domingo, 24 de agosto de 2014

O Projeto Rosie, Graeme Simsion


Opinião: Já tinha reparado neste livro e ouvido falar dele por aí, mas nada do que tivesse lido sobre ele me deu uma boa ideia sobre o que era ou me deu uma enorme vontade de o ler, pelo menos não como o fez a opinião da Jamie do Perpetual Book Turner; e é capaz de ter sido das melhores leituras por impulso de outrém que já fiz. E é tão bom quando uma leitura nos surpreende.

The Rosie Project é a história de Don, um protagonista singular, sobre o qual é sugerido que tem síndrome de Asperger (o Don nunca é diagnosticado, mas o seu comportamento vai de encontro ao descrito para os que têm o síndrome), e que chega à conclusão que a melhor maneira de resolver o seu dilema quando a encontrar uma esposa, é desenvolver o Projecto Esposa - que envolve um questionário que vai separar as candidatas que vão de encontro às suas preferências. Só que um dia aparece-lhe no escritório a Rosie, que é completamente desadequada para ele, ou assim Don o pensa, mas isso não o impede de se oferecer para ajudá-la a procurar o pai biológico. E sem dar por isso, Don vai passar alguns dos melhores momentos da sua vida.

Acho que a melhor coisa que o livro fez por mim foi pôr-me a pensar no modo diferente como o Don, ou outras pessoas como ele, vêem o mundo. Hiperanalítico, preso a um horário rígido definido por si, e para o qual é muito difícil entender como os outros funcionam socialmente. Figuras de expressão, mentiras piedosas, pequenas frases, gestos ou expressões que dão pistas para como os outros se sentem, que podem não ir de encontro ao que dizem - tudo isso passa ao lado do Don.

E foi fascinante ver como ele navega num mundo pouco disposto a aceitá-lo como diferente, sem o isolar por ser diferente. Algumas das situações apresentadas são um pouco cliché, ou feitas para a piada fácil, mas a mim só me deixavam a pensar quão verdadeiramente trágico é ter uma pessoa que não é exactamente aceite pelos que a rodeiam, só porque funciona duma maneira um bocadinho diferente. Estas situações acabam por humanizar o personagem e ajudar a entender um pouco melhor como quem tem o síndrome experiencia o mundo. Não é que o Don não entenda quando alguém não está bem ou não seja capaz de uma empatia enorme, apenas leva um bocadinho mais a lá chegar.

É interessante acompanhar o estado psicológico do Don ao longo da história. É descrito que ele teve no passado uma depressão, derivada de não conseguir integrar-se socialmente, e de quanto isso o fez sofrer; e no presente, ele encontrou uma maneira de lidar com a sua diferença, ainda que eu não a descrevesse como exactamente saudável. O Don resignou-se a ser o esquisito, aquele que é o palhaço de ocasião, devido às suas interacções com os outros nem sempre correrem bem, e terem por vezes resultados cómicos. Mas isto acaba por ser triste à sua maneira, precisamente pelo estado de resignação do Don.

E então entra em cena a Rosie, nada adequada para o Projecto Esposa do Don, com um dilema a precisar de resolução: encontrar o pai biológico. É curioso ver como a relação que a Rosie tem com o pai que a educou, o Phil, ou a percepção que tem dele, acabam por ser tão cruciais para o desenrolar dos eventos. E é tão engraçado acompanhar os problemas e aventuras em que ela e o Don se metem para tentar encontrar o elusivo pai biológico. Fazem algumas coisas eticamente reprováveis, mas os sarilhos em que se metem são das coisas mais divertidas, e gosto do modo como rapidamente fazem o Don desviar-se do seu horário e experimentar coisas novas, mesmo sem se dar conta. A Rosie é um furacão que deu a volta à sua vida, e gosto de como a conhecer deu cabo tão fácilmente do horário dele tão cuidadosamente preparado, ou de como o que viveram juntos o faz questionar como tem vivido e experienciado a vida até agora.

Por outro lado, gosto mesmo da Rosie, decidida a questionar o mundo e a não deixar-se encaixar nele. Gosto de como se deixa encantar pelo Don e pelo seu modo peculiar de ver as coisas. É uma personagem complexa, de pleno direito, e nada perfeita, o que é tão bom de acompanhar. Não é a mulher perfeita, endeusada, e faz um monte de asneiras, como a percepção que tem do Phil, ou algo que diz ao Don que o faz pensar que tem de mudar, de ser completamente diferente para a conquistar. Mas à sua maneira, é o par perfeito para o Don.

A recta final da narrativa é um pouco complicada, porque o Don tenta fazer uma coisa completamente adorável, mas que não tem nada a ver com ele, e por isso sai-lhe o tiro pela culatra. Acho que o autor podia ter sido mais explícito quanto ao estado de espírito do Don nestes momentos, ou a maneira como chegou às conclusões que tirou. O autor dá a sensação é que é um momento quase "eureka!", mas acho que faz mais sentido ser uma coisa que tem acontecido ao longo do tempo, que sempre esteve lá, e que o Don só percebeu que estava lá naquele momento.

Bem, de qualquer modo o capítulo final é bem giro, um pouco já afastado da narrativa principal, mas não inesperado se soubermos que há uma sequela que vem a caminho. Por mim, gostava imenso de ver o Don a lidar com os próximos desafios na sua vida.

Uma menção à tradução, que por vezes não fluía muito bem, provavelmente por uma tradução desajeitada de certas frases. E dois pontos: um, a cafeína tem uma semi-vida, não uma meia-vida (convém pesquisar termos básicos científicos num livro em que o personagem principal é cientista, e um tão rigoroso!); e dois, que raio de problema é que os tradutores neste país têm com o termo faculty? Não, não é uma faculdade, é um corpo docente. Como em: grupo de pessoas que dá aulas numa instituição escolar. Parem lá de o traduzir por faculdade, especialmente porque em grande parte das vezes o contexto é a falar dos professores duma universidade ou dum outro tipo de escola.

Título original: The Rosie Project (2013)

Páginas: 336

Editora: Divina Comédia

Tradução: Pedro Elói Duarte

2 comentários:

  1. Este livro está traduzido em pt?=O Ando para o ler há que tempos! Vou gostar?=p

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    1. Acho que sim, pelo menos é totalmente adorável. ;) Vou adicionar à pilha "livros que tenho de convencer a Patrícia a ler". :D

      Pois, passou mesmo despercebido, infelizmente. A editora é bem recente, e ainda não têm muito destaque nas livrarias, o livro apareceu mais na altura em que saiu mesmo, que foi aí em Outubro ou Novembro. :/

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