Antonieta, porque este é um retrato bem surpreendente dela, bastante cândido, mas delicioso de explorar.
A narrativa apresenta-nos a vida de Maria Antonieta antes de ser delfina, na Áustria, e depois em França. Quais foram para ti as maiores diferenças? Achas que a autora conseguiu mostrar quão diferentes as realezas, países e cortes eram?
Se eram diferentes! Creio que sim, conseguiu dar uma ideia. Quero dizer, não passamos assim tanto tempo na corte austríaca, porque a educação da Maria Antonieta está um pouco afastada do dia-a-dia da corte e da política, mas do que vemos, é imediatamente visível o contraste quando passamos para a corte francesa. E que corte de loucos, quase posso dizer. Pelo menos, tenho a certeza que eu dava em louca, com tanta etiqueta, tanta intriga, tanta formalidade, tanta hipocrisia.
São enormes as diferenças que encontro. Só a noção de ir dormir e acordar com uma trupe de cortesãos a dar-me e tirar-me roupa... *arrepios* Esta gente não conhecia definitivamente a noção de privacidade. E, desculpem, mas urinar no meio dos corredores? Ninguém sabe o que é um penico? De certeza que já os havia naquela altura. Até parece que havia criados para os despejar, e muitos, em Versalhes. Não era por falta deles que andavam a deixar presentes nos corredores.
E depois temos as intrigas mesquinhas, a devassidão, a falta de moral... eu até compreendo como é que a corte francesa começou e acabou neste estado, mas é demais. Um bocadinho menos de atenção à roupa do vizinho do lado e a quem anda a dormir com quem, e mais ao país e aos seus domínios, e se calhar não tinham perdido a cabeça. (Literalmente.) Digo eu.
Como romance histórico, este livro conseguiu captar a tua atenção? Juliet Grey conseguiu transportar-te no tempo para a França do século XVIII?
Definitivamente. Parece-me pelo menos um livro bastante bem pesquisado, bem detalhado, e não tive dificuldade em ver-me nesta época, em conhecer a personalidade de uma das personagens mais marcantes da história, e em perceber o seu passado e o seu futuro, em como a sua vida inicial em França dá lugar ao que aí vem. Conheci os cortesãos, a intriga, a etiqueta da corte, e senti-me parte da história, por momentos.
Sendo passado numa época de revoluções, intrigas e aparências, achas que este livro conseguiu transmitir-te os tempos difíceis que as personagens viviam?
Depende do que queres dizer por tempos difíceis. Raramente vemos o ponto de vista do povo, que esse sim estava a passar momentos complicados, mas não é esse o objectivo do livro. E de certo modo, também são tempos difíceis os que acompanham a corte francesa e a sua evolução, porque aqui estão as pessoas que podiam liderar França, fazer uma mudança para melhor no seu país, e estão demasiado obcecadas com quem é que vai dar a camisa de dormir à delfina! Ou seja, são tempos difíceis, sim, pela frustração que os eventos na corte me transmitem, e pela noção que podiam estar, sei lá, a fazer coisas mais úteis. Por isso, sim, a autora conseguiu transmitir-me isso muito bem.
A escrita deste livro faz-me pensar no filme de Sophia Coppola, Marie Antoinette, principalmente por ser muito visual. Concordas?
Bem, tem alguma piada, a tua pergunta, porque realmente tive flashes do filme quando estava a ler o livro, por isso diria que concordo. É muito fácil visualizar os exageros, os excessos nos vestuários e decoração, e diria que o filme ajuda visualmente as descrições da autora, que não lhe ficam nada atrás. Complementam-se bem, e fiquei com vontade de rever o filme. Diria também que a escrita da autora se presta bem a fazer-me "ver" aquilo que descreve, por isso fez um bom trabalho neste aspecto.
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