Estou a preparar-me para a leitura do último livro da autora na trilogia sobre os Grisha, Ruin and Rising, e por essa razão peguei nos contos que ela tem escrito e que têm sido ou publicados entre livros, ou perto da publicação de um dos livros da trilogia. São contos relacionados com este mundo: um deles, The Tailor, mostra a perspectiva e a história de Genya, nalguns momentos do primeiro livro, Shadow and Bone; os outros três são escritos como se de contos tradicionais de Ravka se tratassem, com o estilo e a estrutura típica dos mesmos.
Tenho de louvar a autora, especialmente na escrita dos contos, que estão fabulosos. Usando muito o estilo da tradição oral, com repetições de ideias e de motivos, com personagens e enredos, e com uma moral final, acaba por definir um pouco mais o seu mundo, dando-lhe profundidade, com esta pequena adição de contos tradicionais de Ravka.
Acho muito interessantes as ideias que ela tenta transmitir, ideias essas que estão espalhadas um pouco por toda a trilogia. Pequenas coisas, como os monstros e os vilões nem sempre serem aquilo ou aqueles que esperamos; ou o sacrifício que por vezes é preciso fazer para ter um final feliz; as lições aprendidas, muitas vezes deixando os protagonistas não propriamente incólumes; ou a importância de dar valor às coisas certas; e de como nem sempre o poder está onde se espera. Morais muito interessantes para o mundo de Rakva, e particularmente para o percurso da protagonista da trilogia, Alina.
Não culpo realmente a Genya por ter feito o que achava que era necessário, porque tanto o primeiro livro como o segundo fazem um bom trabalho em mostrar como a sua vida é complicada e em como isso condiciona as suas decisões... mas parte-se-me o coração ver a que ponto ela é uma marioneta das pessoas que a rodeiam.
Por um lado, a corte de Rakva, esse grupo de cobras, que pegou numa menina doce e simples e a retorceu até mais não; detesto a maneira como a rainha reagiu com ela - responsável por trazê-la para o palácio, mais tarde abandonou-a e começou a tratá-la como inimiga, sem a pobre da rapariga perceber o que tinha feito (porque não tinha feito nada... a não ser crescer).
Por outro, o Darking, que voltamos (ou continuamos) a ver em toda a sua glória manipuladora, que sabe pegar nos anseios de alguém e virá-los contra essa pessoa; não me admira que a Genya o tenha ajudado, especialmente se tivesse uma ideia do que ele tinha preparado... ela tinha boas razões para ver isso acontecer.
E portanto a Genya, incapaz de controlar muita coisa na sua vida, pega naquilo que consegue controlar e toma uma decisão acerca disso, ainda que deplorável, ainda que retirando o poder de decisão a outrém. Não consigo ficar zangada com ela, mesmo.
Uma história sobre uma aldeia que passa um Inverno difícil, cujas meninas estão a desaparecer na floresta; e sobre Nadya, uma menina que perde a mãe e cujo pai volta a casar, mudando completamente o seu mundo.
Acho que o que mais gosto do conto é a sua atmosfera, escura, sugestiva, e o modo como segue o estilo de um conto tradicional, mas depois vai e troca-nos as voltas, apresentando um problema bem real, num enredo imersivo. Fiquei fascinada com este conto.
Sem estragar a história, vou apenas dizer que gostei de ler sobre as relações da Nadya com as outras mulheres da trama, e claro, a reviravolta final. Muito recomendado.
Este conto faz-me lembrar dum certo persongem no segundo livro, Siege and Storm, particularmente porque creio que a autora faz a comparação desse personagem com o protagonista deste conto de modo explícito. Mas também pela personalidade de ambos, que me parece recordar uma da outra. E pelo facto de temer que o tal personagem do segundo livro ainda venha a tentar dar uma dentada maior que a boca, como o raposo titular... de certo modo, até já o fez, em Siege and Storm.
Este é um conto sobre um raposo, Koja, que apesar de não ser muito bonito é bastante esperto, e consegue safar-se de todos os sarilhos usando a cabeça. Só que a arrogância de pensar que é a coisa mais esperta por ali pode vir a ser o que lhe custa a vida, quando um caçador imbatível chega à aldeia.
Como já estava preparada para encontrar uma reviravolta na história, adivinhei-a antes de a encontrar neste conto, mas isso não me diminuiu o prazer da leitura. As situações por que o raposo passa têm o estilo de uma narrativa que ensina pelo exemplo, e gosto muito de duas ideias: de como as aparências são enganadoras, e de ele receber a ajuda mais inesperada que podia haver.
Este conto lembra aqueles em que há uma série de tarefas para um personagem completar, e tem o tipo de repetição que acompanha esse estilo de conto, mas consegue surpreender pelo seu fim.
Little Knife conta a história de uma jovem, Yeva, filha de um duque, e tão bela que a visão da sua beleza põe os homens a lutar por ela. Então, para resolver o problema de quem casará com ela, o duque inventa três tarefas que os pretendentes à sua mão têm de cumprir.
Mais uma vez, a autora brinca com o estilo dos contos de fadas, e com o que esperamos de um, para jogar com essas expectativas e criar uma reviravolta bem inteligente. Achei muito interessante a posição da Yeva durante todo o conto, passiva, aceitadora da vontade do pai, algo ingénua, para passar a ser alguém com poder de decisão sobre o seu próprio destino, activa e livre. É uma boa subversão do cliché.
Li algures alguém a fazer um comentário que ligava este conto ao último livro... bem, ainda não o li, mas posso ver como é um bom paralelismo ao percurso da Alina durante a trilogia. De impotente a decisora, de frágil a poderosa, de como aprendeu aquilo que era capaz de fazer e que é preciso saber em quem depositar a sua confiança. De como o fim mais óbvio nem sempre é aquele a que chegamos. Faz-me temer um pouco pelo que ainda está guardado para a Alina em Ruin and Rising, mas também ficarei feliz se ela tiver um fim tão assertivo como a Yeva.
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