Opinião: É definitivamente incomum estar a comentar um livro nestas circunstâncias, em que um protagonista não evolui absolutamente nada ao longo da história, e nada aprende com o que lhe acontece. Mas não é esse o objectivo do livro, e com isso em mente não consegui deixar de ficar fascinada com o retrato apresentado do protagonista, Sutter Keely.
É que Sutter é aquela pessoa que é a alma da festa. Onde quer que vá, anima as coisas, deixa toda a gente bem humorada, de bom astral. Mas Sutter é, para todos os efeitos, um alcóolico, e pior, um que não quer ver a verdade. Onde quer que vá, leva um copo de 7UP com whiskey misturado. Sutter acha que pode parar a qualquer momento. E que não há problema nenhum em querer começar o dia animado, com um copinho a deixá-lo bem disposto.
Portanto, seguir a sua narração ao longo da história teve dois efeitos. O primeiro foi deixar-me cativar. O protagonista é aquele tipo de pessoa que encanta toda a gente, ao pé do qual é um gosto estar, e a sua visão do mundo é tão bem humorada que é difícil resistir-lhe. O segundo foi ver o quão triste, o quão patética deve ser esta existência. Porque o Sutter está em negação acerca de um monte de coisas, e o mecanismo dele de lidar com isso é beber, muito - coisa acerca da qual ele também está em negação.
E é desanimador perceber ao longo da história todas as maneiras com que ele tenta evitar assuntos sérios, ou os problemas que lhe aparecem, ou sequer a verdade acerca de beber demais. É pena, porque o Sutter é capaz de ser uma boa pessoa, tendo rasgos de bondade, ainda que nem sempre bem direccionada; e o modo como pensa o mundo é bem engraçado e algo profundo... o seu mundo interior é bem mais complexo do que deixa transparecer, e é um desperdício vê-lo seguir os mesmos padrões de comportamento que não o levam a lado nenhum.
E por isso, este não é um livro inspirador ou em que o protagonista aprende uma grande lição, mas sim simplesmente a captação de uma pequena parte da sua vida, sendo uma narrativa esclarecedora para o leitor, mostrando como alguém com uma adição se posiciona em relação a ela, de como vive o dia-a-dia, de como é fácil enganarmo-nos a nós próprios sobre os problemas na nossa vida.
O elenco secundário é bastante vívido, e muito interessante de acompnhar. Acima de tudo, estes são adolescentes dos dias de hoje, prontos a agarrar o aqui e agora e aproveitar o momento, sem complexos ou tabus. A vivência retratada é bastante descomplexada, e ficam na memória personagens como a Cassidy, a ex-namorada que se mantém uma boa amiga, ou o Ricky, o melhor amigo que tenta crescer um bocadinho.
Já a Aimee, pobrezinha, dá vontade de abraçar e construir-lhe uma redoma à volta para nada de mau acontecer-lhe. É uma miúda adorável, patética à sua maneira, mas cheia de sonhos e de vontade que as coisas mudem. E o Sutter encanta-se por ela, e num rasgo de boa vontade genuina, tenta puxar pela Aimee, envolvendo-se mais e mais profundamente com ela. E ainda que no início pareça que o Sutter tem uma boa influência nela, fazendo a Aimee sair da casca, rapidamente se torna clara a disfuncionalidade da relação, o quão o Sutter arrasta a Aimee para as bebedeiras, e o quão ela está impreparada para um primeiro amor tão complicado e problemático como este.
O fim é, diria, merecido. Não esperava um final feliz, porque não acredito que o Sutter o mereça, tendo em conta o estado em que está; e para as coisas terminarem pelo melhor, é preciso haver vontade, coisa que o Sutter não exibe. E por isso, assim ele se deixa arrastar pela sua existência, porque só pode vir de si, nunca dos outros, a força para ver o que está errado e querer que isso mude. Entretanto, que aproveite o seu Espectacular Momento Presente.
Título original: The Spectacular Now (2008)
Páginas: 344
Editora: Presença
Tradução: Maria de Almeida
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