sábado, 5 de julho de 2014

A 5ª Vaga, Rick Yancey


Opinião: Este é um daqueles casos em que um livro traz consigo um burburinho tão grande atrás que eu fico desconfiada e fujo a sete pés na direcção contrária. Só muito mais tarde, quando alguém me dá um grande empurrão na direcção certa, é que me arrisco. E depois termino a leitura e fico com vontade de me auto-flagelar e a resmungar para comigo "why? porque é que adiei tanto tempo? why? só que agora tenho de esperar menos tempo pelo próximo livro, yay!".

A 5ª Vaga conta a sua história do ponto de vista dos sobreviventes de uma invasão extraterrestre. Através de várias vagas criadas para eliminar o maior número de humanos possível, os extraterrestres reduziram a humanidade a uma fracção do seu número original.

Cassie Sullivan é uma dessas sobreviventes. O primeiro capítulo/parte é a sua narração, recheada de flashbacks, de como ela e a sua família passaram pelas várias vagas, até dar por si sozinha. É uma parte impressionante do livro, porque a Cassie está completamente desfeita, mentalmente, e apenas pode continuar a dar passo após passo, sem fazer planos, porque tudo o que conhecia lhe foi roubado, e ela luta ainda assim para sobreviver. É dura. Mas os eventos das sucessivas vagas deixaram muitos fantasmas, e uma convicção paranóica que só sozinha vai conseguir continuar, só se não confiar em ninguém vai sobreviver.

Por outro lado, existe um segundo protagonista, que foi uma surpresa porque nem sequer a sinopse da minha cópia do livro fala dele. Caramba, falam-me do Evan Walker, mas não há nem uma palavrinha para o soldado Zombie, que é tão importante para a história como a Cassie? (Chamo-lhe soldado Zombie, uma das suas identidades, porque usar o seu nome é a modos que um spoiler. E é mais divertido descobrir quem ele é lendo o livro.) Bem, o soldado Zombie sobreviveu às várias vagas, e dá por si num local muito diferente da Cassie, rodeado de sobreviventes, e a ser preparado para lutar numa guerra. A sua história é muito interessante, pela incerteza que traz, e pela história que conta, do batalhão deste soldado.

Uma das coisas que me agradou mesmo na narrativa é que as histórias da Cassie e do Zombie são um pouco reflexos uma da outra. Há um par de capítulos com outros POVs, mas a narrativa é essencialmente feita pelos dois, estando intercalada, e quando uma acaba e outra começa há às vezes certos pontos de ligação. Tematicamente, ambas as histórias lidam com o mesmo tipo de coisa, ainda que de modo muito diferente. E depois, há a repetição de frases e ideias em ambas, que acabam por as ligar, e achei uma boa opção do autor. Gostei de encontrá-las.

Outra coisa de que tenho de falar é que este livro me tornou mesmo paranóica. Mesmo, mesmo, paranóica. A certo ponto das narrativas da Cassie e do Zombie acontecem coisas que eu interpreto como tendo origem nos extraterrestres, mas depois o autor faz-me duvidar de mim mesma e fico a pensar "ok, isto até podia ter sido feito pelos humanos" (no caso do Zombie, a coisa parece ter requintes de malvadez suficientes para eu pensar que pode ter origem nos humanos), e depois passei o resto do raio do livro a andar para a frente e para trás entre as duas opções. Mesmo quando as coisas parecem óbvias, e as reviravoltas são algo previsíveis, o Rick Yancey fez-me duvidar de mim mesma, por isso, pontos bónus. Conseguiu conjurar a atmosfera do apocalipse extraterrestre perfeitamente.

No caso da Cassie, acho que a parte dela da história é de partir o coração. Ela estava tão sozinha, tão desesperada por contacto humano e por poder confiar em alguém que os seus instintos ficam confusos quando lhe é dada a oportunidade de o poder fazer. Não desaparecem completamente, porque ela tem consciência das pequenas coisas que podem ou não fazer sentido, mas acho que a "Cassie de antes" prefere aproveitar mais um bocadinho antes de voltar ao "modo apocalipse". Além disso, a sua história tem um certo potencial para quebrar barreiras, apesar de eu não estar completamente convencida quanto à outra parte, pelo seu... comportamento suspeito. Mas as suas cenas são giras, admito.

No caso do Zombie, adorei ler sobre o dia-a-dia do seu batalhão, e de como se esforçavam para melhorar no ranking e poder sair dali. Fiquei fã daqueles miúdos, completamente, tanto que quando o autor sugere que uma certa coisa que acontece lhes possa ter acontecido a eles, fiquei a roer as unhas. A narrativa do Zombie tem mais a ver com a necessidade de se provar, depois do que lhe aconteceu, de mostrar que é capaz e forte. E é, também, de partir o coração, ver estes miúdos a fazer coisas que nunca deviam estar a fazer, em condições nenhumas. É... distorcido. Para além disso, uma certa revelação da narrativa do Zombie (apesar de eu estar a modos que à espera dela) conseguiu ainda assim deixar-me siderada, pelas suas implicações.

Mencionei os dois POVs para além da Cassie e do Zombie. Cada um tem um capítulo/parte. Um é de um Silenciador, como a Cassie lhe chama, e é uma perspectiva muito interessante do outro, daquele que não é bem como os outros personagens. O outro é do Sammy e do seu acolhimento na base militar, e reconhecer as fases por que passou, a partir da narrativa de outro personagem... assutador.

O fim é bastante excitante, por ligar finalmente os dois fios do enredo, e achei bastante divertido ter a Cassie, o Zombie, e outro personagem não nomeado a criar o caos, especialmente porque não sabiam uns dos outros. E apesar de os personagens estarem em perigo de vida e a lutar para se safar dali, tem os seus momentos comoventes, e divertidos também (achei hilariante a cena em que toda a gente se encontra).

Acho que o que eu quero dizer é que, apesar de à superfície esta parecer apenas mais uma história pós-apocalíptica, o seu trunfo está no modo como o autor escreve, imbuindo-a de certos temas que se repetem ao longo da narrativa, dando um fundo psicológico muito interessante aos personagens e às suas circunstâncias, e questionando coisas como o que é afinal ser humano, ou como nos agarramos ao que fomos quando as circunstâncias exigem algo diferente de nós, ou como é possível ter esperança ao enfrentar o impossível. Mal posso esperar para ver aonde irá levar a história no próximo livro.

Título original: The 5th Wave (2013)

Páginas: 400

Editora: Presença

Tradução: Miguel Romeira

5 comentários:

  1. A ver se pego neste a seguir ao Champion!

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    1. Hm, gostava muito de ver o que achas deste. ;) Contudo, não sei se vais achar muita piada a um certo personagem e ao seu papel na história... :S

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    2. Wow, quem é essa personagem??

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    3. Bem, é uma pessoa que a Cassie conhece durante a sua jornada, e que afecta o percurso e o estado de espírito dela... para melhor, diria eu, tendo em conta que ela está um desastre no início do livro.

      Só que é um personagem... complicado. Eu própria perguntei-me se a Cassie estava a fazer a coisa certa, ao manter o convívio com este personagem... e isso era antes de ter a informação toda sobre ele. Mas ela tem consciência de que a situação não é ideal, por isso entra nisto de olhos bem abertos, não posso dizer que ela fez algo de estúpido.

      Em suma, acho que estamos no nível de estupidez que levou a Penryn a pedir ajuda ao Raffe, e a ajudá-lo, mas também no nível de desespero e necessidade. Para eles os dois correu bem, agora para estes dois ainda estamos para ver...

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    4. Woah!! que me dizes do Raffe?? naaaÃO!! sabes que até tive mais medo por ele, porque a Penryn é perigosa xD estremeci naquela fase inicial quando ele estava mal por causa das feridas das asas e ela ainda o maltrata mais, aquela cena dos pregos, aaah, PENRYN MALVADA.
      Mas acho que percebo qual é o problema aqui. Eeek, tenho de ler. Vou mete-lo na minha pilha para a Wicked :D

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