Opinião: Depois dos acontecimentos de Se Disser que Te Amo, Vou Ter de Te Matar, Cameron "Cammie" Morgan está de coração partido, a tentar ignorar o desgosto amoroso que sofreu ao ter de se separar do Josh. A sua actividade no Colégio Gallagher é incompatível com o manter duma relação com um rapaz de fora do mundo da espionagem, especialmente quando esse rapaz faz o que o Josh fez no final do primero livro. Que foi amoroso, mas mostra que o cruzamento entre estes dois mundos é impossível.
Portanto a Cammie está a curar o desgosto, mas não tem tempo para ficar ensimesmada. O Colégio Gallagher vai ser parte de um intercâmbio com outra escola, cujos alunos são... guess what? Rapazes. É bom ver que a autora pega numa fraqueza do mundo que construiu, presente no primeiro livro, e a usa para criar o enredo e o conflito deste livro. Os professores à frente da escola usaram a fragilidade no Colégio que é a falta de contacto com o sexo oposto para dar oportunidade às meninas para evoluir no seu treino de espias.
Além disso, depois de em Se Disser que Te Amo, Vou Ter de Te Matar termos as meninas a tentar perceber como é que o Josh, um rapaz normal, funciona, é bem giro elas terem mais espécimes para espiar (apesar de estes não serem rapazes normais), porque se geram situações caricatas. Passei o tempo todo na risota, divertida com as peripécias suscitadas graças a uma espécie de guerra dos sexos.
A única coisa que me custou nesta guerra dos sexos é que os rapazes parecem estar quase sempre em vantagem. Eles sabem exactamente o que os espera na primeira missão, sabem muito mais sobre o Colégio Gallagher do que as meninas sabem sobre o Instituto Blackthorne, e como não estão em casa, podem esconder muito mais facilmente o que e quem são.
Pronto, isto não é necessariamente um defeito, porque gera um ambiente de aprendizagem interessante para as meninas - elas não nascem ensinadas, e não podem jogar o jogo sem o aprenderem primeiro e perder umas vezes. Teria sido bom vê-las ter uma vitória, mas suspeito que a autora não dá ponto sem nó, e que esta situação é a plataforma para lançar a história de um dos próximos livros, e em que vou de certeza obter aquilo que gostava de ter lido aqui.
Gosto muito da camaradagem entre as jovens do Colégio. A Cammie tem um grupo de amigas mais próximas, a Liz (nerd residente, tão fofa, sempre preocupada com as aulas), a Bex (badass e confiante, não há nada que não saiba fazer), e a Macey (iniciada no mundo da espionagem, mas bem versada em "rapaz"). Contudo, há também um bom ambiente entre todas as jovens, especialmente entre as colegas do mesmo ano, e isso é muito bom de ver. (E talvez a parte final seja um passo na direcção certa no que toca a trabalhar em equipa com os rapazes.)
A Cammie é uma protagonista bem interessante, bastante boa no que faz, mas algo insegura, típico de uma adolescente, o que a torna mais próxima do leitor, e dando-lhe muito espaço para crescer. Estou muito curiosa para ver os segredos em torno da sua família desvendados, porque há de certeza muita coisa sumarenta por ali.
Por outro lado, fiquei dividida em relação ao Zach. Ele e a Cammie têm química, e é engraçado vê-lo dar a volta à Cammie, mas ao mesmo tempo não sabemos nada sobre ele, e é muito difícil acreditar em qualquer coisa que ele lhe diga, porque pode ser algo para lhe dar a volta, ou ganhar um qualquer tipo de vantagem. Ou seja, passei o tempo todo desconfiada dele e dos seus motivos. No entanto, estou com muita vontade de ver como é que isto vai evoluir, porque tem bastante potencial.
Aprecio o mundo que a autora construiu aqui, porque apesar de ser uma premissa um pouco irreal, a Ally Carter consegue torná-la credível, e melhor, fazê-la evoluir e expandi-la dum modo satisfatório. Para além disso, a autora trabalha muito bem o espaço que tem e nada parece desperdiçado na maneira como a narrativa flui, plantando ainda, creio eu, pequenos fios que farão parte da teia dos próximos enredos.
O final, já mencionei, é recompensador pela cooperação que podemos ver. E é uma reviravolta bem engendrada; por momentos, deixei-me enganar, mas depois percebi o que estava a acontecer. Só fico com pena de não poder ver mais intercâmbio entre escolas, por agora.
Uma nota para a tradução, que em geral até me parece bem, com duas excepções. Uma, a tradução daquilo que calculo que é alias em inglês, por lenda em português. Lenda é uma palavra demasiado geral e inespecífica para ser usada neste contexto tão específico, e presta-se a que seja confundida com os outros significados da palavra em português.
Dois, fazem uma série de asneiras a tentar transmitir o sistema escolar e as notas. Estas últimas, um sistema de A a F, são passadas para um sistema de 1 a 20, o que deixa muitas lacunas na escala numérica. E o sistema escolar, em que as meninas estão no equivalente ao décimo ano, mas no livro é mencionado que estão no último ano, quando ainda lhes faltam dois anos. Este até é o último ano deste ciclo de estudos, realmente, sendo que os próximos dois anos são de um ciclo a seguir no Colégio Gallagher, mas como isso não é tornado explicito no texto, o uso de "último ano" é muito enganador.
Título original: Cross My Heart and Hope to Spy (2007)
Páginas: 256
Editora: Booksmile (20|20)
Tradução: Rita Figueiredo
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